Estudos & catálogos — mãos*

 

Ao dono, indelegável, personalíssimo, o direito de ferrar. Algo solene, quase místico, manhãzinha, que de tarde o sol, a poeira e a fadiga do gado seriam por demais. O proprietário, tomando nas mãos o ferro-quente – um cabo bem comprido, com uma madeira na ponta ou um sabugo de milho a protegê-lo; o ferro em ponto de brasa, marcava, de próspero, as reses recentes: as de compra e as de nascido.

O vaqueiro, no quinhão que lhe tocava (de cada cinco bezerros nascidos e criados, um para si; ou um em cada quatro; a variar, condições da terra), havia de ferrar, ele mesmo, com as mãos dele, a sorte dele. E com sua própria marca. Mas, de marca comum, no outro lado da rês, da banda esquerda, ferravam-nas, proprietário e vaqueiro, com a marca do santo, dita também da freguesia.

Conta-nos Euclides, em Os Sertões, sobre aquelas gentes, nós, iletrados, que sabíamos “ler” fluentemente qualquer marca de gado. Para os meninos da cidade grande: marca de gado, meu jovem, um ferro em brasa, o boi ali, subjugado; o ferro, rapidamente à perna-alta da rês, até fumacear num olor de carne-couro, chiante, queimante. Uns esturros de dor, no bicho. Passa-se-lhe, a “desinfetar”, um óleo rápido de carrapateira. É soltar... a ver criar e recriar – graças a Deus! Estas, parece, algumas notícias das mãos. Catálogos. E suas serifas. Arte. A arte dos ferros, tão vasta como a arte de decifrar o catálogo das naus dos aqueus, em Tróia, contra Tróia. E cavalos.

SF

Reparava, meninote, na perna esquerda dos bois. Se um A ali, era de Anastácio, santo, o padroeiro de Tamboril, de lá, a rês. Um Q? De Quitéria, santa, padroeira, cidade do mesmo nome, vizinhança.

Um S? Espere aí, meu caro, este boi é “meu” – Sebastião naturalmente; São Sebastião, “Ó mártir de Cristo,/ ó santo varão,/ livrai-nos da peste,/ São Sebastião!” –, janeiro, 20, padroeiro da Serra das Matas, dita outrora Vila da Telha, hoje Monsenhor Tabosa.

Os modelos da Ferrari, o catálogo de todos os filmes, o relato completo das grifes de marca, roupas de vestir, sabe-os todos, meu jovem? Pois sabíamo-los aos ferros, os nossos ferros. E berros.

Um chocalho num timbre alto; outro mais soturno, outro chocalho, e outro e outro. Tropel. De galos e auroras, meu caro engenheiro. Tecem a manhã os teus galos. Tecem os meus bois e seus chocalhos a tarde chegante.

Arte, coisas – o catálogo das letras finamente desenhadas. Nem tão grandes a não inutilizarem o couro do animal com uma mancha exagerada; nem tão miúdas a ponto de o vaqueiro não as “ler” à média luz, de média distância. E sabíamo-las de cor, a reproduzi-las no chão com um graveto fino. E suas serifas.

Arte! Aqueles pequenos rabichos que rebatem a perna do ou repuxam um pequeno rabinho duplo na ponta baixa do P.

SF

Experimente, na tela do seu computador, com a fonte Arial, que é um modelo tipicamente sem serifa. O A será um V de cabeça para baixo, atravessado por um garranchinho sem nenhum enfeite. Cabral. Retas. Arial.

Veja, agora, no modelo Times, o mesmo A. Repare que no final de cada perna da letra há um rebate, um acabamento a mais, uma pequena sapata. Esse enfeite é a serifa. Rabichos. Rebatido. A proporção justa, da divisão áurea. A haste maior e seu acabamento, eis a beleza das marcas de ferrar. Catálogos.

Virgílio Maia, poeta, é especialista em marcas de bois. E Socorro Torquato, a mulher dele, sabe desenhá-las em pedra & fogo. Assina-as: Côca.

SF

Há, dentre muitos outros, o catálogo dos leites. As coisas de gerar, parir, alimentar e comprar – gado – são minhas. Coisas d'Ela, as vasilhas impecavelmente lavadas, enxutas; os panos de coar, com uma marca vermelha, em ponto-de-cruz, serifas, o mesmo “ferro” do ferro dos bois. Coisas minhas: “espichar” os úberes (sem aniquilar os bezerros, evidentemente), levar para dentro de casa, ao fabrico dos queijos, os baldes de leite, sempre dizendo que estão bem leves, mas em tempo de me arrebentarem o espinhaço. Dali para frente porém o traço do coalho, os utensílios, as formas de moldar, mãos, levíssimas mãos, o grau de cozimento da coalhada, estas coisas são d'Ela, um catálogo fêmeo.

A prensagem do queijo, d'Ela. Um rápido torque no cabo da prensa. Toques, nem por demais para não ressecar ou espatifar a massa (e perder no peso, na hora de vender), nem de menos para não azedar o produto, de tanto soro, a perder na qualidade... Sim, um apertar de braços, abraços, Ela. Também do catálogo fêmeo, o desenformar do queijo, desembrulhando-o, alvíssimo (tomando-lhe o sal), úmido, lúbrico, uma tarefa da noite cedo. De mais um pouco, as coalhadas e suas terrinas, ceia e rezas – d'Ela, minha. E a noite.

Levá-los, queijos, à feira; negociá-los em açúcar, querosene e alguns álcoois são coisas de minha lavra, numa tropa de burros. No cavalo mais dócil, de parelha com a burra Faceira comigo em cima, Ela. Na volta, um cálice de Imperial. Ou do Porto. Sem esquecer o nome das reses. Ela quem ajuda a escolher. Flor do Pasto à vaca “mais bonita do lugar”, Ela disse. [Eu disse: Flor, tu!] O touro Canário, lhe botei este nome, aos canários de um certo alpendre. Ela sorriu. Mas zombou que noutras casas, de alpendre e saias, havia canários. Eu disse que não seriam amarelos tanto quanto.

SF

Ah! O catálogo das águas?! Aquele cavar, escolher onde cavar, recavar (porque tudo que um dia eu cavo, a cheia vem e entope), coisas minhas, catálogo meu. Encher os cântaros – cabaças, roupas, lajedos, moitas de melão São Caetano, perfumar as redes em sol de capim-santo... Falem com Ela, digam que fui eu que disse. Mas o fabrico da moringa de sola, dita também borracha-de-sola, curtindo antes o couro em cinza e cascas de angico...

Assovelar cada uma das peças em paciência. E Arte! A arte dos couros; selas, gibões, peitorais, chinelos, inclusos os d'Ela (com as vaquetas mais tenras); sim, estas coisas estão comigo, sempre estiveram. Botar a moringa de sola a limpar o gosto e o cheiro da sola com tantas e tantas águas, falem com Ela. Também os canecos-de-beber, potes, jarras, bandejas, toalhas e ornatos de fino crochê; rendas e bilros; linhas brancas e de matiz.

Ainda no catálogo das águas, reparar no tempo, no “olho” dos formigueiros, “profetizar” se vai chover ou não, poupem-na. Se sabe, talvez saiba, mas de puro recato, Ela não diz. E o catálogo dos animais. Dizemos animais tão-só aos cavalos, burros e jumentos – e dalgum político mal-abusado. Gado é gado! Peá-los a campo, encabrestá-los, montá-los bravios, a pulso e ordem – cavalos e burros; jumentos não, que são dóceis e calmos de natureza – não remetam a Ela, tarefa minha, só minha.

Aos animais miúdos, patos, galinhas, pavões, perus e aos pássaros de dentro de casa — “assum-preto” — soltos, Ela quem os dirige. Ninhos – pô-los a pôr, deitá-los, tirá-los, o primeiro xerém, falem com Ela, por favor, que não entendo dessas artes.

Espingardear os inimigos, costurá-los à faca? Ela está inocente, mas saberá desembrulhar seus mortos.

Ia-me esquecendo, uma tarefa muito d'Ela: fazer, em letra calma, uns papeluchos “Ave Maria concebida sem pecados, rogai por...”, a apregá-los com um grude ligeiro, de goma, feito no bico da colher, na chapa do fogão de lenha; isto mesmo, pregá-los pelo lado de dentro, em todas as portas, em todas as janelas. Também nos currais quando os bichos adoecem, nos moirões das porteiras, protegendo a nós todos, brutos e viventes. Contra os de fora! Por dentro. E “esquecer” um desses papéis no fundo do bolso do meu gibão. Percebo que Ela o troca quando o suor do rosto... mãos... papel. Um longo aboio. Amarfanhado.

Nada melhor para assustar as aves de arribação que um aboio bem longo. Ferros de bois. Hoje, os computadores e as máquinas de satélite nomeiam e rastreiam os bois. Naqueles tempos, um chocalho, uma pisada mais arisca, uma cor de pelagem, o formato dos chifres e orelhas ou, irrefreável, a marca de ferros. Desaparecemos?

Dizem que sim, tal qual os livros-copistas e seus monges foram sumindo. Também os palimpsestos. Mas o poeta Virgílio me mandou os originais deste livro embrulhados num pedaço de couro de bode, todo escrito em letra de fino traço. Como haveremos pois de sumir com todas essas coisas?!

Catálogos! O catálogo dos Doze – tribos e apóstolos. Trivium e quadrivium, ou, digamos... uma lista... a lista dos galos. Galos? Sim, galos, manhãs e auroras. Ou da tarde rubra (Gular), num saguão de sombras, cimento, o olho em riste, desafiante, galo-galo: — De que me defendo?

O catálogo das cercas. Somos terra e cercas. Daqui para frente, não! Um risco no chão e se levantam marcos. Cercas. O catálogo abrange a cerca de jangarela, dita também de rama ou de ramada; as de lombo; as de arame de três pernas mais os estacotes na vertical; as de arame com doze fios, à prova de bodes e bacorinhos; as de fachina (de fachos, verticais, especantes) com moirões de sabiá a insultar com o tempo; mais as cercas modelo Piauí quatro fios de arame por sobre uma muralha justaposta, exata, construída à eternidade com as pedras de Castelo do Piauí, léguas e léguas, vide estrada de rodagem Altos-Piripiri.

Dizem que ninguém mais sabe fazer uma muralha inca. As pedras talhadas à mão destra, justas, sem emendas, nem cimentos; ou, pelo contrário, as mãos é que já nasciam talhadas à pedra. O que fazer agora do nosso catálogo de hinos do santo padroeiro, dos desenhos, das farinhadas, dos engenhos da rapadura, caieiras, tijolos, telhas, cal, piões, cumeeiras, biqueiras – o que mais, meu Deus? – se do sertão, dizem que acabou, resta apenas um juazeiro com as gentes debaixo (INSS) jogando sinucas?

Não! Não e não! Quem saberá, daqui mais uns dias, no catálogo das coisas de comer, notícias de um chouriço, que era apenas um estranho doce de sangue de porco? Um doce de sangue de porco? Talvez fosse nossa herança marrana a desmentir ao mundo uma possível condição de cristãos-novos.

Lubricamente matávamos o porco: as mãos viajando no quente das vísceras... Só quem já matou é quem sabe como é. A festa, os rins do bicho, assando-os ligeiros, afogueando-os ao primeiro trago. E a matutagem, um ritual de amizades em que metade ou mais das carnes saíam gratuitas, de puro gáudio, à certeza da retribuição quando do próximo porco do vizinho. Falemos agora da sorte. Sorte de vaqueiros, sorte de leitor. Há de ter sorte para abrir um livro. Abri-lo na página certa, no poema certo. De gostar ou não gostar. No primeiro lance, um lance de mãos. Foi assim que abri este. A esmo. O poema As Horas do Dia. Comecei pela Hora Uma

O dia vai começando
e diante d'Ele me calo.
No seio da escuridão
se escuta assim um abalo:
toda a caatinga estremece,
pois mais parece uma prece
o primo cantar do galo.

A emoção me disse que o fechasse imediatamente. Nessa mania de achar as coisas com as mãos como sói acontecer com os cegos, reabro-o, momentos depois, bem em cima da estrofe da quinta hora, que, noutro canto, um dia, cantei (Antífona):

Pontualmente,
de manhã bem cedo, pontualmente:
         o sol,
         o galo,
         a aurora,
         a lufada do vento,
         a manhãzinha,
         o café forte,
         a porta aberta.

Mais um entalo. E outro silêncio, a suspendê-lo só bem depois, para correr, na calma, o livro inteiro. Um defeito gravíssimo, a droga deste livro: é um só! Devia ser cem, um cento. Em multi. Sons. Aboios. Poeiras. Cinzas e memória. Pior é o seu autor: também único. E os juazeiros fervilhando de sinucas...

Virgilio Maia

Ah, meu caro Vergilius – Nunes Maia ou Publius Maro, tanto faz –, a legitimidade do nosso canto é tão-só a sustentar o júbilo. Se cantamos a vida, cantemo-la como a não morte; se cantamos a morte, que seja um psalmo de ressurreições.

Poeta Virgílio, creia-me, o catálogo das mãos é inesgotável porque as mãos dos novos hão de garantir as nossas mãos. Por sobre, sempre por sobre, que assim tem sido.

 

 

* Prefácio de RECORDEL, do poeta Virgílio Mais

** SF, menino.

*** Praying hands, Albrecht Dürer – Alemanha, 1515-1586.

**** O poeta Virgílio Maia

 

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Este, o 8º capítulo de Poética, um livro vivo, aberto, gratuito, participado e participativo, cheio de comentários que, a rigor — esta, a proposta —, os comentários, mais importantes que o texto comentado: abrir o debate, uma multivisão.

— Livro vivo, como assim?

— Porque em permanente movimento, espaço aberto a quem chegar, tão amplo como o espaço àqueles que aqui estão desde os séculos, todos em absoluta ordem alfabética. Seja bem-vindo!

POÉTICA: Capa, prefácio e índice poemas e poetas comentaristas

 

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Comentários:

ADAIL SOBRAL: Enumeração borgiana, construção cabralina, vertigem do frontispício de O Nome da Rosa, em que a descrição em palavras tem mais vigor, nestes tempos de desatenção, do que a vaga imagem do filme. Percorro maravilhado o inventário do impossível.
Prefácio inter-metalinguístico-leitura-pessoal-coletiva, vertigem. Gado é gado, mas vaca é flor e boi é canário. Listas e listas, correntes listas, em lista de Web. A alta tecnologia traz do “mato” a estranheza a quem não viu as personagens que desfilam em Virgílio e Soares, e evoca, para quem viu, o embate antiantigonal, pró geração, pois, num prefácio de griffe, de marca, de bois, de poesia, de amor. Há esperança.

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ADELAIDE LESSA: Soares Feitosa, poeta comovido e comovente. Passei noites no campo ouvindo o bezerro desmamado./ Bebi leite quente do ubre da vaca madrugadora./ Queijo é meu companheiro a qualquer e, se não houver, coalhada./ Quem lava meu filtro de água, repassada no carvão, sou eu./ Em menina, dei milho a galos e galinhas do alto de um pé de louro./ Sempre estampei versos em portas, janelas, armários, malas de viagem. Além de colecionar poesia dos outros./ Ainda agora rezo de mãos postas.// Mãos de mulher, ativas e contemplativas, comovem,/ Se as contemplar quando vivas, com uma lágrima no canto do olho, e depois, nos retratos de bisavós, avós e mães falecidas, comovem. Suavizam os corações pensantes./Vivamente agradeço por seu estudo das mãos/ d'Ela, mulher-mulher comoção.

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ADELINO BRANDÃO: Caro amigo Soares Feitosa: Recebi e agradeço o seu “Estudos & Catálogos – Mãos”, Edições Cururu. É de arregalar os olhos de puro espanto, ver como você sabe fazer as coisas. Parabéns! Obrigado. Continue em frente. Eu também conheço muitos sapos barbudos que pulam daqui, pulam dali, roncam e coaxam muito mas não vão além do charco. E quando se agarram a uma pedra, não a largam nem mortos. É o mundo. Quem nasceu para sapo não chega a andorinha. Continuo gostando de sua poética e espero receber sempre suas notícias. Um grande abraço deste seu irmão mais velho. Adelino.

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ALBERTUS MARQUES: Depois de muitas leituras, e enormes e profundas observações, a gente pensa, e com razão, que já leu tudo que podia ser bom, e já viu tanto que, no mundo de todos os mundos de cada um, nada há mais o que destacar. Mas aí nos chega esse “Estudos & Catálogos”, e todas as criações, já criadas, ficam devendo ainda um pouco muito, em termos de contados, todos os sentimentos ficam sombreados pelo sentir forte de quem narra, e qualquer escrita fica comparada à menor, diante dessa autenticidade. Sabe, Feitosa, todas as letras já estão mais do que conhecidas, pois é com elas que se gravam as palavras do nosso pensamento, as palavras todas já existem nos dicionários, pois são veículos da composição dos sentimentos. São os poetas que fazem de qualquer letra um significado especial; são os poetas que dão às palavras – conhecidas, um valor maior, um valor além, fazendo com que suas significações virem “significâncias” além do léxico, com o sentimento, com a arte do uso e o emprego da beleza. De vaca mais bonita, ao touro nomeado. Ferros de bois. E quem sabe das coisas, conhece os catálogos. Dos ferros, das águas, o catálogo dos leites. Coisas especiais, de queijos e coalhadas, seu fabrico, seus cuidados. Sua arte. A arte dos couros, o catálogo das cercas (“somos terras e cercas”). E as mãos? As mãos que fazem, que dominam, que acessam, que distribuem seus cumprimentos. Mãos de tarefas. Como diz Feitosa, é um catálogo inesgotável e a poesia, a poesia de todas as coisas, em todas as coisas. A poesia de todas as mãos, de autenticidade de um Soares Feitosa. As coisas sempre foram, mas só as conhecemos quando alguém fala delas. Nos seus catálogos infinitos. Com a arte de dizer. Um abraço do Albertus.

