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Ronaldo Costa Fernandes

rc29fernandes@yahoo.com.br

Poussin, Venus Presenting  Arms to Aeneas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conceição Paranhos

 

Vera Queiroz

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Rinaldo e Armida

 

 

 

 

 

Ronaldo Costa Fernandes


 

Bio-Bibliografia


Ronaldo Costa Fernandes ganhou o Prêmio Casas de las Américas com o romance O Morto Solidário, traduzido e publicado em Havana, Cuba, pela mesma Casa de las Américas e, no Brasil, pela editora Revan. Ganhou, entre outros, os prêmios de Revelação de Autor da APCA e o Guimarães Rosa. Na área do ensaio, publicou em 1996, pela editora Sette Letras, o livro O Narrador do romance, prêmio Austreségilo de Athayde, da UBE-RJ. No final de 97, ainda publica o romance Concerto para flauta e martelo, pela editora Revan, finalista do prêmio Jabuti-98. No ano de 1998, edita Terratreme, poesia, livro que recebeu o Prêmio Bolsa de Literatura, pela Fundação Cultural do DF. Durante nove anos dirigiu o Centro de Estudos Brasileiros da Embaixada do Brasil em Caracas. De volta ao Brasil, em 1995, foi Coordenador da Funarte de Brasília até o início de 2003. É Doutor em Literatura pela UnB. Seus últimos livros de poesia são: Terratreme (1998), Andarilho (2000) e Eterno Passageiro (2004).

 

 

 

Rita Brennand

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Poussin, The Nurture of Bacchus

 

 

 

 

 

Ronaldo Costa Fernandes


 

O tempo


O tempo e sua matéria
a máquina dos meus humores
tão rica e mineral
enquanto lá fora
a sonata dos desatinos
orquestra o boi que se estende no varal.

O tempo e sua miséria,
deus negro que não encontra o sono.

O tempo e sua morfologia
feita de nada e de tudo
como alguém que anda
com os calcanhares para a frente.

O tempo e sua bílis negra,
atrabiliário e perverso,
monstro do Loch Ness,
ó profundeza feita de vazio.

O tempo e sua caixa de música
o lugar dos sons prisioneiros
que se escuta é o silêncio das horas
lambendo o ar rarefeito.

O tempo – animal que não envelhece,
nós é que passamos por ele
como alguém que acena de um ônibus
para a imobilidade saudosa
de um bar à beira da estrada.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Acis and Galatea

 

 

 

 

 

Ronaldo Costa Fernandes


 

A imaginação dos bastardos


Como serão os anjos na velhice?
Aqui onde a queda é ascensão
não duvido da existência
do hálito de Deus.
Somos as raízes mortas
cheirando a ferro,
respirando o incenso do monóxido de carbono.
As putas recolhem entre as pernas
a espécie sutil de réptil
seco da Johntex:
o pânico feito de elástico, músculo e noite.
 

 

 

 

A menina afegã, de Steve McCurry

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Nauro Machado

 

 

 

 

 

 

 

 

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

 

 

 

 

 

Ronaldo Costa Fernandes


 

Campos de concentração


Essa vegetação dos cabelos
são tranças do ovário.
E o coque de aspereza,
a trama de parecer uma sendo várias.
Ceifar o milharal dos canos,
os ipês sopram ventos roxos,
semear a monocultura dos esgotos urbanos.
Os receios esterilizam a terra
e as estações de metrô
trazem sempre o inverno do cimento.
Só os loucos têm razão,
choramingos febre sezão ai ai Deus.
Talvez as chuvas de verão
me tragam abrigo
e agosto, época de seca,
me chova torpezas.
 

 

 

 

Culpa

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José Nêumanne Pinto

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Ronaldo Costa Fernandes


 

Vertigem das baixezas


Os alpinistas escalam a morte.
Também sei o perigo do cume,
mesmo sem me deslocar,
sei o alpinismo dos olhares submersos
que me fazem perder o pino.
 

 

 

 

Um cronômetro para piscinas

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Artur Eduardo Benevides

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

 

 

 

 

 

 

 

 

Andréa Santos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maria Maia

 

 

 

 

Adelto Gonçalves

 

 


 

O Viúvo, um acontecimento literário

 


Publicado, em 2005, por uma editora de fora do eixo São Paulo-Rio de Janeiro, é claro que este livro, uma das poucas obras-primas do romance brasileiro deste início de século XXI, praticamente passou despercebido do leitor-consumidor. Azar dele, pois, se se fiar nas listas dos mais vendidos das revistas semanais que, como se sabe, só reconhecem autores e livros publicados por grandes editoras, vai continuar a ler muito lixo cultural
 

«O Viúvo», de Ronaldo Costa Fernandes, é um romance surpreendente. As frases curtas, diretas, rápidas e cortantes reconstituem um clima pesado e sombrio à Fernando Pessoa em «O Livro do Desassossego», atribuído ao heterônimo Bernardo Soares, em que o estado mental de quem escreve transborda para a palavra.

Não é o mesmo estilo em que oxímoros e frases paradoxais permeiam o texto. Além disso, o português que usa é o do Brasil de hoje, sem floreios, sem gírias ou palavras de baixo calão. É como se Machado de Assis tivesse renascido na segunda metade do século XX e, incorporando todas as conquistas literárias das últimas décadas, renovado o idioma e produzido este texto que é o depoimento apurado de um homem atormentado. Costa Fernandes faz exatamente isso: dá um salto para a linguagem moderna, mas sem perder a raiz brasileira que, mais ao fundo, ainda é portuguesa.