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ALCIR PÉCORA: Caro Soares Feitosa, acabo de receber o “Jornal de Poesia” com o seu prefácio do livro de Virgílio Maia, que infelizmente não conhecia. Sorte que há gente como você aplicada a destruir ignorâncias. Obrigado. Alcir

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ALFREDO FRESSIA: Obrigadíssimo, Feitosa, por esse texto belo, muito belo. Tem muito de épico, especialmente de homérico, sim, nessas enumerações. Valeu a pena você fazer essa edição, o texto a merecia. Parabéns, amigo. Alfredo

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ÁLVARO CEIÇA NEVES: Feitosa: Um bater de coração primordial, semelhante a uma batida dentro do útero, apoderou-se quando recebi castanho envelope e dobrado na minha caixa de correio. “Estudos & Catálogos – Mãos” – impressionado. A poeira e a fadiga do gado transportaram-me para um planalto de origens – carne-couro a chocalhar dentro de mim. Mãos. Mãos como vasilhas abertas à criação! Tudo parece tão perfeito assim. A questão da serifa não deixa de ser menos inquietante – existirá a desejada sapata debaixo de cada um de nós? Mas, sobretudo, fica a promessa de um “Recordel” anunciado, espero! No final, a renovação é sempre a continuação no ciclo pródigo da vida – “as mãos dos novos hão de garantir as nossas mãos. Por sobre, sempre por sobre; assim tem sido”. Lembra-me a infância da amizade pura, mãos ensinando amor. A

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AMÉLIA MARCIONILA: Que texto afinado! Que beleza de prosa! Fez-me lembrar infância, o “Ele”, o “Ela”, o “dia de matar o porco”, vivências minhas... Ao lê-lo viajei em emoção: pisei a terra, chão de Minas, vi o sol, o mato, o cheiro de choupana de colono, a água de mina, a reza no cruzeiro, a alegria de folia em apresentação na Fazenda Santana, do meu avô Mário Rapôso. O seu texto, na verdade, tem gosto de café de rapadura (que nunca me esquecerei), tem o aroma da rainha-da-noite, em floradas, em noites de lua, como têm os matizes de uma alvorada nas Alterosas. Li-o numa tarde morna de domingo, nas Gerais, circulada por montanhas misteriosas e protetoras... Deu-me vontade de subir no Pico da Bandeira e lê-lo em alta voz para que todo o Brasil me ouvisse. Obrigada pelo presente, Soares Feitosa. Ele deveria sim, ser lido, relido, divulgado, publicado, comentado e, sobretudo, sentido e saboreado! Aqui, tão longe, às margens do Paraíba do Sul, fico a meditar os mistérios dessa nossa linguagem brasileira e a grandeza dessa nossa abençoada terra. Na minha mineirice-nordestina posso dizer que temos um só coração literário quando me encanto com os seus gemidos de escritor nato, albatroz da caatinga, a me premiar com tanta riqueza. Agradeço “Estudos & Catálogos – Mãos”. Continue a me enviar suas maravilhas. Conta-me como faço para adquirir “Recordel”, de Virgílio Maia.

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ANA CABREIRA: Caríssimo sr. Feitosa, mas que coisa, hein? Aquilo que finge ser catálogo de miudezas, percebidas e por descobrir, é na verdade fórmula de encantamento, dessas que pegam de tal jeito que o coração fica grudado, feito passarinho em visgo. Mas olha (posso usar o tu, não é?), em 1975, Borges, o Argentino, fez publicar um livro só de Prólogos, lembras? E ali havia ainda um “prólogo de prólogos”, sugerindo uma cadeia ad infinitum. Pois é… Fiquei aqui imaginando uma coletânea de teus Prólogos – esses catálogos tão substanciosos e viscerais. Que tal? Um grande abraço. Ana

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ANA CAROLINA ELIAS PEDRETTI: Fiquei surpresa ao chegar em casa após uma viagem e encontrar um envelope seu. E fiquei mais surpresa ainda ao ler o conteúdo! Conforme lia, podia sentir o cheiro dos bois, da terra e do mato! Mais uma vez pude perceber que eu ainda tenho muito o que aprender para me tornar uma boa escritora! Muito obrigada por ter me mandado sua obra e parabéns pelo seu ótimo trabalho! Ana Carolina

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ANA ELISA RIBEIRO: Prezadíssimo Soares Feitosa: Recebi seus textos, o que muito me alegrou. Sua pesquisa é impressionantemente vasta. Envio aqui minhas “obras completas, por enquanto”: Poesinha foi lançado nas comemorações dos 100 anos de Belo Horizonte, em 1997. “Perversa” foi publicado em 2002, pela Ciência do Acidente, do Joca Terron. Há mais nas gavetas, assim como nos arquivos do computador e no futuro, mas ainda não tive tempo de publicá-las ou de fazer um bom arranjo. Abraço.

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ANDERSON BRAGA HORTA: Seu prefácio ao “Recordel”, de Virgílio Maia, é inventivo, é poético, é rico em virtudes intrínsecas, além da virtude primacialmente desejável – mas nem sempre encontrável – nos prefácios, que é a de atiçar o interesse do leitor no livro apresentado.

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ANDRÉ SEFFRIN: Meu caro Feitosa, “Estudos & Catálogos – Mãos” não é prefácio, é obra autônoma. Para quem navega nas águas de um Euclides da Cunha, de um Raul Pompéia, de um Guimarães Rosa, de um Pedro Nava. Feliz mesmo é o Virgílio Maia que pode juntar ao seu livro um outro livro de poeta. Prefácio? Uma leitura apaixonante e inesquecível. Parabéns e o melhor dos abraços, com tudo de bom para 2004, do seu amigo André.

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ANDREA CRISTINA LOPES: Confesso que viajei à minha infância. Revi cenas mágicas já esquecidas com a correria dos dias atuais. A lida com o gado, os queijos sendo prensados e a matança dos porcos. Só se viam crianças saindo pela vizinhança oferecendo pequenas porções da carne do bicho, costume local, que mais tarde seria retribuído da mesma forma. Agradeço imensamente a gentileza do envio dos “papé”. Não posso expressar a satisfação em receber a dedicatória na capa à mão. Poeta, eu? Quem dera! Nada sou diante de tão grandes mestres e, ainda assim, em minha enorme falta de conhecimento e vivência, mas não restrita paixão pela Literatura (especialmente a poesia), senti-me profundamente entusiasmada. Li e reli para ter certeza. O prefácio está maravilhoso (cadê o livro), ele provoca um conjunto de sensações sinestésicas que surpreende, são muitas imagens poéticas ao mesmo tempo. Você domina o mundo das palavras (conheço uma parte da sua poesia), prende definitivamente o leitor que vai se inserindo psicologicamente no texto e ao final resta a sensação de uma viagem fantástica e prazerosa. Gostaria de unir-me aos demais na homenagem ao grande Poeta Ascendino Leite, felicitando-o pelos seus noventa anos. Quem me dera chegar a essa idade, principalmente com um tiquinho assim da bagagem que ele tem, no entanto quero também prestar minha homenagem a você pela brilhante iniciativa de “Estudos & Catálogos – Mãos” e “Jornal da Poesia” onde eu agraciadamente te descobri.

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ANDREA SANTOS: Caro Soares Feitosa! Que tenhas um 2004 cheio de realizações! Bem... Grata eu fiquei pela lembrança enviada (até porque não sei como conseguiste meu endereço). Li e reli as voltas do gado, das letras, dos sinônimos à moda céltica – mas sem as obscuridades, entretanto com a profundeza do homem de letras que és. Seus jogos de palavras me impressionam, afinal é só um prefácio, e a composição “cava” e “recava” com “ela” a curiosidade catingueira, as emoções que em algumas ocasiões somente as mãos podem nos dar. “Estudos & Catálogos – Mãos” chegaram-me em boa hora, pois pude catalogar com as minhas mãos a inexaurível fascinação pelas criações alheias e minhas. Obrigada pela surpresa e vos confesso: espero mais!!

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ANTERO BARBOSA: Estamos demasiado cansados de prefácios técnicos, recorrendo abusivamente à linguística, a teorias da literatura, a citações massivas, a tudo isso. É refrescante ler um prefácio não técnico, coloquial, didáctico e que envolve o leitor nos adornos de uma “estória”. Excelente.

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ANTONIO CARLOS SECCHIN: Caro Soares Feitosa: obrigado pelos textos de “Mãos”, em especial seu belo prefácio, com direito ao “retrato do artista quando jovem”! Parabéns! Você, de fato, pôs “mãos à obra” e Virgílio deve ter ficado muito contente.

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ANTONIO LAURI DE OLIVEIRA: Deliciei-me com a leitura desse prefácio. Deliciei-me com a beleza da engenharia literária, com a escolha das palavras, com a descrição da marcação do gado, com os nomes das pessoas. Deliciei-me especialmente com a maneira como você falou das comidas, do “doce de sangue de porco”, o chouriço. Que maravilha é o chouriço! Depois do chouriço, você me fala do mel de engenho com farinha. Coisa dos Deuses. Que bom, poeta, foi ler esse belo prefácio que você escreveu para seu amigo (suponho) Virgílio Maia. Eu, no lugar dele, estaria muito feliz, por esse presente tão generoso. E certamente está. Como disse um dos que escreveram a você (eu li todos, incluindo o econômico Affonso Romano de Sant'Ann-Valeu! ars-), seu prefácio é uma peça literária. E vou mais longe. Acho que esse prefácio tem vida própria.

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ANTONIO MARIANO DE LIMA: Li com prazer seu prefácio ao “Recordel”, novo livro do poeta cearense Virgílio Maia. É um exemplo curioso de como se pode construir um texto com identidade própria, que funciona independente da obra da qual é intertexto. Tem estilo, tem alma, respira mesmo. Que a velha academia comece a beber também em mostras de leitura como estas. O prefácio cumpre também o importante papel que é o de provocar o interesse do leitor sobre a obra que apresenta. Onde posso encontrar o livro? Um forte abraço, muita poesia, parabéns ao poeta prefaciado e ao prefaciador.

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APARECIDA MARIANO DE BARROS: Senhor escritor Soares Feitosa. Recebi “Estudos & Catálogos – Mãos”, trabalho maravilhoso, trazendo-me recordações: os boizinhos da fazenda de um tio e, principalmente, as pescarias na companhia de papai, nas barrancas do Rio Piracicaba. Que saudade! Um dos rios mais piscosos, hoje poluído. Às vezes, pescaria de rodada, quando o dourado era o rei dos peixes. Assado com batatas; o pintado, cujas postas enriqueciam o cuscuz. Em todos os textos encontrei construções literárias exatas na maneira de expressar com destreza. Tropecei em algumas palavras: surubim, corgo, corró, mel de engenho. Este não seria o nosso melado ou melaço paulista? Obrigado, Soares! Com admiração, Aparecida Mariano de Barros

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ASCENDINO LEITE: Mestre Soares Feitosa, Poeta, você me retirou, por audaciosos inventos, da cova sadhâmica em que me tem metido a velhice avançada. Não estou pasmo. Estou ferrado. Grande feito! Precisei viver tanto para merecê-lo. Depois de ter examinado várias crateras roseanas, vi que você é um mestre ousado e pode passar da invenção das oisas com retumbante êxito. Gratíssimo. Ascendino.
PS: Pergunto: quem é Conceição Paranhos? Soares: quero saber quem é essa Conceição eclética! Professora, Literata, Ensaísta, Crítica de ofício? Fã ou tiete pedindo novo Sagarana para formar novo triunfalismo sobre nosso idioma agonizante?! Muito mais que tudo isso, estou sentindo uma pessoa sábia, uma escritora admirável!

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ASTRID CABRAL: Li com extremo deleite Estudos & Catálogos – Mãos. Além de bom poeta, você é um prosador primoroso. Tem raro domínio linguístico e o olhar voltado para o essencial telúrico, tão ameaçado pela abusiva urbanização do Brasil contemporâneo. Para mim esse mundo rural do Nordeste arcaico é fascinante e o retrato que você em poucas páginas nos dá é conciso e perfeito. Se vivo, Mário Andrade bateria palmas. Ao produzir literatura da melhor, você também faz sociologia. Pergunto: Emile Durkheim, ao tratar da divisão do trabalho, examinou com tanta argúcia esses dois universos distintos onde atuam as mãos do homem e as mãos da mulher? Se examinou, certamente não se valeu da linguagem literária, pois esta é que “ferra” para sempre a lembrança. O prefácio alvoroça seus leitores para conhecer o Virgílio cearense, manusear-lhe as novas geórgicas.

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AUGUSTO BARBOSA COURA NETO: Sensibilizado agradeço a remessa de “Estudos & Catálogos – Mãos”, que veio me enriquecer intelectualmente. Confesso que meu dia frio foi aquecido pela esperança de tê-lo como amigo e paredro, para conhecimento melhor da literatura nordestina, que muito aprecio. O prefácio sobre o livro “Recordel”, de Virgílio Maia, foi deveras enriquecedor. Senti invadir em mim uma gama intensa de saudades, pois eu nasci no interior de Minas Gerais (Ponte Nova), ou melhor, na roça, como diz o mineiro que não nasce na cidade, tendo a cidade apenas como referência no registro de nascimento. Assim pude penetrar de coração no âmago e vivência do que o nobre amigo prefaciou. Quero parabenizá-lo também pelo “Joelhos & Mel”. Na minha infância muitas vezes dosei erradamente o mel e a farinha (eu era muito arado).

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AURA REGINA SORRENTINO: Que alegria foi para mim receber o “Estudos & Catálogos – Mãos” impresso em papel, poder tocá-lo com meus dedos sentir a textura e cheiro, poder carregá-lo para todo canto. Adoro mexer em papel. Quanto ao seu prefácio, que texto maravilhoso, que fluência que você tem e que prazer foi poder viajar pela sua mente nesse espaço do Nordeste que só conheço via autores e muito pouco por turismo. Adorei receber também “Da caixa postal aos corrós de açude”. Que linda homenagem fizeste ao Poeta Ascendino Leite!

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BERNADETTE LYRA: Deslumbramento! Sou fã de carteirinha desse senhor e até sonho com ele (às vezes, arrodeado de cabras, bezerros e demais bichins e de chapéu de couro; às vezes de terno e gravata, folheando um ror de leis e petições e mais quejandos)! Bem, caro escritor e amigo, vou lhe enviar uma correspondência em separado, para seu endereço postal. Assim, aproveito e mando um livrinho meu, coisinha pouca, nonada, de frente a seu traquejo com as palavras. Bernadette, a boquiaberta.

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CAMILO MARTINS: És deste planeta? Ou vieste de outro universo [dimensão] galáxia superior, intracardíaca, “cérebro-meridionáltica”? Sim, pois esse poder de dar vida às palavras e fazer cururus saltar para dentro da gente sem estourar as glândulas venenosas e nos ferir mortalmente, com certeza é um truque mágico novo!
Esse “Estudos & Catálogos – Mãos”, que me enviaste é de uma profundidade intragaláctica e na verdade eu gostaria de nesse momento pegar o primeiro jegue aéreo rumo ao Ceará, mãos no bolso, à toa, à toa e ter a oportunidade de sentado numa preguiçosa e, tete a tete, tecer os comentários a respeito deste fenomenal “préfácio”.

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CARLOS FELIPE MOISÉS: E sou-lhe grato, também, pela riqueza e o vigor do Estudos & Catálogos – Mãos. (O Virgílio Maia – mande-lhe, por favor, meus cumprimentos – deve estar pra lá de feliz com o magnífico prefácio.) Sinto que, nesse texto, você domou todos os potros selvagens da sua fala, a fim de que eles possam, paradoxalmente, correr livres e soltos. É a “paixão medida”, de que fala o Drummond, aquela fusão paradoxal, acima referida – ambição de todo escritor.

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CARLOS GILDEMAR PONTES: Nós, urbanoides viciados em técnica e moleza, engordamos nossos corpo e mente diante da TV e do computador. Tudo bem! Ficamos informados e não precisamos ir ao supermercado-capital para escolher a cor da lua. Na aldeia global o sinal de fumaça nos previne ou nos aniquila. Vimos estupefatos o 11 de setembro se transformar em pesadelo digital, vimos um menino iraniano de corpo e cabeça, e só, ceifado de pernas e braços pelas bombas estúpidas do inteligente Bush ou o contrário dá no mesmo. Agora vai para o reformatório sacrossanto do capitalismo em algum hospital livrar-se do pesadelo: vão lhe botar pernas novas, braços novos, pés e mãos novinhos e vão substituir sua memória e seu olhar por fotografias, aos poucos seu cérebro será substituído por um chip minúsculo e ele verterá lágrimas de óleo singer, até que um curto-circuito lhe mostre o mundo que perdeu. Do horror ao estupor vamos arquivando nossas relações de amor e megabytes. Sou do tipo urbanoide, litorâneo e escolarizado. Leio e escrevo para não morrer de tédio ou para deixar outros mundos de herança para minhas filhas. Mundos como os que pude ver e sentir na minha infância. Sorte minha meus pais terem nascido na Serra do Baturité, Mulungu, Catolé, Trapiá, Riacho do Meio e adjacências. E o vovô tinha uma moagem na Serra e uma fazendinha no Canindé, Caridade, Camarão, lugares bem pertinho do paraíso. Pude com isso saber das coisas do mato, dos cheiros da autora, das cores que inverno deixa quando parte e não se sabe se volta tão cedo. Bois e cavalos, jegues e cachorros, gatos e galinhas, perus e bodes, leite mungido, pão de milho, panqueca, jerimum amassado ao leite, coalhada, canjica, arroz doce, pamonha, fubá, manga rosa, sapoti, siriguela, estia gosto de tudo isso na boca! Dizem que os velhos costumam esquecer o passado há-pouco e lembrar do passado remoto, na infância. Antecipei um dia desses a lembrança de velho. Escondi-me nas locas de pedra, espreitando passarinhos de baladeira estirada. Pei!, lá se foi uma rolinha. Corre, que a corre-campo vem aí doida por uma perna de menino. E nós, a primarada, afobada batendo o pé na bunda de tanto correr. A vovó gritava de longe “Chico, deixa de fazer medo a esses meninos!”. Ela nem sabia que era de vera. Tudo isso escorreu sobre mim quando li o prefácio de Soares Feitosa para o livro de Virgílio Maia. Eita prefácio pai d’égua! Aí lembrei do que disse um desses críticos enfastiados. Tem prefácio que é melhor do que a obra. Ora, um e outro são uma coisa só, senão o autor não pedia ao amigo que o apresentasse. E todos nós temos os nossos pares de prefácio e escolhemos os livros que queremos prefaciar. Aposto que o Virgílio Maia ficou feliz e o Soares ficou orgulhoso. Eu fiquei aqui com uma pontinha de inveja saudável, que se cura sem doer nem fazer mal, porque conheço os dois. Talentos, têm de sobra. E boa literatura é talento agregado a uma dosezinha de inspiração.

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CARLOS HERCULANO LOPES: Muito obrigado pelo “Estudos & Catálogos – Mãos”, que li com o maior interesse. Precisamos sempre de gente assim. Com sua garra, para manter sempre aceso o pavio da poesia. Um grande abraço e parabéns.

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CARLOS NEJAR: Poeta-Amigo Soares Feitosa: Quero abraçar-te, comovido, pelo fulgor e inventividade do teu prefácio ao admirável Virgílio Maia (conheço-o de outro livro, não deste). O prefácio é um poema de belíssima feitura, com o estalo e o catálogo do sertão, o que fica: coração aprumado na luz. Seu irmão pampeano, o Carlos Nejar

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CECY BARBOSA CAMPOS: Meu "jovem" amigo Feitosa: Do alto dos meus sessenta e seis, sinto-me no direito e com dever de protestar contra essa história de velhote. Poeta iluminados, mestre da palavra, como você e o Ascendino, não têm idade. São donos do tempo! Quanto a Estudos & Catálogos, que privilégio receber tanta beleza concentrada em tão poucas páginas. É preciso mais, que esta beleza se expanda em muitos livros e publicações. Também não posso deixar de citar a iconografia transcendental — Ticiano, Dürer... imagens que se unem às imagens do texto lançado ao leitor em estado de ansiedade que só será aplacado (ou aumentado?) com um segundo número da série. Agradecimentos fervorosos. Cecy B. Campos

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CIDA SEPÚLVEDA: Impressionante como você consegue aglutinar tanta gente em torno da poesia. Para mim, que tantas vezes me sinto à deriva (enquanto poeta), é um alento entrar em contato com este planeta cujo sol é você. Desejo que a Editora Cururu tenha papel tão relevante para divulgação da literatura produzida aqui e agora quanto o tem o “Jornal da Poesia” na internet. Sua linguagem se constrói em camadas de concreto e sonho, traçadas e trançadas duro. É o substrato humano que aduba o Sonho – desejo de poetar. Dá-se, então, uma reação química cujo produto é uma joia delicada e complexa que embeleza o trágico e dele se extrai. Ao tentar explorá-la, me perco em suas formações rochosas e luzes multicores. E me deleito qual criança a olhar as nuvens que correm céu, ao léu, véus de noiva, tensões de águas vivas. Sim, poeta, escrevamos, não há outro sentido agora! E espero para breve um livro seu, não eletrônico, que se possa carregar na bolsa, ler na cama, sentir o corpo adensado pela mágica linguagem – a poesia.

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CLÁUDIO AGUIAR: Há na sua lavra aquele rumor poético que ultrapassa a delimitação dos gêneros que parece prescindir da forma, porque se apresenta pura, cristalina, gerando emoções ambivalentes e plúrimas.

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CLAUDIO LEAL: Caro poeta Feitosa, quero ressaltar que o seu esmero com as palavras e o forte conteúdo por elas impresso ao longo dos seus textos, me conduzem a dois sertões: o de Guimarães Rosa e o de Euclides da Cunha. Há cheiros, pegadas, rastreamentos... E por falar em olor, a ideia de colocar as sementes de imburana-de-cheiro num envelope foi magnífica e aquela observação “sem conservantes nem produtos químicos”, excelente. Devo acrescentar que sempre recebo com entusiasmo os seus trabalhos – tanto em prosa como em versos – e que eles me dão a satisfação de conhecer universos que as cidades não oferecem mais. “Os segredos, não os desvendarei – as mãos, a voz, este 'sim' – Ao ler estes versos de sua autoria, me veio à mente, logo, de imediato, colocando-o no mesmo veio poético do Ferreira Gullar de a 'Luta corporal': 'Caminhos não há, mas os pés na grama os inventarão'.”.
Avante, poeta!
Abc do poeta Cláudio D. C. Leal (Cacau Leal)

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CLOTILDE TAVARES: Recebi seu “Estudos & Catálogos – Mãos”, que li enlevada. Imagine que estou escrevendo as antigas histórias da minha família, passadas no meio de fazendas, criação de gado, essas coisas das quais você fala... A leitura caiu como água em terra seca. A delicadeza do “Ele” e do “Ela”...

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CRISTIANE FRANÇA: Sorte? “Há de ter sorte para abrir um livro. Abrindo-o na página certa, no poema certo”. O que há em mim que pediu encontrar a poesia? Desafiamos por vezes a sorte... Poema certo, lugar incerto... Segure o vento... Segure o vento... Minha querida sobrinha de pouco mais de um ano, aperta os olhinhos de estrela e estica a mão pequenina: em deleite apodera-se! Chama-se Beatriz, igual à de Dante. Recebi sua lembrança no dia de hoje. Estou segurando o vento, página 6, chama-se página 6. Parei um pouquinho para agradecer sua delicadeza em soprar na minha direção “o sol, o galo, a lufada de vento...”. Pensei agora como é bela a escrita não virtual. Algumas palavras, uma assinatura... O texto enviado torna-se magnífico com o desenho das letras feito pela tinta da caneta. Obrigada, pelo cuidado do gesto. Agora sou eu quem sopra em sua direção: Ladeando o desequilíbrio e a normalidade./ Não sou feita de nenhum destes mundos./ Não é a loucura, não é a adaptação que me inscrevem./ Meu ser é a improbabilidade, a indefinição. É sentido da intuição mais pura./ É a vida levando a si./ A alma sem o corpo. /A paixão sem a razão./ O amor pelo amor./ Se me fez de tal forma,/ Sustenta-me ou salva-me!/ És ou não o Deus da misericórdia?

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DAVID MEDEIROS OLIVEIRA: Quedou-se reforçada a minha primeira impressão, de quando li “Adolescíamos”, suas palavras são imagens, são como um roteiro. Prova? São várias: a ferrada nos bois, o fumacear das marcas, os catálogos, as marcas, os “as” em times e arial… Catálogos. Lê-lo, Feitosa, é como viajar. Seu estilo: roteirista; suas palavras: movimentos… Ah, os cavares e recavares de nossa vida! Visualmente, um detalhe que me impressionou (e como você me impressiona!): as fotos. Sua foto jovem, no início, e a foto de Virgílio, ainda novo, mas atual, no fim do texto. O catálogo das letras desenhadas no couro de outrora, e o catálogo das grifes de hoje; as marcas nos bois, as letras no PC. Indago: basta a viagem no espaço? Não, a viagem é no tempo.

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DEAN FALECK: Meu caro amigo, você me mostrou as portas e me disse com outras palavras que a chave é o talento e, este, não podemos desperdiçar de jeito nenhum. Muito obrigado, meu amigo. Bom, meu caro Soares, quando falei que você é um Mestre, não foi de brincadeira. A realidade é que eu li o seu texto e achei impressionante a forma com que você mexe com as palavras. Acredite em mim: quando te chamei de gênio não estava mentindo nem zombando e, sim, dizendo a verdade.

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DEISE ASSUMPÇÃO: Tomo a liberdade de fazer duas considerações sobre seu Estudos & Catálogos – Mãos, mesmo correndo o risco de ser repetitiva frente aos inúmeros comentários já elencados. A agilidade da linguagem atrai o leitor, mas isso é apenas juro sobressalente. Rende mesmo é a crítica forte sem ser pesada, ironia lírica. O texto salta dos ferros em brasa, com direito a um passeio n’Os Sertões de Euclides e pelas orações populares, para “os meninos da cidade grande”. E quando a diferença entre os mundos se insinua e parece estabelecer juízo de valor e enveredar para o tão decantado saudosismo dos tempos e lugares idos, essa agilidade aproxima-os. A crítica não se faz opondo-os, mas aproximando-os inesperadamente pela via estética. No jogo entre as marcas de bois e o times e o arial, os dois mundos colocam-se em pé de igualdade. O lirismo toma conta do texto num outro jogo: masculino versus feminino. Mais uma vez é a linguagem que mostra a diferença homem-mulher, valorizando um e outro. Derruba num passe poético machismos e feminismos. Lembrou-me Eça no conto Adão e Eva no paraíso, quando a narrativa vai justamente mostrando a função do homem e da mulher na formação do humano. E os “papeluchos” de oração em “letra calma”? Você os escolheu para fechar o rol das funções da mulher. Lembrou-me a Otacília, de Riobaldo.

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DIATAHY MENEZES: Chico Feitosa dos sertões dos Inhamuns! Você é o demiurgo que transforma um simples Prefácio num texto evocativo de nossos sertões. Beleza que nos salva da neurose da Verdade, como nos ensinava Nietzsche! Abraço de felicitação para você, Virgílio e Côca. Diatahy

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DIMAS MACEDO: Meu caro Soares Feitosa, Estudos & Catálogos – Mãos é um texto para matar. Clássico, bom gosto de marca literária e de estilo. Erudito. Feito léguas de memórias e de crença na ancestralidade edificante. E mais: sem reticências.

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DOMI CHIRONGO: Recebi o abraço em forma de mundo e o convite que não sei se mereço. Sim, o que recebi é mais do que um envelope do JP com um belíssimo prefácio do livro “Recordel”. É mais do que comentários de intelectuais que já devia conhecer (Confesso aqui a minha ignorância). O que recebi há dias transcende a minha imaginação. Foi por isso que demorei reagir. Caro Soares, o seu gesto de me mostrar um pouco do universo literário a que pertence transforma-se em solidariedade com uma forte carga de criatividade indescritível. Até aqui estou confuso. Ainda não sei se devo responder. Por isso me desculpe a eventual incoerência no conteúdo. É que na verdade recebi um universo em minha casa. Imaginem um universo “invadindo” uma moradia! Estou ainda perplexo e tentando me restabelecer. Repare que sempre estive distante, às vezes electronicamente perto. Mas quando o imaginado começa ser real logo começamos a acreditar vivamente em nossos sonhos. E que seria da vida sem sonhos!… Vê, caro Feitosa, o efeito que provocou no meu horizonte idiossincrático? Não, você não pode ver. Olha, eu sou do País de Mashonguezy, do Rosa-Rosa e tantos outros desconhecidos do Índigo. E quando me aparece uma pessoa com tamanha proeza a dar sinal de vida artística é algo para ficar sem palavras! É de pessoas com seu espírito que o mundo precisa. É de pessoas assim que a literatura necessita. É da sua criatividade que os leitores merecem. PARABÉNS!!!! Saudações Literárias. Domi Chirongo. Moçambique.

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EDNA MENEZES: Senti-me meio perdida. São palavras que gritam, ecoam, mugem e cantam canariamente. Preciso de tempo para absorver, sensação estranha essa que estou sentindo, só o velho Guima (Guimarães Rosa) fez isso comigo. Esse sempre me faz sentir-me numa densa floresta de palavras e, nesse texto... Não consigo encontrar caminho, isso é uma “gravanha”, diria Manoel de Barros. Acho que preciso abrir meu horizonte de leitura... Gosto disso.

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EDUARDO GOMES MACIEL: Meu Querido Amigo Feitosa! Foi com muita alegria que recebi o envelope enviado por você e mais alegria ainda quando apenas percebi o conteúdo. Daí você pode imaginar o deleite que foi lê-lo novamente. Mas aquela sua frase acerca do defeito gravíssimo do livro resenhado – o de ser um só – também me lembrou do defeito gravíssimo da escrita: não poder, por maior que seja o gênio do escritor, trazer a presença, o magnetismo, a sonoridade de personalidade tão singular como a sua e cujo defeito reside exatamente aí, em ser único. Talvez isso explique o fato de você também conseguir reconhecer aqueles que, como você, também são únicos. Abraço saudoso. Eduardo

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EDIVALDO DE JESUS TEIXEIRA: A sua poesia insere-se, efetivamente, no real. É possível perceber que sua preocupação não se restringe à matéria seca da palavra; não, supera-a, para expor com intensidade a vida e suas circunstâncias.

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ERIKA JANE: Receber o teu presente foi como ouvir música clássica em noite insone. Tuas palavras têm cheiro de flor de umburana e um gostinho único de umbu! Obrigada por fortalecer a minha esperança nas letras e palavras.

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FOED CASTRO CHAMMA: Poeta Soares Feitosa: Os moços da Padaria Espiritual seja de onde estão hão de regozijar-se com o veneno de cura das Edições Cururu e o “Estudos & Catálogos – Mãos”, prefácio/ensaio, que o livro de Virgílio Maia enseja, lembrando os ferros do Bode Alado de Ariano Suassuna e Guilherme da Fonte, ou Uma Burra, da Heráldica Sertaneja, em anúncio publicado no jornal “A República” de Fortaleza, Ceará, edição de 2 de novembro de 1898, e reproduzido no nº 51 de O PÃO, do redator-chefe Virgílio Maia. O emaranhado de itinerário de fogão de lenha, gibões e moringa de sola no “catálogo das águas” dentre outros itinerários é um convite premonitório à leitura de “Recordel”. Muito agradeço “ao dono, indelegável, personalíssimo” esse “Estudos & Catálogos – Mãos”, de Soares Feitosa. Sinceramente, Foed

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FRANCISCO CARVALHO: O seu prefácio é uma longa história de erudição esculpida na epiderme dos papiros. “Sem esforço, pode-se perceber a veracidade do que foi dito e a eloquência do que se calou”. Esta frase de Luiz Tavares Júnior sobre minha poesia aplica-se como uma luva sobre o seu arrazoado. Os depoimentos dos que o leram me deixaram completamente nocauteado. Você jorra sabedoria grega e troiana por todos os “poros da semântica” (Jorge Tufic) do seu prefácio. Em certos momentos, chega-se a ter a impressão de que você escreveu um tratado sobre as origens legendárias de Tróia. Você há de convir que tudo isso é uma overdose para um poeta de beira de rio, igual a este que lhe escreve estas mal traçadas linhas. De um simples prefácio sobre coisas que dizem respeito a ferros que identificam a genealogia dos bois, você faz um ensaio ecumênico, coisa para letrados e demiurgos que foram beber sabedoria nas fontes mais remotas da cultura universal. As cartas e os artigos que fazem remissão ao seu trabalho, esses escritos são da mesma têmpera e profundidade. De tal modo que os elogios ao livro e ao dito prefácio se fundem num só núcleo. Fico por aqui, caro poeta Soares Feitosa, pois estou com receio de escorregar nalguma casca de banana, haja vista que me sinto destituído de lastros racionais para acompanhá-lo nesta viagem altaneira pelos labirintos da transcendência. Convencido estou de que me acho entre aqueles que já “não sabem fazer uma muralha inca, sem emendas, nem cimentos”. Fraterno abraço do seu admirador, Francisco Carvalho

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FRANCISCO FRANCIJESI FIRMINO: Poeta Soares, fiquei tão maravilhado com a sua escrita que até tive vergonha de ter-lhe mandado o que escrevi. Não quero lhe dizer nada enjoativo e que pareça demagogia, mas você me proporcionou momentos de muito prazer com a sua escrita. Francijési

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FRANCISCO JOSÉ AGUIAR MOURA: O sangue latino-americano que corre em minhas veias me proporciona momentos de recorrente saudade. Ora disto, ora daquilo, ora daquele(a). De repente me deu saudade do colega betanista amigo-irmão Soares Feitosa, agradável companhia e papo não menos, e seu “Jornal de Poesia”. Lá estava, no mesmo lugar, o “Jornal de Poesia”. Navego aleatório e encontro Um cronômetro para piscinas. Leio, releio, tresleio, entre embevecido e admirado, tentando entender de quanto é capaz a imaginação criadora do artista. “O artista enche o mundo de beleza”, tira do nada o belo; o detalhe que ninguém vê, como a pôr em pé sucessivos Colombos. Nisto a Arte! Vejo uma “lufada de vento ao contrário”, “um corisco teria sido mais lerdo” e “um olhar tão doce e gentil que, imediato, lancei-lhe o perdão”. E vejo que tudo é belo! No mais, como pode minha vã e comum filosofia perscrutar os miolos geniais? Retratinho de bom menino já prenunciando o gênio futuro, emoldura “Estudos & Catálogos – Mãos”. Sustente meu júbilo, caro amigo!