Publicado, em 2005, por uma editora de fora do eixo São Paulo-Rio de Janeiro, é claro que este livro, uma das poucas obras-primas do romance brasileiro deste início de século XXI, praticamente passou despercebido do leitor-consumidor. Azar dele, pois, se se fiar nas listas dos mais vendidos das revistas semanais que, como se sabe, só reconhecem autores e livros publicados por grandes editoras, vai continuar a ler muito lixo cultural, embora não se negue que são igualmente publicadas muitas obras importantes.

Costa Fernandes publicou, entre outros livros, os romances «Concerto para flauta e martelo», finalista do Prêmio Jabuti de 1998, da Câmara Brasileira do Livro, e «O morto solidário», que obteve o Prêmio da Casa de Las Américas, de Havana, ambos editados pela editora Revan, do Rio de Janeiro. Conquistou ainda os prêmios de Revelação de Autor da Associação Paulista dos Críticos de Artes (APCA) e o Guimarães Rosa. E, por nove anos, dirigiu o Centro de Estudos Brasileiros em Caracas.

Na apresentação que fez para «O Viúvo», Lídia Cademartori compara o romance à «Angústia», de Graciliano Ramos, e o faz com muita pertinência e acuidade. De fato, é o mesmo clima abafado, o mesmo método introspectivo.

Em «Angústia» (1936), o personagem Luís da Silva analisa, até à exaustão, as causas que o levaram ao crime, “conjugando a visão iluminada de Dostoievski com as teorias criminologistas de Lombroso, em ambiência verdadeiramente freudiana”, segundo a lúcida análise do professor Fernando Cristóvão, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em História da Literatura Brasileira, direção de Sílvio Castro, vol. III (Lisboa, Publicações Alfa, 1999)

Em «O Viúvo», obviamente, as teorias lombrosianas não aparecem, superadas que foram pelo tempo, mas o ambiente claustrofóbico persiste, ainda que, ao contrário de «Angústia», não ocorra durante a narrativa nenhum crime, mas apenas a vontade de perpetrá-lo.

O que se percebe é que o processo de esquizofrenia, que parece acelerado no narrador, começa a levá-lo a imaginar a prática de um crime. “Por que tenho vontade de matar D. Benedita? O que ela me fez? Talvez fosse melhor mudar a pergunta: o que ela representa para mim e que quero eliminar da minha vida?”, questiona o narrador, um professor de universidade perseguido pelo remorso da traição, consumado com uma garota de dezoito anos num quarto de hotel, enquanto a mulher agonizava numa doença terminal.

Em seguida, volta atrás: “Mas não vou matar D. Benedita. Ela mesma vai murchar, sem seiva, sem adubo, sem flor”, prevê para a velha empregada doméstica que, diariamente, cuida de sua casa, “herança” de seu casamento com a falecida Lídia. Talvez se se livrasse da velha empregada, livrar-se-ia também da imagem da falecida e de tudo que a faz lembrar, pois, afinal, “cada passo de D. Benedita no corredor parece que vai dar no quarto onde está a moribunda”.

Culto, o professor compara-se ao sinólogo Peter Kien, personagem de Elias Canetti em «Auto de Fé» (1936), mas sente uma diferença: seus livros não falam com ele, “são arredios, não se mexem, lápides de papel, soldadinhos de papel com o bucho cheio de letras”.

Mas, se comparado com o professor universitário sul-africano de J. M. Coetzee em «Desonra» (1999), o professor de Costa Fernandes é umAdelto Gonaçlves personagem literário mais bem estruturado, interessante e marcante, que, afinal de contas, discute questões que estão presentes no dia-a-dia do brasileiro. Ou, pelo menos, do brasileiro de cultura. É, ao mesmo tempo, alguém assim como Mersault, personagem de «O Estrangeiro» (1942), de Albert Camus, um homem que simboliza o vazio moral de nosso tempo. E, nunca como agora, sente-se tanto esse vazio moral no Brasil.

Ao conhecer Fernanda, sua aluna, casada e mãe de filhos, que voltara à universidade porque também precisava falar de Álvaro de Campos com alguém, o professor é perseguido outra vez não só pelo remorso da traição à mulher, agora morta, como fisicamente pelo marido traído. Tudo, praticamente, começa (ou recomeça) quando discute com Fernanda a frase de Ginsberg, que dizia que toda vez que lia Pessoa, achava que ele, Ginsberg, era melhor que Pessoa, e que fazia “a mesma coisa de modo mais extravagante”, talvez, apenas porque Pessoa era de Portugal e ele, Ginsberg, da América, “o maior país do mundo”.

Que Ginsberg seja assolado por um sentimento etnocêntrico que o leva a se achar superior a Pessoa apenas porque nasceu no “maior país do mundo”, compreende-se. Que o obtuso Bush queira impor suas idéias de mundo a um país do Oriente Médio, como o Iraque, admite-se, à falta de outra alternativa, já que garantir o abastecimento de petróleo é fundamental para que o estadunidense continue a levar a vida de desperdício que leva.

Mas, que o professor de poesia de Coetzee, o autor Prêmio Nobel de 2003, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, de São Paulo, seja hoje mais conhecido do leitor brasileiro, do que o professor de poesia de Costa Fernandes, só se pode atribuir à submissão intelectual e ao servilismo abjeto ao que vem de fora da maioria dos editores brasileiros.

Que um país periférico não seja capaz de reconhecer os seus melhores autores, isso é sintoma de que a nação já entrou em acelerado processo de desintegração. E por isso seu futuro se desenha duvidoso. Infelizmente.

O Viúvo, de Ronaldo Costa Fernandes. Brasília: LGE Editora, 2005.

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* Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Grief of the Pasha

 

Augusto dos Anjos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

14.12.2005