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FRANCISCO MIGUEL DE MOURA: Excelente depoimento poético de uma época e de uma linguagem que vai-se acabando entre as bugigangas da língua inglesa, agora através do computador (internet). Mas felizmente também é uma grande invenção. Você escreveu coisas que me fizeram lembrar de minha mãe. Não esqueceu das cercas do Piauí. E os poemas? A gente segue sem vontade de imitá-los. Ao contrário dos outros poetas, você não permite emendas; está completo. Glória a nós enquanto o mundo não se acaba de todo. A literatura e a linguagem…

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GILBERTO ALVES JR: Poeta Soares: Permita-me fazer uma leitura menos teórica do “papé”. Além disso, vale dizer que é a leitura de alguém que não tem saudade de todas as coisas que você narrou, mas, talvez, vontade de conhecê-las algum dia. Alguém da cidade, muito da cidade. Até demais. As mãos, a forma rústica e ao mesmo tempo doce como elas são desenhadas nas suas linhas, e nas entrelinhas, fica na mente. O couro do boi, meu avô tinha um como tapete na sala, eu me lembro bem disso. E é o único contato que eu já tive com couro de boi. Mas o universo do qual você fala é, para mim, outro mundo, o que torna a obra muito mais interessante. Vai sendo uma descoberta atrás da outra. O único contato com queijo que eu já tive: vê-lo no supermercado, embalado. Com o leite, em caixinhas longa vida. A impressão que dá é que a gente esquece que o leite vem da vaca, que alguém cuida da vaca, que a vaca come pasto e tudo isso no campo. A impressão que dá é que as caixas de leite dão em árvores, e são colhidas e levadas para o supermercado. As duas histórias seriam iguais para mim; eu nunca vi uma vaca dando leite, tanto quanto nunca vi uma árvore de leite longa vida. Assim, esse universo novo e diferente vai sendo aberto, jogado na minha cara, de uma forma que causa muita estranheza. E beleza! Eu li seu “papé” no trepidar do ônibus, na avenida Marginal do sujo Tietê, não numa rede às margens de algum rio que corra devagar e limpo. Assim, minha leitura é bem diferente da de alguém que passou pelas experiências que você conta. E se quer saber: achei tudo muito lindo. Gilberto Jr [da cidade]

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GIZELDA MORAES: Caro Soares! Fui agraciada com o seu texto Estudos & Catálogos – Mãos. Foi o texto mais lindo, mais bem plasmado, que li ultimamente. A princípio pensei que fosse um conto, só depois vi que era um prefácio. É mais que um prefácio. Ah, se tivéssemos tantos prefácios assim! Você precisa escrever um romance sobre o tema. E as apreciações? Como temos gente boa neste Nordeste, neste país! Levei seu texto para o meu grupo literário, foi sucesso.

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GLAUCIA LEMOS: E o prefácio, mas que prefácio, menino?! O texto todo é miolo principal, razão de ser de publicação à parte, esse que me fez revisitar um cheiro de terra molhada no receber um pé-d’água em cima da quentura do chão. Resgatou-me da infância o cantar da chuva noturna em telhado de telha-vã feita de barro. Conto que só quem conhece é quem viveu em cidade do Nordeste, que a chuva não canta assim em cima de cobertura de laje. O texto, “seu” Soares, é mais uma impressão digital do poeta Soares Feitosa. Um coração nordestino tem o formato do mapa de toda a sua região. Altera a anatomia. Que saudade me deu de um trecho da infância vivido em uma capital mais nordestina que esta capital da Bahia onde nasci e que amo extremamente! Quem me dera retornar à Paságarda onde não sou amiga do rei, mas mereço andar pelas ruas sem o dever de me cuidar de uma possível arma me ameaçando as costelas. A gente cansa desse universo de portões e grades e da paisagem rígida de espigões que tapam o sol e escondem as águas da baía. E pensa no mato. Por isso, um VIVA! Aos aboios das manhãzinhas e dos entardeceres ecoando em distâncias imensuráveis... Apenas ecoando. Um VIVA! ao poeta que vive tão intensamente essa sua raiz e nos faz evocar um mundo que talvez nem exista mais. E ao “Francisquinho de dez anos”, que até dá vontade de carregar no colo. Instinto materno é ainda mais forte que raiz. Privilégio feminino ou... sentença de servidão.

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GRAÇA GRAUNA: Congratulações pelo “Estudos & Catálogos – Mãos” e pela fortuna crítica em torno do seu prefácio e da poesia do Virgílio Maia. Concordo com o leitor Adail Sobral que fala de Esperança à luz do seu texto. Pois bem. Apesar destes tempos nus, é coisa bonita de ver e sentir a Esperança que brota de uma tríade poética/afetiva/semiótica, particularmente nas passagens em que você expressa admiração ao Virgílio e à desenhista Socorro Torquato – Côca. Gosto das coisas que você reinventa para melhorar o mundo; coisas de quem carrega no nome Ars Poética; que o diga Conceição Paranhos: “Você está crescendo mais do que um jequitibá”. Também pergunto: cadê o livro do Virgílio? Nem li “Recordel”, mas pela leitura de “Hora Uma”, que ilustra o seu prefácio, dá mesmo vontade de receber o sol, a aurora e o café quentinho e forte da caatinga que nos dá força no amor e na guerra. Seu “Catálogos” chega em boa hora. Acabo de receber um convite de Sébastien Joachim para participar, em junho próximo, na UFFPE, do seminário “A cidade o campo: cidadania e nomadismo”. Conforme Sébastien, nesse evento será dada uma atenção especial ao índio (autor e personagem) e aos poetas — dois emblemas do nomadismo. Abordarei questões relacionadas à identidade na poesia indígena e brasileira. Citarei seu “Catálogos”. Final de dezembro, de passagem pela região central do Brasil, vi muitas daquelas marcas nas quais “aprendemos a ler”. É exatamente como você diz: “marca de gado, meu jovem, um ferro em brasa, o boi, ali subjugado; [um] olor de carne-couro, chiante, queimante; uns esturros de dor”. No interior de Goiás conheci o Rio das Porteiras onde ecoam esses esturros, em “Tropas e boiadas”, de Carvalho Ramos.

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ILDASIO TAVARES: Impressiona à primeira vista o texto do prefácio de “Recordel”, obra do escritor Virgílio Maia, pela sua inteireza de linguagem, engendrando o que podíamos chamar de uma sadia organicidade do discurso literário – os signos, os símbolos, a imagística guardam entre si uma estrita coerência semântica, traçando o quadro geral de uma expressividade nordestina, rural (basicamente), forte e que demanda uma acurada percepção para que o leitor se deixe impregnar pelos tons, entretons e sentido geral do texto, captando a interrelação precisa do texto com o contexto. Acresce que o texto é bifronte. Por um lado, cumpre com perícia sua missão de portal, de um saber prévio a outro saber: a outro fazer; de prefácio. O texto de Soares Feitosa pode ser considerado como uma peça literária individual, um ensaio “tout court”. Nisto, o autor esgrime sua inteligência no profundo sentido de um ato de compreensão, ao tempo em que faz uso de todo seu potencial de artesania para costurar o seu discurso, estribado, sem dúvida, numa aguda perceptibilidade dos signos que maneja, porque bem os conhece, e os distribui com plena consciência do seu lugar e de sua significabilidade no tabuleiro de uma literatura nordestina íntegra – comecei falando em inteireza e, vejam, vim a terminar neste território conceitual. É isto, Soares Feitosa – um escritor por inteiro.

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IZACYL GUIMAR ES FERREIRA: Estive por lhe escrever, tomado de emoção, quando a li no computador, em que acesso com frequência semanal sua “fazenda”, como diz Dona Conceição (interessante a douta exegese dela), mas uma coisa e outra, todas elas mais que adiáveis e menos importantes, por certo, brecaram meu propósito. Mas a sua gentileza do envio, em momento natalino, como um presente, me convoca. E proponho que alguém com tempo e biblioteca desde já comece a pensar em fazer uma antologia de prefácios, mesmo sem os fácios... O que você fez (suponho, pois não li “Recordel”) seria um diálogo com o poeta Virgílio, mas, suponho mais ainda, é que você a partir do “estalo” da página ao acaso tenha é entrado memória adentro a catalogar o mundo natural de sua (qualquer, no campo) infância. Catalogar é preciso. Eu, apaixonado não só por mapas (recebeu “Uma cidade”?) mas também por letras e marcas (tenho um ferro GF que comprei na Bahia há anos e terá sido de algum dono indelegável personalíssimo, pois gado eu nunca tive) segui seu texto como um Pero Vaz terá seguindo o navegante: fundando o mundo que fica – o da memória, simbólico, o que cada um de nós recebe e deixa, rebanho de fatos e palavras, em letras serifadas ou não... E volto a pensar naquele assunto de “crítica fundamentada”, pois vejo aqui neste seu prefácio a única outra forma de comentar poesia: fazendo outra. Ou se critica fundamentando, como você propunha e ilustrava, ou se mostra, desde dentro (suponho, não li “Recordel”) o que o outro diz. Não é? Pois.

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JAUMIR VALENÇA: E o “Catálogo” parece um presente que chega assim inesperado, do tipo “a vizinha mandou este pedaço de bolo quentinho…”. Uma surpresa agradável, obrigado pelo presente. O Coronel é bastante generoso em deixar os seus cupinchas tirarem uma lasquinha da coisa toda e entrarem na brincadeira. “O catálogo é isto…” “o catálogo é aquilo…”. É, sim. Há uma certa ternura que permeia o pensamento ao ler aquelas páginas; vêm-me à cabeça a frase “nossos pequenos sistemas têm seus dias”. Lembro daquela letra do Renato Russo, que diz “quero minha nação soberana, com espaço, nobreza e descanso”.

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JERÔNIMO FAGUNDES DE SOUZA: Caríssimo Poeta, já não bastava o doce de sangue de porco. Agora cantas o mel e a farinha. Passaste dos limites. Penso que, no futuro, lerei teus versos sobre as delícias do jiló. Consegues transformar o asqueroso em lírico. O revoltante em sublime. Tens o poder da palavra, de que não disponho. E, nem por isso, me farás comer pratos tão exóticos. Isso posso jurar. Mel me lembra vômito, de abelha. A farinha ataca essas paredes, já tão fraquinhas, de meu estômago. De qualquer forma, lembrei de minha infância. Ilha de Floripa, 1975. A mãe preparando o caldo de peixe e a farinha. O pirão. O caldo de feijão e a farinha de rosca. O pirão. A cola de farinha de trigo. As figurinhas Copa 70. O pião. O Bumba-meu-Boi. O Bal e a Aninha. O bonequinho do Zorro. Nossas infâncias, pobres, se tocam em muitos sentidos. No Ceará, Floripa ou no ABC…

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JOCA DA COSTA: Li, comovido, sem sequer precisar de traduções ou consulta a dicionários. Tudo ali é comum a mim, lembrança partilhada em emoção assente. Tudo também meu, na história comum de avós e antepassados, na voz de pais e tios, a desencantar um mundo e dar-me seu chão farto e generoso, ainda que seco. Não que tenha eu sido menino sertanejo, urbano que fui. Mas por ter, criança ainda, mergulhado regularmente nos encantamentos e epifanias deste mundo dos sertões de dentro, tenho a estes sertões dentro de mim, eu que nunca mais saí de dentro deles. Soares Feitosa sabe que a Arte é sobre estar no mundo. E transforma-se, ele mesmo, num discurso sobre a arte de estar no mundo. Vejam o trecho que transcrevo: “…a legitimidade do nosso canto é tão-só a sustentar o júbilo. Se cantamos a vida, cantemo-la como a não morte; se cantamos a morte, que seja um psalmo de ressurreições”. Ave! Feitosa! Navega tua Arca dadivosa, Noé, no mar de tantas vidas!

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JON TANUCCI: Caro senhor Feitosa, sou-lhe muito grato por haver recebido em casa, durante um dia costumeiro qualquer, um pacote de sentimentos tão belos como os que o senhor me enviou. Um verdadeiro apanhado da alma: lembranças dos finais de semana que passava na fazenda do meu avô. Toda a produção honra a palavra escrita, magistral e tocante. Obrigado por me proporcionar momentos de recanto e fuga: como dizia Guimarães Rosa, é nas coisas pequenas que Deus se esconde.

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JORGE TUFIC: Recebi, ainda sob o foguetório de ontem, o “Jornal de Poesia”, contendo a saga introdutório de uma outra saga, esta de Virgílio Maia, encimada pelo título “Recordel”. Agradeço-lhe por tudo. Você tem linguagem própria, cultura sertaneja visível, ensinada com apuro. Na paisagem urbana, eu não sei recortar o Virgílio sem ter na mente um sertão de paletó e gravata. Nem de ver Soares Feitosa sem lembrar um peão da caatinga educado em Paris. Com todo o respeito, portanto, eu me curvo diante de ambos como quem se curva a um remanescente pajé das águas pretas, guardador da sabença amazônica.

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JOSÉ-AUGUSTO DE CARVALHO: “Mãos”, de Soares Feitosa. Francisco José Soares Feitosa é um poeta contemporâneo, brasileiro de nascimento, poeta de toda a Língua Portuguesa. Falar de Soares Feitosa, quer como poeta, quer como divulgador de outros poetas ou candidatos a poetas, é falar da Poesia. Ainda que seja um lugar comum, aqui digo que a melhor maneira de falar de Soares Feitosa é ler a sua poesia, é amar a Poesia. O Brasil, a grande Pátria Irmã deste Portugal já vestido das neves da anciania, foi e será a terra prometida dos portugueses deserdados e vergados às intempéries de uma pátria exausta e sempre adiada no objectivo de se cumprir. O povo português foi à Índia, mas não provou as especiarias; foi ao Brasil, mas nunca comprou o pão com o ouro. Esta é a verdade. Já João de Barros, nas suas décadas, no século XVI, lastimava haver nas ruas de Goa portugueses estendendo a mão à caridade. Portugal foi sempre assim! Como disse o poeta José Duro, português-alentejano como eu, falecido na última década do século XIX, “o ouro de um palácio é a fome de um casebre”. A história de um povo foi sempre a história da sua classe possidente. Até quando? Como sucede com a maioria dos portugueses, palpita em mim uma saudade da África, uma saudade do Brasil, uma saudade do mundo além... Dos meus antepassados próximos, há descendentes em Moçambique e no Brasil. Por lá tive tios e tenho primos que não conheço e de quem nem sei o rasto. Vim ao mundo na década de trinta. Morria-se em Espanha, na dita Guerra Civil, onde mataram os sonhos de Picasso, de Lorca, de Alberti, de Dolores Ibarruri e onde vilipendiaram a vontade e a dignidade do povo espanhol. Na década seguinte, tive o privilégio de conhecer as primeiras obras da Literatura Brasileira. Na minha estante, conservo e releio, até hoje, um pouco do que se escreve no Brasil. Recentemente, já com a disponibilidade da Internet, tive e tenho também o privilégio de ler diariamente os tentames literários de tanta gente e de conviver virtualmente com alguma dessa mesma gente. E foi pela Internet que conheci o Poeta Soares Feitosa e a seu “Jornal de Poesia”. Em Janeiro último, exactamente no dia 24, Soares Feitosa presenteou-me com o seu trabalho «Mãos». É-me apresentado como um prefácio do livro «Recordel», de Virgílio Maia, autor que, infelizmente, não conheço, mas espero vir a conhecer quando tiver o prazer de ler a sua obra. “Mãos” é um trabalho que não pode nem deve ficar subordinado ao outro que é “Recordel”. E não pode, digo eu, porque tem vida própria, porque deve ter vida própria. E ao ousar afirmar isto, outrossim afirmo que quem adquirir “Recordel”, necessariamente adquirirá duas outras em um só volume: “Mãos” e “Recordel”. Ao ler e reler “Mãos”, senti as veias do Brasil Nordestino, vivo e perene, afirmando uma presença, hoje, do que, ontem, eu lera, em Guimarães Rosa, Lins do Rego, Amado etc. Obrigado, Amigo Francisco José. Obrigado, Poeta Soares Feitosa. Desde Portugal, exactamente de Viana do Alente, o abraço afectuoso e agradecido do José-Augusto de Carvalho

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JOSÉ BATISTA DE LIMA: Dom Soares Feitosa. Recebi seus Estudos casados com os Catálogos mas principalmente as Mãos. Sempre que vou à casa do meu avô, entro em contato com as mãos dele, que permanecem latejando nas cadeiras, na mesa e nas portas. Li seu trabalho como quem bebe um copo de garapa de cana e depois lambe os beiços. O seu texto não deu “raposa”! “Raposa” é uma gastura que a gente sente quando bebe muita garapa sem colocar limão. Mas é preciso ter cuidado com limão, pois se cair um pingo que seja no parol azeda tudo e não dá rapadura que preste. Sim, “xixilar” é faltar fogo na fornalha. Você é o poeta que não “xixila”.

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JÚLIO RODRIGUES CORREIA: Caro poeta, Recebi “Estudos & Catálogos – Mãos”. Adorei. Manaus, noite alva, quando me foi entregue pelo porteiro do condomínio. O prefácio de “Recordel”, sinceramente é de uma construção belíssima. Traz cheiro de terra. Pode-se dizer que é um prefácio telúrico. Achei vestígios de Guimarães Rosa e de Paulo Jacob, um escritor amazônico, hoje hóspede da Grande Luz. No poema “Nunca direi que te amo” você envereda pela mesma trilha de estesia do Architetura. Belíssimo.

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LAURO MARQUES: Matou-me a saudade da língua nordestina. E ativou memórias como a do chouriço (sic). A iguaria esteve presente na minha casa, trazida pelo pai, da feira, mas foi recusada por todos, menos o mesmo. O sertanejo é antes de tudo um punk. Se bem que meu pai era brejeiro. Encerro por enquanto.

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LÊDO IVO: Meu caro poeta e amigo Soares Feitosa! Aplaudi, num silêncio intimamente rumoroso, o seu primoroso ensaio sobre muitas artes: a de ferrar cavalos e bois, a de fazer cercas; a de tirar leite de vaca ou fazer queijo; a arte de ver e ler as águas... E observar formigueiros. Curiosamente, em minha poesia, há muitas cercas, um ferrador de cavalos, águas e chuvas; e em minha prosa há muita comida, de modo que me senti em casa lendo o seu texto instigante. Um 2004 eletrônico e planetário, a serviço da poesia, é o que lhe deseja o seu amigo, Lêdo Ivo

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LEONARDO ALDROVANDI: Foi com imensa surpresa e enorme fascínio que recebi seus textos. Para tornar a poesia algo mais abrangente é preciso organizar os esforços desse modo. Eu, um típico paulistano de classe média, nada conheço deste universo tão forte e colorido do Norte e, no entanto, a cada descrição, a cada palavra lida, o sangue fibrilava levemente. Estava acostumado com aqueles poetas que circundam o MASP procurando algum interesse nos passantes que inevitavelmente os consideram extremamente enfadonhos ao se apresentar. Poetas que celebram um certo desejo franciscano de trocar suas palavras pelas migalhas executivas de nossos motores mais violentos. Nada contra a atitude, mas seu gesto prova mais uma vez que poesia é essencialmente um ato de doação da vida.

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LEÔNIDAS ARRUDA: Recebi “Estudos & Catálogos – Mãos”./ Li tudo de cabo a rabo sem tomar fôlego./ Vi a manhã montada no lombo do burro./ Ou-/ vi o aboio da tarde?// Vi o poeta costurando o couro do tempo/ com agulha de ponta rombuda./ Remendando a vida/ como quem remenda camisa rasgada.// Transformando a morte de cada dia/ em vinho do Porto.// Matei e arre!matei a sede/ bebendo literatura na coité./ Senti o cheiro da terra nua./ O fortum do esterco e da urina/ nas unhas encravadas do pé-de-garrafa.//Voei nas asas da palavra solta/da língua-de-sogra/e montei no dorso do verbo fácil/do reino animal.

II
SO-
ares feito-
SA/
derrubando muros farpados/ e cercas cabeludas./Abrindo porteiras e portas/ para retirantes apressados./Escancarando janelas/ para os campos da vida/ onde alviverde floresce/ o pendão da esperança/ quase morta de tanto tremular/ no peito pontudo do mastro varonil.// Vi crianças morrendo de fome/ na esperança de serem salvas /pelo pão do céu – em outra vida./ Vi bichos andando com pés de roseira./ Pássaros aprendendo a voar/ com as jangadas cearenses.// Mulheres com cabelo de milho verde./ Homens deixando rastros de pés-de-chumbo.// Deitei na rede de embalar sonhos/ e sonhei com páginas viradas/ pela contramão do tempo/ – todas com brasão oficial/ marca-d'água e fé pública/ e as impressões digitais dos dedos de Deus.// Vi gênesis acontecendo na palma da mão/ e nas linhas da palavra (a)feto./ Vi o embrião de Deus pulando corda/ no cordão umbilical do universo.// Li a caligrafia dos vegetais ao pé da letra./ Ouvi o galo cantar na garganta dos “gg”./ Vi a seca correndo nas pernas dos “ss”. /As cabras berrando com todos os “rr”./ A chuva caindo nos pingos dos “is”.

III
Agora vamos tomar uma cachaça com limão/ e tirar gosto com farofa de bunda de tanajura./ Parabéns de todos/ e a felicidade geral da nação/ cê/ FICA/ para (en)cantar o Brasil do avesso.

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LEONTINO FILHO: Li, com entusiasmo e interesse, o seu precioso prefácio (quase-livro-ensaio-total) para RECORDEL, obra do poeta Virgílio Maia, autor que muito admiro, pelo talento e pela grande inventividade artística. O texto MÃOS, em brevíssimas palavras, nos oferece o pão abençoado da poesia, e nos aponta para a maior das utopias: o encontro do sertão com o mar, encontro esse que desnudará toda a beleza do universo. Parabéns pela esmerada poesia que emana das páginas de MÃOS, um verdadeiro tratado de amor à arte.

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LOURDINHA LEITE BARBOSA: Soares Feitosa, nos últimos dias, dois textos, um em prosa e outro em verso, trouxeram-me ao coração paisagens de minha infância. Ambos utilizaram palavras já quase adormecidas nas páginas do tempo, mas tão presentes na memória afetiva. Um, em tom suave e com bordados coloridos, falou de uma Fazendinha cheia de chita, chuva, chuvisco; o outro (“Estudos & Catálogos – Mãos”) dos afazeres diários de uma fazenda no sertão do Nordeste, ou melhor, o trabalho do homem e o trabalho da mulher, embora, muitas vezes, os papéis pudessem ser desempenhados pelos dois indiferentemente. Os textos me transportaram quilômetros-anos para a fazenda Primavera, onde me vi no meio de um grupo de crianças, irmãos e amigos, pés descalços, tirando resinas dos angicos (cada brinco de princesa!) e colocando as restantes numa cuia. Bocas cheias, dentes grudados de resina, riso fácil. Ainda sinto na boca esse sabor antigo que nunca mais experimentei. O seu texto tem cheiro de mata-pasto e marmeleiro. Um grande abraço da Lourdinha Leite Barbosa

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LUCIANO TOSTA: Li e gostei muito. Gostei de como você compõe a realidade através da fragmentação, como conecta o tempo, a paisagem e a linguagem e de como tira-se vida puríssima como o ar deste teu Ceará ou da minha Bahia destas linhas. Aí está um Brasil ainda desconhecido de muitos; um Brasil que tem memória com cheiro, gosto, cor e força, até para “ferrar”. Eu, que escrevo daqui das “estranjas”, duma América que não e “nuestra”, como queria o cubano José Marti, muito menos “nossa”, como, iludidos, pensam alguns dos muitos brasileiros que hoje habitam esta Nova Inglaterra onde estou, mas sempre “deles”, senti saudade de casa, do meu Brasil. Senti no seu texto também uma certa inquietação e lembrei-me de Pessoa, mas não o do Guardador de Rebanhos, pois seus bezerros, cavalos, burros e jumentos, mesmo “dóceis”, têm a vitalidade insuperável de nossa terra e nosso povo, mas sim do seu tardio e fragmentado “Livro do Dessassossego”. Depois deste prefácio, que venha o resto da sua angústia, saudade, história! E será bem-vindo!

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LUCIUS MATOS: Por que não dizer? Muito obrigado! Fiquei contente ao saber que chegou. Li, mas nem todos os comentários. Fui até o fim. Pensei: será que ele é rico?! Todos que querem participar do “Jornal de Poesia” recebem um “troço” desses? As fotos estão coloridas! Na semana passada, quantas edições foram enviadas? Não seria prático tê-las on-line? Com certeza! Mas que palavras poderia escolher para transfigurar o que senti quando chegou? E o meu nome, na capa, escrito à mão, de tinta preta? Não. Se fosse on-line, não?! Confesso: nem li o prefácio! Abri bem no meio e comecei a ler. Assustei-me. Fotos?! Cadê os... os... os poemas?! Fui para o fim. Continuei lendo. Acho que peguei a conversa pelo meio! Tive que voltar para a página 1 e só então perceber que era um prefácio. Se não fossem a nota e os vários comentários, imaginaria um trecho de algum livro seu. Sou simples e humilde nos modos. Não tenho o dom da escrita, das palavras. Mas espero que entenda a minha ignorância: se for um prefácio, um chamariz, será julgado bom se conseguir despertar o desejo de quem lê. Cabe ao leitor julgar a obra. Ele não gostará de tudo, “ou não”, como dizem os sábios baianos. Quase todos comentam o seu prefácio como uma obra de arte, desejando ler o tal livro. Pela receptividade, talvez, deseje agora lançar um livro com outros prefácios seus. Iniciei o meu argumento com um se, a lógica exige um então. Se for um prefácio, um chamariz... Então podem os prefácios serem tão conhecidos e comentados quanto os livros que os hospedam? Se sim: que beleza! Quando vai sair?!!! Se não: Este programa executou uma operação ilegal e será fechado. Se o problema persistir, entre em contato com o seu fornecedor. Muito obrigado por esta edição!

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LUIZ PAULO SANTANA: “Ao dono, indelegável, personalíssimo, o direito de ferrar”. Sim. E você o faz com a marca inconfundível de seu estilo e de seu talento. Catalogando catálogos que catalisam o processo alquímico da leitura, catapultando o leitor para dentro do livro que, pela pequena amostra, que pena, dá a pista de outra talentosa ferrada. A estrofe citada, do poema “As Horas do Dia”, deixou-me em grande expectativa: pareceu-me uma abertura, delicada e premonitória preparação para a grande aventura poética que se seguirá. “Recordel”. Você certamente nos dirá onde e como conseguir o livro.

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LUIZIR OLIVEIRA: Amigo Soares (acho que já posso chamá-lo assim, pois nos une o mesmo amor pela língua e pelas expressões, poéticas, sincréticas, prosopopeicas das nossas emoções, não é mesmo?). Não posso expressar suficientemente a minha satisfação ao ler “Mãos”. E você ainda o chama de prefácio?! É uma peça literária da mais alta qualidade, como raramente tenho tido a oportunidade de ler em dias de aridez espiritual como os que temos vivido. Suas palavras não foram escritas para serem apenas lidas, mas sorvidas com raro deleite. Elas têm cor, cheiro, sabor. Trazem as sensações à flor da pele. Brincam com elas. Tratam-nas com afeição. Você respeita o seu leitor-confidente-amigo. Não faz concessões ao mau gosto, não é gratuito, não visa apenas ao agradar. E consegue, com mãos de mestre, conduzi-lo pelas sendas sempre gratificantes da vida do espírito. Lamento estar tão distante geograficamente. Senão, acabaria por me infiltrar nas suas reuniões, para compartilhar de alguns momentos junto a você e outros amigos. O Arthur da Távola costuma encerrar seus programas dizendo que música é vida espiritual. E quem tem vida espiritual nunca está sozinho. Concordo com ele. Mas quando é possível compartilhá-la com espíritos afins, o resultado é sempre mais proveitoso! Agradeço muitíssimo sua atenção. Espero poder continuar recebendo tudo o que você tiver pra enviar!!!

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MAJELA COLARES: Querido Soares, que surpresa por essa bela e tão originalíssima edição! Você, de fato, inspira em mim sinceramente uma admiração por essa energia ou sinergia profunda que imprime a cada coisa que você faz e sonha. Realmente, isso é raro em tempos escuros e estreitos como os nossos. Parabéns! Um abraço amigo. Majela Colares

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MARCELO ARIEL: Evoé Soares! O teu prefácio possui a mesma aura libertária dos três prefácios do João Rosa em Tutaméia; nele sinto que é possível recuperar o aspecto encantatório e engraçado (refiro-me à graça de Simone Weil e falo da graça incancelável de Proust reescrito por Oliveira de Panelas, Zé Limeira ou por sertanejos como você). Será que somos nós os bois e cavalos da palavra mundo e de todas as outras partículas invisíveis do visível? (Palavras-átomos do mundo da alma?) Não estou sendo agora nele estas palavras? (Esses fios engraçados e difíceis que se tocam através das mãos dos olhos?) Que se tocam na vida e na morte dos nomes todos que depois invisivelmente ressuscitam como palavra e memória do mundo (mundos?). Voltando e indo, como faço para adquirir o Recordel? Aqui da minha margem, assim que terminar o trabalho de ourivesaria metafísica do meu Silêncio contínuo (reunião de poemas e insônias), te envio o material. Até Lá.

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MARCO AQUEIVA: O mar é imenso e tua flauta ressoa em mim. Só agora acabei podendo desenovelar seu embrulho de nós e saiu-me dele a matéria viva que me falta, um escrínio de onde saiu o cosmo em figuração de fogo e arrebentação. Arrebentação. Lendo seus poemas em prosa – ou seria proseio este de sumo estro poético, pró-ético, pró-Outro?... Pelos corrós de açude sumo-me de estrito, estroço-me desabado de mim. Arrebentado. Felicito-o, portanto, por tanto. Lendo seus textos, vejo que não só o mar e tua flauta são imensas. O país adentro, o sertão, o que é chamejante e seco – sei lá se o é – e ignoro por obscuridade de macaco e presunção néscia, em tua flauta ressoa em mim, por estes cordéis, que me prendem e liberam. Como a lâmina que tem dois gumes e amedronta, e salva, ou fármaco que envenena e cura. “Estudos & Catálogos – Mãos” e “Corrós de Açude – EMANAÇÃO” que talvez me leve a curar-me a ignorância. MANÁ providencial que me restitui milagrosamente ao chão, aéreo por elevação do Belo, mas térreo, sonho concreto, sem salitre. É AÇÃO que me desenha o outro que esqueci de saber, esqueci de ser. Tenho sido o professor néscio e presumido das letras e literaturas canônicas. Tenho sido o estudante néscio e presumido da literatura oficial. Tenho sido o que se estriba no Lá das aves do lado de lá do Atlântico, enquanto no lado de Cá avis rara como Ascendino e Tu gorjeiam diamantes em embrulhos de nós que desejamos e precisamos desembrulhar. Salve, tu, Soares, que tens muito a cantar e ventar por nós!

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MARIA DA CONCEIÇÃO PARANHOS: JÚBILO – seu texto é de uma beleza confrangedora – foi o adjetivo que me veio. “Ah, meu caro Vergilius – Nunes Maia ou Publius Maro, tanto faz –, a legitimidade do nosso canto é tão-só a sustentar o júbilo. Se cantamos a vida, cantemo-la como a não morte; se cantamos a morte, que seja um psalmo de ressurreições. Poeta Virgílio, creia-me, o catálogo das mãos é inesgotável porque as mãos dos novos hão de garantir as nossas mãos. Por sobre, sempre por sobre; assim tem sido”. – Diz você, com absoluta propriedade. O que você realiza em seu texto é uma lúcida captura do mundo, nos catálogos que tipifica. Ocorre uma vizinhança com a experiência individual e social espantosa. Mais que vizinhança, uma copercepção do mundo criado pelo homem, mundo cultural e poiético, à semelhança do gesto de Javé no início deste mundo em que nos é dado o canto. E, ainda à semelhança de Deus, viu e vê o criado e achou e acha que era e é bom. Ato genésico, o seu.
Mais: com seu inventário articulado poieticamente você erige uma Ars Poetica. Veja, no anexo, os trechos que destaquei do seu texto e se não é isto que você realiza – uma arte poética encorpada e radical. Suas palavras sibilam e zunem, são como aríetes, às vezes, na percepção do mundo e da natureza da arte. Da Arte. Que texto, o seu! Parabéns mesmo, parabéns são poucos, viva você! Um beijo e um abraço de sua amiga, Conceição.

2. Num segundo e-mail:
Estou feliz com sua performance maximal. Você está crescendo mais do que um jequitibá. E, paralelamente à sua autoconstrução como ser humano, a sua bela e ímpar contribuição a uma literatura que se encontra raquitizada cada vez mais neste País. Nos seus textos, corre o sangue da Vida, o sangue quente do contato com as vísceras. Você dá as mãos ao expressionismo kafkiano, sim, e à sua condição de judeu sefaradita. Afinal, os marranos são irmãos destes, são “rapazes” da estirpe do Maimonides, Marx, Freud, Engels, Mendelssohn, Einstein, Wittgenstein, Henri Bergson, Edmund Husserl, Martin Buber, Karl Popper, Einstein, do Freud, do Spinoza... Lembrei-me, também, da piada dos “cinco rapazes judeus” que mudaram os rumos da história da humanidade, passada para mim por um amigo querido, o Roberto Ponczek, um desses mesmos “rapazes”, apaixonado por Baruch Spinoza, com livro e tese de doutorado sobre o filósofo considerado anárquico por seus irmãos: Moisés: “o mais importante é a lei, e esta se faz com a cabeça”; Jesus Cristo: “o importante é o amor, e este se situa mais embaixo, no coração”; Marx: “o mais importante é a igualdade social, e esta é sentida um pouco mais embaixo, no estômago”; Freud: “o importante fica ainda mais embaixo, no sexo, pois é neste local que se situam os desejos”. Finalmente, o quinto, Einstein: “meus quatro colegas judeus estão relativamente equivocados pois o importante é que tudo é relativo”. Envio-a para você sentir ainda mais a alegria de ser criador de Criador e sua criatura. Foi Ele quem disse, não foi mais ninguém: “Sede perfeitos, como eu o sou”. Continua a informação do Ponczek, me dizendo que, certa vez, quando perguntado por um pastor se acreditava em D'us, Spinoza lhe teria respondido: “Eu não acredito em D'us, eu conheço D'us”. E, quando um rabino americano fez a mesma pergunta a Einstein, este lhe respondeu: “O D'us que acredito é o D'us de Spinoza”. Por este motivo, Spinoza é conhecido como “o filósofo embriagado de D'us”. Depois de Spinoza e Einstein é perfeitamente possível conciliar o judaísmo com a ciência e a filosofia modernas. Isto você faz no seu texto, isto você É no seu texto, com a diferença de ser poeta. E poesia é verdade (Poesie ist Wahrheit, quem o disse foi Goethe). Poiésis: o mais alto conhecimento, pois há o contato direto com o mundo empírico, sem intermediações da lógica causal. O Virgílio Maia deve estar muito feliz com tudo isso. Que ele receba o meu abraço e as minhas homenagens. Abraço e beijo. Conceição.

Conceição fez uma segunda análise técnica:
Arte, coisas – o catálogo das letras finamente desenhadas. Nem tão grandes a não inutilizarem o couro do animal com uma mancha exagerada; nem tão miúdas a ponto de o vaqueiro não as “ler” à média luz, de média distância. E sabíamo-las de cor, a reproduzi-las no chão com um graveto fino. E suas serifas. Arte! Aqueles pequenos rabichos que rebatem a perna do A ou repuxam um pequeno rabinho duplo na ponta baixa do P.

Maria da Conceição Paranhos: Aqui Soares Feitosa inicia a inscripção da escrita. Leu e foi tomado do que se chama em filosofia existencialista de “choque do reconhecimento”. Inicia a observação da encriptagem. Decodifica no mundo empírico. Assim a Arte nos move. Raciocínio indutivo-dedutivo. Até aqui, atos do Homem. A partir daqui, atos da Mulher (a Mãe). Paixão e Ressurreição.

Também do catálogo fêmeo, o desenformar do queijo, desembrulhando-o, alvíssimo (tomando-lhe o sal), úmido, lúbrico, uma tarefa da noite cedo. De mais um pouco, as coalhadas e suas terrinas, ceia e rezas – d'Ela, minha. E a noite.

MCP: Essa suspensão de palavras com “E a noite” é a fonte da perdição e da culpa, da descoberta das saídas e da compreensão dos mistérios da vida. Da Vida.

Levá-los, queijos, à feira; negociá-los em açúcar, querosene e alguns álcoois são coisas de minha lavra, numa tropa de burros. No cavalo mais dócil, de parelha com a burra Faceira comigo em cima, Ela. Na volta, um cálice de Imperial. Ou do Porto. Sem esquecer o nome das reses. Ela quem ajuda a escolher. Flor do Pasto à vaca “mais bonita do lugar”, Ela disse. [Eu disse: Flor, tu!] O touro Canário, lhe botei este nome, aos canários de um certo alpendre. Ela sorriu. Mas zombou que noutras casas, de alpendre e saias, havia canários. Eu disse que não seriam amarelos tanto quanto.

MCP: Lirismo e encantamento, da magia, do oculto, do inconsciente e de sua projeção em júbilo.

Ah! o catálogo das águas?! Aquele cavar, escolher onde cavar, recavar (porque tudo que um dia eu cavo, a cheia vem e entope), coisas minhas, catálogo meu. Encher os cântaros — cabaças, roupas, lajedos, moitas de melão São Caetano, perfumar as redes em sol de capim-santo... Falem com Ela, digam que fui eu que disse. Mas o fabrico da moringa de sola, dita também borracha-de-sola, curtindo antes o couro em cinza e cascas de angico... Assovelar cada uma das peças em paciência. E Arte. A arte dos couros; selas, gibões, peitorais, chinelos, inclusos os d'Ela (com as vaquetas mais tenras); sim, estas coisas estão comigo, sempre estiveram. Botar a moringa de sola a limpar o gosto e o cheiro da sola com tantas e tantas águas, falem com Ela. Também os canecos-de-beber, potes, jarras, bandejas, toalhas e ornatos de fino crochê; rendas e bilros; linhas brancas e de matiz.

MCP: Leo Spitzer fala de “enumeração caótica”, traço de estilo que imprime ao ato assim enumerador uma nova forma de percepção de mundo. Isto está aqui no seu texto.

Ainda no catálogo das águas, reparar no tempo, no “olho” dos formigueiros, “profetizar” se vai chover ou não, poupem-na. Se sabe, talvez saiba, mas de puro recato, Ela não diz. E o catálogo dos animais. Dizemos animais tão-só aos cavalos, burros e jumentos – e dalgum político mal-abusado. Gado é gado! Peá-los a campo, encabrestá-los, montá-los bravios, a pulso e ordem – cavalos e burros; jumentos não, que são dóceis e calmos de natureza – não remetam a Ela, tarefa minha, só minha.

MCP: Ordenação do mundo inconsciente, condução de seus lucros para o consciente, abolido (felizmente) o superego.

Aos animais miúdos, patos, galinhas, pavões, perus e aos pássaros de dentro de casa – “assum-preto” – soltos, Ela quem os dirige. Ninhos – pô-los a pôr, deitá-los, tirá-los, o primeiro xerém, falem com Ela, por favor, que não entendo dessas artes. Espingardear os inimigos, costurá-los à faca? Ela está inocente, mas saberá desembrulhar seus mortos.
MCP: Embora em todo o texto você mostre semelhanças com Borges, é mesmo de Kafka – mestre de Borges – o seu manejo da palavra em função de uma significação que preserva o sentido da realidade empírica, todavia conduzida de modo lúdico e encantatório (mais uma vez e sempre no seu texto).

Ia-me esquecendo, uma tarefa muito d'Ela: fazer, em letra calma, uns papeluchos “Ave Maria concebida sem pecados, rogai por...”, a apregá-los com um grude ligeiro, de goma, feito no bico da colher, na chapa do fogão de lenha; isto mesmo, pregá-los pelo lado de dentro, em todas as portas, em todas as janelas. Também nos currais quando os bichos adoecem, nos moirões das porteiras, protegendo a nós todos, brutos e viventes. Contra os de fora! Por dentro. E “esquecer” um desses papéis no fundo do bolso do meu gibão. Percebo que Ela o troca quando o suor do rosto... mãos... papel. Um longo aboio. Amarfanhado.

MCP: A origem de SUA poiésis. Catálogos! O catálogo dos Doze – tribos e apóstolos. Trivium e quadrivium, ou, digamos... uma lista... a lista dos galos. Galos? Sim, galos, manhãs e auroras. Ou da tarde rubra (Gular), num saguão de sombras, cimento, o olho em riste, desafiante, galo-galo: – De que me defendo? Os catálogos. As Leis. A legislação, o código, os códigos, a pólis – legislação eidética, a moira e a hýbris conduzindo a palavra poética. Ampliação, redução, mergulho na memória individual e histórica, bíblica. Os Doze exorcizam os próximos passos na sua escrita.

O catálogo das cercas. Somos terra e cercas. Daqui para frente, não! Um risco no chão e se levantam marcos. Cercas. O catálogo abrange a cerca de jangarela, dita também de rama ou de ramada; as de lombo; as de arame de três pernas mais os estacotes na vertical; as de arame com doze fios, à prova de bodes e bacorinhos; as de fachina (de fachos, verticais, especantes) com moirões de sabiá a insultar com o tempo;

MCP: Os limites. Escrita extremamente erótica, mais ainda, lúbrica, aprisionada, para não se perder, nos limites da linguagem que expressa uma percepção e experienciação violentas da vida. Séries metafóricas, todas fálicas.

Dizem que ninguém mais sabe fazer uma muralha inca. As pedras talhadas à mão destra, justas, sem emendas, nem cimentos; ou, pelo contrário, as mãos é que já nasciam talhadas em pedra. O que fazer agora do nosso catálogo de hinos do santo padroeiro, dos desenhos das farinhadas, dos engenhos da rapadura, caieiras, tijolos, telhas, cal, piões, cumeeiras, biqueiras – o que mais, meu Deus? — se do sertão, dizem que acabou, resta apenas um juazeiro com a gente debaixo (INSS) jogando sinucas?

MCP: Continua a trabalhar a lubricidade – o delírio na linguagem – e sobrevém a queda na tragédia da história.

Não! Não e não! Quem saberá, daqui mais uns dias, no catálogo das coisas de comer, notícias de um chouriço, que era apenas um estranho doce de sangue de porco? Um doce de sangue de porco? Talvez fosse nossa herança marrana a desmentir ao mundo a possível condição de cristãos-novos. Lubricamente matávamos o porco: as mãos viajando no quente das vísceras... Só quem já matou é quem sabe como é. A festa, os rins do bicho, assando-os ligeiros, afogueando-os ao primeiro trago. E a matutagem, um ritual de amizades em que metade ou mais das carnes saíam gratuitas, de puro gáudio, à certeza da retribuição quando do próximo porco do vizinho.

MCP: Lautréamont conhecia, como Soares Feitosa, este mundo de sangue e vísceras fumegantes.

Falemos agora da sorte. Sorte de vaqueiros, sorte de leitor. Há de ter sorte para abrir um livro. Abri-lo na página certa, no poema certo. De gostar ou não gostar. No primeiro lance, um lance de mãos. Foi assim que abri este. A esmo. As Horas do Dia. Comecei pela Hora Uma:

O dia vai começando
e diante d'Ele me calo.
No seio da escuridão
se escuta assim um abalo:
toda a caatinga estremece,
pois mais parece uma prece
o primo cantar do galo.

MCP: A redenção operada pelo conhecimento (no sentido bíblico) da palavra como gatilho das emoções mais fortes, a partir do ato de abertura do mistério do livro que, não tenho dúvidas, “cai” em nossas mãos quando dele mais carecemos e nos ajuda a discernir algumas das faces da inominabilidade (do “indizível”, como preferiam os poetas do Romantismo, em seu movimento de streben ins Unendlich).

A emoção me disse que o fechasse imediatamente. Nessa mania de achar as coisas com as mãos como sói acontecer com os cegos, reabro-o, momentos depois, bem em cima da estrofe da quinta hora, que, noutro canto, um dia, cantei (Antífona):

“Pontualmente,
de manhã bem cedo,
pontualmente:
o sol,
o galo,
a aurora,
a lufada do vento,
a manhãzinha,
o café forte,
a porta aberta”

MCP: Os cegos. São eles que têm o poder da clarividência, personagens ou motivos de sub-rogação, frequentes na tradição literária / poética, para indica rem a ruptura com a visão comum, de superfície, e o ingresso no proto-, prete-, inter-, intra-, super- e hipernatural.

Mais um entalo. E outro silêncio, a suspendê-lo só bem depois, para correr, na calma, o livro inteiro. Um defeito gravíssimo, a droga deste livro: é um só! Devia ser cem, um cento. Em multi. Sons. Aboios. Poeiras. Cinzas e memória. Pior é o seu autor: também único. E os juazeiros fervilhando de sinucas...

MCP: Ah, este entalo! Ah, este silêncio! Ah, este porque se é “trezentos, trezentos e cinquenta” – e o poeta Mário de Andrade só estava usando um eufemismo ou uma metonímia – e porque se tem a capacidade de ouvir. E entender.

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MARIA CONSUELO CUNHA CAMPOS: Soares, que beleza! Acabo de ler o maravilhoso “papé” e ainda sinto a vertigem da altura! Muito obrigada pelo privilégio de ler seu texto de mestre! O que existe de telúrico em meu DNA urbano se energizou ao lê-lo e todas as minhas ancestralidades dedicadas à pecuária reviveram em mim, descendente que, como Drummond, já não sabe mais dar nome a bois... Sendo Figueiredo pelo lado materno, Cunha Campos, Prata e Soares também, pelo paterno, há motivos para crer, estando estes sobrenomes no dicionário sefaradita, que também possa ter alguma ancestralidade cristã-nova. Abraço grande e comovido. Consuelo

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MARIA GEORGINA ALBUQUERQUE: Feitosa: Aqui estou com o maravilhoso “Estudos & Catálogos – Mãos” que me enviou. Nele, um garotinho de óculos, expressão pra lá de inteligente, me convida (ou impinge?): “— Vem!... desestrutura! (e reestrutura meio à perplexidade...)”. A regionalidade da leitura que ora faço, aos poucos vai dando mostra de universalidade em meio à vivência anárquica da minha grande metrópole. Não temos acesso ao gado, mas fica constatada a possibilidade de “marcar” as nossas produções com ferro em brasa. Não temos galos por aqui, mas persistem os gritos que também tecem a manhã. Basta que haja paciência para absorver o diferente através de iniciativas culturais como a sua, que tanto ampliam os nossos horizontes criativo e linguístico.

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MARIA DA GRAÇA ALMEIDA: A certeza da tinta que de sua pena desliza tem magia e alumbramento. Deixa um rastro no papel, cujo percurso é a própria vida, com as doações e as maravilhas que só podemos encontrar na bênção dos imortais.

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MARIA HELENA NERI GARCEZ: Como dizer que gostei imenso de seu texto “Mãos”, prefácio do “Recordel”, de Virgílo Maia, se não dizendo mesmo assim: gostei imenso de seu texto “Mãos”! Ele me transporta para um outro espaço, contexto, experiências e vivências que nunca puderam ser minhas, esta paulistana urbaníssima e desvairada que sou!!! Gostei, tanto do texto quanto da foto do Menino de 10 anos que se constituiu daquele viver... No campo, tão próximo aos bichos, partilhando de tantos rituais... Só me afligiu, confesso, a matança do porco, como me afligiria também a dos bois, ovelhas, cabras e até a das galinhas, se você as contasse. Quando nisso penso, consolo-me, então, de ser urbana, mesmo se exasperada pelo super ruído dos helicópteros e das motos que agora, neste preciso momento em que escrevo, estão a congestionar céus e ruas, a metralhar-nos os nervos...

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MARIA LILIA MARTINS CARNEIRO: Estou sem palavras para demonstrar a minha alegria e perplexidade com a recebimento do papé & tinta: alegria de ver o carteiro chegando com o envelope do JP timbrado, coisa de caipira! (Mas é muito bom receber envelope do carteiro); perplexidade em ver que um dito “prefácio” é na realidade um livro completo de poesia em prosa, como só vejo semelhante em Guimarães e em Saramago, em que as palavras soam melodiosas e nos envolvem por completo. Meu Deus, como alguém consegue transformar o bruto ato de ferrar bichos em um bailado diáfano e contrito? Estou pasma!

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MARIA DO SOCORRO CARDOSO XAVIER: Gostei deveras da prosa e projeto Edições Cururu. Lembrei-me de uma modinha que ouvira e participara dos folguedos de infância, nos terreiros em noite de lua cheia: “...sapo cururu da beira do rio, quando o sapo canta ó maninha é que está com frio...”. Nordestina, dos sertões de Pernambuco, porém meio cearense, devido à minha ancestralidade materna: percorri no lombo de cavalos léguas e léguas as plagas do Cariri e outras cercanias do Ceará: Barbalha (Sítio Cocos, Roncador), Brejo dos Santos, Porteiras, Jati. Por lá meus bisavós e avós maternos possuíam propriedades e engenhos. Este magnífico texto “Estudos & Catálogos – Mãos”, do escritor Soares Feitosa, – prefácio quase ensaio do livro “Recordel”, de Virgílio Maia, é sem dúvida alguma, uma obra de arte literária das mais originais. O ludicismo, o lirismo e o realismo do autor ao tratar das coisas da ambiência nordestina, de forma tão profunda e autêntica, fez-me reportar qual quadro vivo aos idos da minha infância por aquelas paragens. Soares Feitosa metafórica, inconsciente e/ou conscientemente, resgata o universo sertanejo, nos fazendo ouvir o aboio do vaqueiro, o relinchar dos cavalos, o chocalho de gado e bodes, os bacorinhos, os bezerrinhos desmamados, os burros e jumentos. Os baldes de leite e o cheiro dos currais, a coalhada, as farinhadas, a prensagem do queijo de manteiga, cujo dia era uma festa: os fios de queijo no alguidar cozendo no fogo de lenha e a criadagem disputando a raspa do alguidar para dali fazer uma boa farofa. “Chouriço” era outra festa: o doce feito do sangue do porco com gergelim pilado no pilão e rapadura, temperado com pimenta e cravo. É de dar água na boca, tão delicioso doce! Nem tudo era uma festa e um doce: O mugido e o berro do gado sendo ferrado com o ferro quente em brasa, com o “logotipo” do fazendeiro. E como traz a propriedade privada berros e lágrimas! Meus avós maternos ficavam sôfregos com aproximadamente mil cabeças de gado na serra do Araripe, na iminência de serem roubadas ou atacadas por bandos de cangaceiros, e assim teriam que vender diversas cabeças para pagar o resgate. Isto ocorreu com minha avó materna em relação ao bando de cangaceiros denominados “Os Marcelinos”. Do alpendre, ao levantar da rede, o avistar dos canários e assum preto, de Luiz Gonzaga, os gibões, selas e baús, herança dos artesãos da península ibérica, o ecletismo cultural árabe – povos pastores, estes, além de conduzir os rebanhos de ovelhas, trabalhavam muito bem o couro. O crochê, renda de almofadas, com fios de algodão, a partir de bilros e espinhos de mandacaru, artesanava-se para enfeitar as sertanejas, amenizando seu caráter rijo. Que sertões étnica e belamente ecléticos: portugueses, índios, negros, cristãos novos, árabes, tudo fundido num caldeirão de cinco séculos – travestidos de brasilidade, cujo lirismo e realismo ao mesmo tempo, imprime uma magia inigualável. Tudo isto o autor, escritor e poeta Soares Feitosa, resgatou neste texto fantástico, quase prosa lírica: não fica a dever a Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Humberto Eco, de “O Nome da Rosa”, Gabriel Garcia Márquez, em “Cem Anos de Solidão”. E ao escritor e teatrólogo paraibano, Ariano Suassuna. O autor foge ao lugar comum, a intertextualidade de leve; entre o erudito e o popular, tece milagrosamente a ficção e o real; se abraçam para caracterizar as mil e uma noites dos contos nordestinos. Texto singular e rico, beirando as margens do épico. E assim encerro esta singela apreciação, semioticamente quase sentindo o cheiro agradável do capim-santo, da terra quente molhada com as primeiras chuvas de janeiro, o som do aboiar do vaqueiro; a coreografia da anágua rendada e gomada das moças casadoiras, para ir à missa do domingo e à festa da padroeira. Fechando estas breves impressões, pois longe de crítica literária, invoco o cientista social Euclides da Cunha, com frase indelével e tão atual: “O sertanejo é antes de tudo um forte!”.

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MARIGÊ QUIRINO MARCHINI: Seu prefácio “Estudos & Catálogos – Mãos” é um maravilhoso ordenamento de um Brasil existente nos bois, nos ferros cruéis, nas madrugadas. nos sertões, nas gentes sertanejas que, nós aqui, nestas urbes – desenvolvidas, violentas e poluídas – mal conhecemos, mal amamos, mas bem recebemos, com júbilo, pois é um portal magnífico para adentramos nas tradições e diferentes formas de vida em nosso País. Sua vasta cultura, Soares Feitosa, direi mesmo erudição, está toda perceptível nesse prefácio encantador, humano e abrangente. E na divisão dos tempos d’Ele, d’Ela, que refinamento de linguagem, que poesia! Este prefácio está à altura da poesia de Virgílio Maia, que conheci quando estive em Fortaleza. Você ele, dois grandes poetas. Com meu abraço de muita amizade, estou-lhe mandando meu livro “Hierofanias, o religioso na lírica feminina” e um arquivo com “Duas poéticas”, sobre Aluysio Mendonça de Carvalho.

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MARILIA GONÇALVES: “Estudos e Catálogos – Mãos”, palavras, âmago do dia, elevação de luz, você adeja poeta, pé fincado na terra, terra de promessas e de colheitas perenes não posso deixar de lembrar, Ramalho Ortigão, em “As farpas”, quando alude a mãos que prestam e mãos que não prestam, as sua multifacetadas mãos, a verter a pura água da poesia que magnífica gestação desse parto constante onde sua realidade se traduz em obra sempre. Um abraço amigo. Marília Gonçalves

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MARIO CEZAR: A tarde finda.
A liberdade dos pássaros escolhe o galho seco da macambira para o pouso das asas. O vaqueiro encosta o algibão no pé do alpendre e ainda rumina o aboio da lida. No pé dos olhos há pétalas de mandacaru. O dia se entremeou de garranchos e as montarias são lembranças vivas. Enquanto as estrelas querem alvejar o céu, o cabra Soares Feitosa teima em espreitar o mugido do sol para inventar o signo das cantorias incandescentes. Eita cabra que ainda “minino” arrancou a dor’dolhos com o ferrão das abelhas, espiar o prefácio do livro do Virgílio é como segurar uma cuia de mel, é como receber a herança dos ventos. Diga, cabra Feitosa, ao Virgílio Maia que espiei o livro dele numa livraria da Paulista (aqui em Sampa) e o chão tremeu com a valentia dos garrotes. Um grande abraço do Mario Cezar

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MAURO MENDES: Poeta Soares! RECORDEL! O título do livro já é um poema, pelo menos pra quem é, como eu, destas terras! Mas falta ler o livro, vontade que o simples título desperta. Cadê o livro? Cadê o meu? O seu prefácio é originalíssimo, sem recursos a estas coisas manjadas como “intertextualidades”, “polissemias”, ou exdrúxulas, como “alexias”, ou de compadrio, como “com este livro o autor adquire, assim, o lugar que, de há muito, lhe pertence, de pleno direito, no panorama literário...”. Ao contrário, o seu prefácio é puro sertão (onde, também, com certeza, se insere o livro), os bois mugindo, o tropel de tudo quanto é bicho, o canto da passarada, os “cheiros” de tudo, cada um, a seu lugar e hora, conferindo à gente (sem que disto a gente mesmo se aperceba...), um sentido, ao mesmo tempo, de individualidade e de absorção total na natureza… Você maneja, admiravelmente, estas lembranças! Vontade de me embrenhar de novo nestas matas, de onde nunca deveria ter saído para estudar vãs filosofias!

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NELLY NOVAES COELHO: Caro e sempre lembrado poeta Soares Feitosa. É sempre uma alegria receber notícias dos amigos, principalmente quando vem em forma de atividade existencial, como é o seu caso... Desde que o conhecei, através das letras e da poesia, senti isso: tudo que você escreve, produz, projeta, etc, vem da paixão de viver e conviver. Que mundo maravilhoso seria este se “todos fossem iguais a você”! Recebi teu jornal de poesia com o “Catálogos”. Senti uma saudável inveja, pois meu computador continua sendo manipulado por uma funcionária. Há entre mim e ele uma incompatibilidade psicológica. Continuo escrevendo à mão, depois datilografo na IBM elétrica; a funcionária digita tudo depois. É uma incrível perda de tempo. Mas que fazer?! Já octogenária, permito-me só fazer o que me dá prazer.

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NERINO DE CAMPOS: Primeiramente gostaria de agradecer este maravilhoso presente que me foi enviado. Senti muito prazer em ler, reler, reler e reler o prefácio do livro do Virgílio Maia, e em todas as vezes fui remetido a um passado distante, quando nas férias viajava para a fazenda de um amigo. Apesar de ser extremamente urbano, de ter passado a infância e a juventude em Belo Horizonte e ter vivido e amadurecido no Rio de Janeiro; em Ipanema para ser mais preciso, sentia com intensidade as coisas da fazenda, aquela crueldade do ferro em brasa, do balde tão limpo para receber o leite, em contrapartida com as mãos tão sujas do vaqueiro na hora da ordenha. Tudo isso me voltou à mente e eu sei que outras imagens ainda voltarão, pois lerei o seu prefácio como leio, leio e leio certas poesias.

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NICODEMOS SENA: Foi com grande alegria que recebi o belo e criativo texto para prefácio de “Recordel”, de Virgílio Maia. A leitura deu-me muito prazer, eis que uma apresentação do livro consegue escapar da forma-clichê e se constitui, ela mesma, peça autônoma com vida própria — isso pela invenção do texto. Parabéns!

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NILTO MACIEL: A leitura do prefácio de Soares Feitosa ao livro “Recordel”, de Virgílio Maia, me conduziu por veredas sertanejas e pretéritas. Como um cego, fui vendo, com estupor, a ferradura do gado, o ferro em brasa, a fumaça a se evolar, esturros do bicho, a marca no lombo. Tudo contado tim-tim por tim-tim. O prefácio tem sabor de crônica. Não de crônica escrita às pressas, para o jornal do dia seguinte, por cronista profissional. A crônica de Soares Feitosa tem feitio de ensaio sociológico. Não desses ensaios que dão sono, preguiça, vontade de fechar o livro. O ensaio de Soares Feitosa é de quem viveu, presenciou a vida no sertão, a arte dos ferros, as serifas. Como o outro poeta Virgilio Maia, o Vergilius Nunes Maia. O prefácio de Feitosa é de quem conhece as letras do gado muito antes de conhecer as letras dos livros. Como o poeta Virgílio. E a feitura dos queijos, o fabrico das moringas, a profecia das águas. Ler este prefácio-poema é ler o sertão, a arte sertaneja, e ter vontade de ler o Recordel desse também maravilhoso poeta do País do Jaguaribe chamado Virgílio Maia.

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PAULO CAUIM: “Estudos & Catálogos – Mãos”. Soares/ serifa/ vogais/ de/ Rimbaud/ a ferro// Erige/ ambiências// Tempo/ água/ queijos/ couro// Catálogo/ de/ catálogos/ logos/ galos/ cabrais// Teu olhar/ formigueiro/ no catálogo/ das profecias/ me remete/ à caranguejeira/ que atravessa/ a rodagem// Teu texto/ xadrez/ de xerém/ miríade/ d e/ aboios// Quentes/ catálogos/ das mãos/ entre/ as/vísceras/ no catálogo/acaso/ das mãos:/as mãos/ são mais/ velozes/ que o mouse// [De mãos/ das com/ o leitor]// Atravessa/ Feitosa/ o inferno/ contemporâneo/ e nos guia/ até o paraíso de/ juazeiros-livres-sem-sinucas// A/ sinuca/ é apenas/ o prefácio// “Estudos & Catálogos – Mãos”/ um texto escrito/ por Doidinho/ José Lins do Rego/ depois de adulto// Você inventou/ o prefácio-prelúdio (aquecimento) antes/ de o leitor/ todos os/ outros/ movimentos// No prefácio-prelúdio/ temos de ir de vau a vau/ a grande travessia/ [Recordel]// Soares,/ em que estante do tempo/ você deixou arquivado o catálogo de por-sobre-sempre-por-sobre[d’Ele d’Ela]/ ?//

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PAULO ROSENBAUM: Amigo Feitosa, como sempre, competência e precisão, sem mácula da consistência poética. Não adianta comparar: é estilo muito seu, singularidade expressa. Denota independência e arrojo. Parabéns.

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PAULO DE TOLEDO: Caríssimo Soares. Acabei de ler teu “papé” e se houvesse um jabuti pra melhor prefácio, o seu seria imbatível. Êta cara de sorte esse Virgílio Maia! Com certeza, quem merece um prefácio como o seu, deve ser um baita de um escritor. Um grandíssimo abraço, Paulo de Toledo.

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PEDRO ROGERIO: Prezado Soares Feitosa. Agradeço o envio do “Jornal de Poesia”, contendo o exuberante “Estudos & Catálogos – Mãos”. Maravilhosa viagem pelo sertão de nossa infância. Magnífico trabalho de artesanato da palavra escrita. Mande-me mais. Fiquei admirador do seu imaginoso texto guimaraesroseano. Abraço cordial do Pedro Rogério.

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R. ROLDAN-ROLDAN: Sim. Chegou seu papel e tinta. Com odor atávico de terra, de chuva, de mato. Com luz de vela – livros-copistas, palimpsestos e até “grimoires”. Com o som longínquo de aboios. E fios deliquescentes de referência.

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RAY SILVEIRA: Feitosa, acabei de ler agorinha “Estudos & Catálogos – Mãos” e estou besta, abestalhado, abestado, bestificado e de queixo caído. Eu te conhecia como um grande poeta versejador. E isto é mais do que prosa poética, no modo de entender deste teu amigo e colega de Seminário. Eu te juro pelas minhas mãos postas – e pelas mãos postas do “Estudo das Mãos em Oração” de Dürer – que se eu tivesse encontrado estas páginas, soltas em algum lugar, sem nenhuma indicação de autoria e de editoria, teria certeza de que se tratava de um trecho de “Grande Sertão: Veredas”. Meus parabéns, meu amigo. Você tem muito mais tutano na cabeça do que imagina. E do que muita gente (culta) deste grande pequeno país imagina. Um abraço. Raymundo Silveira

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REGINA LYRA: Meu caro Soares, ler seu texto nos leva para pontos de prazer e saber. A descrição da vida no campo do senhor e da senhora da fazenda é de uma maestria ímpar. Os catálogos tornam-se velhos conhecidos, ou de quem viveu no campo, ou pelas belas leituras dos nossos escritores, tais como: José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos e tantos outros. Sua leitura, meu querido Soares, é prazerosa, nos leva e nos enleva, a momentos de reflexões. Parabéns, Soares, não só por dar oportunidade da leitura de prefácio tão belo, mas também, por fazer parar um pouco e pensar nos acontecimentos da vida.

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RENATA PALLOTINI: Meu caro Soares: Você sempre arranja pra gente uma alegria nova. Deus te abençoe e às tuas Mãos!

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RENATO AZEVEDO: Aqui deixo minhas singelas palavras que não chegam nem perto de agradecer o prazer que tive em receber e ler o “Estudos & Catálogos – Mãos”. Feito um cururu, em seus hábitos noturnos, cá estou com o papel e a caneta, em uma tentativa não tão venenosa, mas também de poder coaxante para disseminar voz ao mundo com palavras. É gratificante e só tenho eu que lhe agradecer novamente o espaço dado para mostrar as palavras desse novo girino em um meio que muitos consideram pantanoso. Quem nunca se banhou em sal sobre o pântano de emoção e reflexão não sabe o que é pular livre feito cururu! Nem sei se minhas pernas estão flexíveis e nadam tão bem, mas é pulando de poça em poça que o movimento confere a prática e a sagacidade de não se afogar. Molhar faz com certeza parte do processo, uma vez que se o cururu sai da moita tem que estar preparado para eventuais respingos e jatos de lama. Veneno... será realmente ruim? Ou será esse o remédio? A crítica é normalmente amarga, então sábio é o cururu que regula abaixo da boca, antes de proferi-la, mas que o faz com habilidade e proeza até contra aqueles mais avantajados em sua cadeia de vida. Prefiro, claro, um cururu viciado em sua droga sapiencial a uma raposa cerceada em quimera ignorante. Que amam as raposas de Esopo... As uvas doces. Eu muitas vezes bato cartão de ponto também e digo até outra hora... Pois sou mesmo da família Bufonidae.

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RENATO SUTTANA: Uma vez, durante uma viagem de ônibus (não me lembro entre qual e qual cidade, mas sei que foi num ônibus), um amigo – que estudava a Física, mas que tinha certo interesse por livros, principalmente romances e poesias – me perguntou se eu conhecia a prosa de Pedro Nava. Respondi-lhe que não a conhecia a fundo, mas que tinha lido alguns trechos. Então ele me perguntou o que eu achava dessa prosa, mesmo com a pouca experiência que tinha dela. Como não me ocorresse nenhum adjetivo para qualificar a escrita desse autor, e na tentativa de dar uma ideia do que eu pensava de uma prosa que para mim me parecia consistente, fundada numa vivência profunda do mundo e das coisas – principalmente, uma escrita calcada na memória e na ancestralidade do ser e da palavra –, eu apenas lhe disse que a achava “substanciosa”. O amigo riu, julgando inusitada a expressão, e redarguiu que o fazia pensar em qualquer coisa como uma sopa, um caldo ou uma iguaria qualquer, rica em proteínas. Mas tinha entendido o que eu quisera dizer e por isso acrescentou que também achava a prosa de Nava bastante consistente, embora, de sua parte, como eu mesmo, a conhecesse pouco e muito de ouvir falar. Leio agora o seu “Estudos & Catálogos – Mãos” e esse breve episódio de alguns anos atrás me vem à memória. Como qualificar essa prosa que você me envia, senão recorrendo àquele adjetivo, isto é, dizendo-a “substanciosa” também – num sentido que implica agora não tanto o que eu tinha visto em Nava, mas num sentido que implica certa relação do espírito com a terra, com as coisas do chão e do mundo ao redor, que você tão bem consegue evocar nesse prefácio que não só é ele mesmo uma peça de grande interesse, mas que, ao apontar tão delicadamente para a poesia do prefaciado, nos traz também um desejo imenso de mergulhar nela, para descobrir mais tesouros, mais seiva e nutrir o espírito com a substância grossa da vida? Muitas coisas me evocou esse prefácio: nordestes, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa (no estilo entrecortado das frases e naquilo que João Cabral de Melo Neto chamaria de palavra “colada à coisa”, da qual extrai o seu ser e a sua substância e com a qual você consegue lidar de maneira tão própria e pessoal, apesar de tudo) – mas me evocou principalmente a personalidade do Feitosa, a cada dia mais da terra, a cada dia mais à espera de que o mundo se abra numa grande aparição reveladora. Neste ponto, sou obrigado a repetir a expressão do Mauro Mendes: “Cadê o livro? Cadê o meu”? Assim, na expectativa de ler, além do belo prefácio, também o livro do Virgílio Maia propriamente dito (para o qual, acredito, o prefácio constitui um excelente chamariz), deixo aqui o meu elogio e o meu pedido de que, quando possível, você nos dê a informação de como consegui-lo (o livro), impresso ou em versão digital (na eventualidade de que exista alguma), para que possamos conferir a coisa e ver se o prefácio não ultrapassou o objeto a prefaciar, o que estou certo – num bom sentido – não será o caso. Para aproveitar esta carta, gostaria ainda de lhe perguntar uma coisa. Conheci recentemente, no “Jornal de Poesia”, alguns poemas de Affonso Manta, que muito me agradaram. Leio, em seu “Estudos & Catálogos”, uma notícia, fornecida por Maria da Conceição Paranhos, de que o poeta faleceu recentemente, o que terá sido, com certeza, uma grande perda para a poesia brasileira, conforme a própria Paranhos comentou. Assim, minha pergunta é: que acesso podemos ter a outros poemas do autor, para além do pequeno vislumbre que tivemos de sua obra no “Jornal de Poesia”? Existem livros publicados dele e estão acessíveis no mercado ou, como receio seja o caso, tudo não passará de raridade – como, por exemplo, a poesia de Orides Fontela, que só podemos ler por fragmentos na Internet e que está, esta última, a esperar por uma boa edição completa de seus poemas, já que se trata de uma presença tão nobre na poesia de língua portuguesa dos últimos anos? Você teria alguma informação a me dar? Bem, com os votos de que outros prefácios, outros poemas, catálogos, estudos e mãos venham por aí, num sempre crescente nível de qualidade, vai aqui o meu abraço. Renato Suttana

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RICARDO ALFAYA: “Estudos & Catálogos – Mãos”, um trabalho em que mais uma vez combina eletrônica com artesanato. Importante também porque traz para o papel material do “Jornal de Poesia”, aumentando com isso as chances de sobrevivência do material. Quanto à qualidade do escrito e dos comentários dos autores, excelente, como sempre. Desde o início você tem sido um dos que têm sabido melhor aproveitar os recursos de interatividade que a Internet oferece, ao mesmo tempo promovendo seu próprio trabalho e o de outras pessoas, com enorme talento. Os Catálogos evidenciam essa visão de conjunto em que se tem o seu trabalho e o dos comentaristas bem demarcados, enquanto que, simultaneamente, ocorre a integração e interatividade desses textos, formando um conjunto único. É muito interessante.

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RITA BRENNAND: Poeta, por favor não repare meu silêncio. Ele é a minha homenagem, minha gratidão. Leio tantas vezes, tantas vezes leio, só me resta o corpo intenso, a carne trêmula, o arrepio da alma, meu beijo de sempre. Rita

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RODRIGO MAGALHÃES: “Saiba que os poetas como os cegos podem ver na escuridão”, era o verso que, na canção “Choro Bandido”, dava uma voz de sentença a quem cantava. E, do mesmo modo, eles, os poetas, continuam: tateando e achando na escuridão. O Coronel Feitosa sempre foi um cego de bom faro nos dedos. Pega o livro, abre-o pelo peso da mão e, numa viagem ligeira, eis o verso laureado. Assim, pelas mãos, ele mesmo diz, encontrou os ouros de Virgílio. E ele, de novo, confirma, pelas mãos, a poética do nosso cânone. Pelas mãos – habito agora apenas esta minha mão; sou apenas esta mão – o coronel Feitosa já vinha enxergando o mundo. Pelas mãos, ele já vinha lendo a casa, os veludos e as superfícies dos homens. E agora, pelas mãos, o enlace dos que se foram e dos que ainda não chegaram. A mão de Castro Alves sob o peso da mão dos novos condores. A mão de Shakespeare, a mão de Flaubert, a mão de Machado – todas, pesando sob e sobre. Espremidas, as mãos? Encostadas, num encaixe leve. Que eles, os antigos, só querem transmitir; que nós, gratos, não queremos esmagá-los. No mais, um texto para a queda do apartheid das escolas. Parnasianos, simbolistas, modernos, em um agrupamento pralém das razões excludentes, pralém dos sistemas de Lineu. O novo critério de divisão não divide, sobrepõe. O critério do coronel nos colocou lado a lado. De mãos dadas.

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RODRIGO MARQUES: Estava no escritório de Soares Feitosa quando o correio chegou com o livro “Recordel”, de Virgílio Maia. Vi Feitosa abrindo o envelope e retirando estranho papel de couro de bode, leu para mim o pedido de prefácio. Em seguida passou os dedos curtos por sobre a textura do couro e abriu a esmo o livro de Virgílio:

O dia vai começando
e diante d'Ele me calo.
No seio da escuridão
se escuta assim um abalo:
toda a caatinga estremece,
pois mais parece uma prece
o primo cantar do galo.

“Tem-se que ter sorte ao abrir um livro – disseram-me”. O livro ficou por alguns dias no escritório, mas logo desapareceu. Passado um mês – mais ou menos, “Recordel” retornou sob a forma de “Estudos & Catálogos – Mãos”, contendo quase tudo que, durante o tempo em que trabalhei no escritório, comentamos (eu, Feitosa e o advogado Rogério Lima): o júbilo, a matança do porco, as mãos, a festa, o cururu, a poesia, a festa, o retorno do filho pródigo, a festa. A minha primeira impressão foi de achar que tudo pode e deve ser escrito, pois o texto de SF, pensando bem, não passa de uma lista, mas disposta de uma forma tal que o leitor não deixa de revisitar o seu catálogo pessoal, suas recordações, seus estudos. Logo, tudo pode ser escrito, desde quê... Fui o primeiro (acredito) a ler o texto em voz alta, iniciando, naquele instante, o debate vivo que se pode ver no livro-prefácio “Estudos & Catálogos – Mãos”. Feitosa conseguiu resolver o problema do livro de Virgílio: o de ser apenas um. Com o prefácio, “Recordel” tornou-se duplo; com os comentários, triplo; com o “Jornal de Poesia”, sem margens. Só a Arte, Sr. Leitor, só a Arte!

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RODRIGO PETRONIO: Soares da gota! Belíssima organização de catálogos! Muito boa mesmo. Gostei das iluminuras do sertão e da reflexão sobre as letras. Agora, minha mãe é Quitéria, de Afogados da Ingazeira, Pernambuco. Onde fica a tal cidade? Ela, a padroeira, se chama Quitéria? Vou correr, falar pra ela, mãe.

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RONALDO COSTA FERNANDES: Que belo prefácio! É uma reinvenção do mundo, a realidade mágica do sertão e dos seus traços, serifas, bois, maneiras de ser-tão e ser o mundo! Feliz do prefaciado que junta à sua poesia outro texto de mágica poética e análise da arte de ferrar bois e marcar a poesia do mundo.

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SALOMÃO PINHEIRO MAIA: Poeta, meu agradecimento pelo envio de “Jornal de Poesia”: logo no primeiro “ferro”, sente-se o punho forte do escritor. É de gente grande, dono de “ferros”, terras sem cercas, onde o peregrino casado pode repousar as saudades d’Ela, de sua burra Vencedora, e as dela, sempre com o livro às mãos, ensinando.

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SANDRA REGINA BALDESSIN: Querido Francisco: a você, poeta, o direito indelegável, personalíssimo, de nos marcar, leitores cativos, com as suas palavras-gestos, palavras-bailarinas, que nos enredam numa dança de leitura, intensa, intrincada e muito, muito prazerosa... Recebi sua correspondência, a pequena nota manuscrita, o seu abraço, o aconchego do seu carinho, tudo guardado naquele envelope... Lembrei-me da poetisa russa, Anna Akhmatova “(...) ASSIM NÃO SE ESPERAM CARTAS, ASSIM SE ESPERA A CARTA...”. Agradeço, poeta, agradeço comovida! Hoje à tarde (sábado) lerei o seu texto na primeira reunião do ano do nosso Centro Literário. Acredito que me permita fazê-lo. Saiba que eu o havia lido no site e, inclusive, escrevi-lhe um e-mail, o qual você não acusa o recebimento e pediu-me que enviasse novamente, porém, não guardei cópia, pois foi escrito no “calor” do impacto da leitura, no corpo mesmo do e-mail. Quem sabe você ainda o encontre, pois não foi devolvido. Sabe, Francisco, você é uma dessas pessoas especiais que, por algum milagre, cruzam o caminho da gente. Sou feliz que tenha cruzado o meu caminho.

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SÉRGIO GODOY: Foi com agradável surpresa que abro minha porta e recebo “Estudos & Catálogos”. O dia em Amsterdã ficou mais fácil... Gostei bastante do prefácio e fiquei intrigado com os textos; amavelmente intrigado. Gostaria de mais uma vez agradecer, ainda que na distância, toda sua atenção e carinho.

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SILVIO ROBERTO SANTOS: Curti muito a tua epifania dos catálogos, rapaz. Lembrei do velho Leopold comprando rim numa feira de Dublin. É o que se poderia chamar de visceral. Ave, Soares!

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SOCORRO CARNEIRO: “Estudos & Catálogos – Mãos” exalam muçambê e xique-xique cheirosos; leite espumante ao peito da vaca, bois e o aboio cantante do vaqueiro; a sela, os animais, o cachorro acuando quem tenta ultrapassar a soleira da porta; a lua bonita, o dia amanhecido, o orvalho que molha os meus pés. Inúmeras coisas têm que ser ditas, quadros pintados da festa do sertão. Água que jorra agora, fevereiro deste grande inverno de 2004, de açudes sangrando, que “vai-não-vai”. Muito obrigada mesmo por ter recebido esta obra de arte. Tudo isto me traz lembranças do tempo de minha infância na casa dos meus avós.

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SONIA SALES: Caríssimo Soares Feitosa. Feliz Virgílio Maria que pode ter um tão belo prefácio no seu “Recordel”. A experiência que você nos passa, sua vivência nesse sertão tão pouco conhecido por nós da grande cidade, que temos a pretensão de tudo conhecer, leva-nos a uma reflexão sobre a nossa pobre maneira de viver. Do meio desta poluição daqui de São Paulo, sonho com a alegria de tomar um leite fresquinho ou ajudar na feitura de um queijo artesanal e, quem sabe, trocá-lo por papel e caneta com que poderei descrever essa tentativa de ser feliz. Estarei esperando ansiosa os belos versos do Virgílio Maia, autor tão admirado. Parabéns aos dois. Abraços afetuosos da Sonia Sales

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TERESA SCHIAPPA: Foi um prazer inesperado e grande receber os seus “Estudos & Catálogos – Mãos”, penso que separata do “Jornal de Poesia”. O Prof. Carlos Felipe Moisés, amigo de há longa data, deu-me a conhecer essa obra extraordinária que é o seu “Jornal de Poesia” electrónico (brasileiro mas também português, como pude verificar). Do pouco que ainda consultei (além do site de Carlos Felipe Moisés, alguns itens de passagem) encantaram-me não apenas excelentes momentos de poesia - incluo as apreciações que falam dela – mas também o bom gosto na organização dos materiais e na disposição visual. Com a leitura do seu livrinho fico a compreender melhor a dinâmica que permite um empreendimento tão vasto e ao mesmo tempo tão singularizado: está nele presente o mesmo amor à efabulação poética, a mesma atenção ao pormenor pitoresco e criativo, que associa sem preconceitos o Virgílio “antigo” e o “moderno” e não deixa sequer esquecidos os diferentes AA nas tarefas banais da “catalogação” (uma verificação ainda a fazer!). Achei muito interessantes as apreciações dos poetas referenciados (Virgílio Maia e Rogério Lima) pelo seu estilo exuberante de humor e de riqueza humana, em que convive naturalmente uma multiplicidade de registos; a mesma que é sensível, nos poemas, entre o distanciamento lírico de “Architectura” e a proximidade excessiva, e mesmo dolorosa, de “No céu tem Prozac” – para citar os dois poemas que, por razões diversas, melhor retive após a leitura. Como talvez saiba através do Carlos Felipe Moisés, sou uma platonista (às vezes pessoanista), remediada com o ensino do Latim – que, aliás, gosto de ensinar; a dispersão de actividades e a acumulação de autores, que é o nosso tempo presente, torna assim mais preciosa a oportunidade de convívio com outros modos de exprimir poesia – como para mim foi, flagrantemente, a leitura de “Estudos & Catálogos – Mãos”. Duplamente grata por “este abraço” que os acompanha, cumprimenta cordialmente a Maria Teresa Azevedo

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TEREZINHA CARVALHO DE MORAIS: Quatro paredes, um gole d'água, um galo calado, umas pontas quebradas, um riso esquecido, uns papéis amassados, uma cadeira amarela e naquele amarelo não tingido a priori de mim encolhida, embebida, alimentando-me da tarde e da introspeccão embriagadora nas horas das quatro – era só um dia de sol, de sertão, de feijão, de abril e de poesia, e de carta. De carta?! Sim, de carteiro e tudo com correspondência timbrada: JP. No amarelo em mãos reconheci o meu corajoso nome, era para mim (fiquei azul de curiosidade). Como um amarelo viajado poderia ter sido enviado para mim? Como descobriram-me neste invólucro de poesias, sonhos e cajus? A tarde recolhia-se e abraçava a noite. Quem me descobriu? Quem? Foi ele, sim foi ele! O vaqueiro que faz sua sorte, o dono das mãos que tecem as manhas e que sabe fazer arte na vida, aquele que ver ferrar o boi dos sonhos de menino, a voz daquele que aboia aos ventos, o dono do perfume que banha a aurora e que lê o mundo com a empiria dos sábios. Sim, foi ele, o meu amigo, um amigo sim que presenteou-me surpresas e palavras colhidas dos tempos, um amigo desconhecido e hábil que ofereceu-me o cálice da doce sensação de ser descoberta. Eu tinha um amigo e nem sabia. Sim ele era, ele era um amigo-poeta. E o amarelo?! E o azul?! E o fim de tarde?! Tingiram-se todos de cores: de soares, de feitosas, de terezas, de marias, rúis, virgílios, rosas e de poesias. Valeu mesmo! Queria oferecer-lhe amigo-poeta algo de pincelada minha mas não sei se devo e fica a interrogação se desejarias algo assim tanto tempo engavetada no sonho de menina junto com os grilos, os aninhos, os sonhos e o cheiro de café de lenha da simplicidade das horas.

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VERA QUEIROZ: Quanto ao “Da caixa postal aos corrós de açude”, você conseguiu o feito de recordar Rosa em seu estilo sendo porém totalmente você, ou seja, escrevendo no jeito feitosa de ser, o que significa sal, pimenta e humor no que diz, jeitosamente feitosa. Beleza! Quanto ao prefácio ao livro do Virgilio Maia, é uma delícia de ler. Não conheço o poeta, mas tenho certeza de que é grande, se inspirou esse outro quase-poema em prosa.

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VICENTE FREITAS: Meu caro Soares Feitosa, acabei de ler agora meditadamente o seu “Estudos & Catálogos – Mãos”. Não vou perder tempo em elogios: quanto ao estilo — uma linguagem inventiva, enfim, um esplêndido Prefácio e não estou fazendo a menor concessão para afirmar esplêndido. Estou com Mário de Andrade quando dizia que a arte é um elemento de vida e não de sobrevivência; que a beleza não é a finalidade mesma da arte, mas uma consequência. Quanto ao admirável Virgílio Maia tenho lido alguns poemas de sua lavoura, inclusive “Esporas de Prata”, que chegou-me às mãos através de um encarte do jornal “O Pão”; poema que se desenvolve dentro de uma temática regional, com elmentos gráficos que ressaltam essa temática. E essa diferenciação gráfica tem um objetivo: aproximar a grafia às marcas de ferrar gado. Pelo seu prefácio percebe-se que o livro “Recordel” segue o mesmo tema. Em tempo: ao receber “Estudos & Catálogos – Mãos” fiquei pasmo e ao ler, como Mestre Ascendino: ferrado! Gratíssimo. Vicente Freitas

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XENIA ANTUNES: Eu fico “de cara” – é, só na gíria mesmo pra expressar – com a sua produção! E vai escrever bem assim na... cê sabe onde! É uma honra partilhar escrituras com você. E ler o que você escreve é uma dádiva neste mundo literário tão medíocre. O “Jornal de Poesia” é essencial, vida longa! Além disso, o seu trabalho de divulgação dos outros poetas e escritores é de uma tremenda generosidade, coisa rara! Quando puder envie algo pra publicarmos na revista. Abraços. Xenia.

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