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Nauro Machado

São Luís, MA, 02/08/1935 - São Luís, MA, 28/11/2015

Poussin, The Judgment of Solomon

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Alguma notícia do autor:

 

Nauro Machado, 2003

 

Michelangelo, 1475-1564, David, detalhe

 

Henry J. Hudson, Neaera Reading a Letter From Catallus

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Nauro Machado



Bio-Bibliografia


Filho de Torquato Rodrigues Machado e Maria de Lourdes Diniz Machado, foi casado com a também escritora Arlete Nogueira da Cruz.

Poeta autodidata com vasto conhecimento em artes e filosofia. Comparado por alguns críticos a Fernando Pessoa, é original por ser poeta universal entre seus contemporâneos mais imediatos, como Ferreira Gullar, Lago Burnett, José Chagas e Bandeira Tribuzi. Se Gullar questiona a própria forma poética, Nauro Machado questiona a própria essência e destinação do ser humano, sem deixar de cultivar uma linguagem poética e uma técnica de versos exemplares. Sua obra apresenta traços de reflexão existencial angustiada e violenta que encontra poucas comparações na lírica de língua portuguesa.

Exerceu diversos cargos em órgão públicos entre eles DETRAN e EMATER e também na Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão. Nauro Machado sempre viveu em São Luís, ausentando-se apenas por breves períodos, sobretudo para o Rio de Janeiro para publicar boa parte de suas obras. No entanto, grande parte de sua vida Nauro dedicou à sua grande paixão, a poesia. Recebeu diversos prêmios, dentre eles Academia Brasileira de Letras e da União brasileira de Escritores; teve varias de suas obras traduzidas para o alemão, francês e inglês.

Em novembro de 2014 publicou um livro, com o título: Esôfago Terminal, cujas poesias remetem a dor e a superação da sua luta contra o câncer.

Em outubro de 2015 recebeu o título de "Doutor Honoris Causa", concedido pelo Reitor da Universidade Federal do Maranhão.

Em novembro de 2015 lançou seu último livro em vida: O baldio som de Deus. Na ocasião revelou ter cinco livros prontos, ainda não publicados.

Morreu aos 80 anos em decorrência de uma isquemia no trato digestivo e foi sepultado no cemitério do Gavião, no bairro Madre Deus, em São Luís.

Obras de Nauro Machado:

  • Campo sem base (1958)
  • O Exercício do caos (1961)
  • Do frustado órfico (1963)
  • Segunda comunhão (1964)
  • Ouro noturno (1965)
  • Zoologia da alma (1966)
  • Necessidade do divino (1967)
  • Noite ambulatória' (1969)
  • Do eterno indeferido (1971)
  • Décimo divisor comum (1972)
  • Testamento provincial (1973)
  • A Vigésima jaula (1974)
  • Os parreirais de Deus (1975)
  • Os órgãos apocalípticos (1976)
  • A antibiótica nomenclatura do inferno (1977)
  • As órbitas da água (1978)
  • Masmorra didática (1979)
  • Antologia poética, (1958-1979) (1980)
  • O calcanhar do humano (1981)
  • O cavalo de Tróia (1982)
  • O signo das tetas (1984)
  • Aplicerum da clausura : (novos sonetos) (1985)
  • Opus da agonia (1986)
  • O anafilático desespero da esperança (1987)
  • A rosa blindada (1989)
  • Mar abstêmio (1991)
  • Lamparina da aurora (1992)
  • Funil do ser : canções mínimas (1995)
  • A travessia do Ródano (1997)
  • Antologia poética (1998)
  • Túnica de ecos (1999)
  • Jardim de infância (2000)
  • Nau de Urano (2002)
  • O alaúde ambíguo (2002)
  • A rocha e a rosca: poema (2003)
  • Pão maligno com miolo de rosas: poema (2004)
  • Pátria do exílio : terceiro e último canto do poema Trindade Dantesca (2007)
  • Trindade dantesca: (poema) (2008)
  • O Cirurgião de Lázaro (2010)
  • Província : o pó dos pósteros (2012)
  • Percurso de sombras (2013)
  • Esôfago Terminal (2014)
  • O baldio som de Deus (2015)
  • Canções de Roda nos Pés da Noite (2016)

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

 

Nauro Machado


 

A gesta do sertão brasileiro encontrou-se com Soares Feitosa, um dos espelhos vocálicos de seu extremado canto. Seu livro de estréia, PSI, a Penúltima, é um poema de circularidade épica, dilatado por uma visionária inteligência computadorizada, capaz de reacender em nossos olhos a transparência eidética dos princípios. Trazendo uma Grécia transplantada ao nordeste seco e heróico, de um país que, por destino, é o nosso; os tempos nele se unem a abranger a heroicidade do gueto de Varsóvia à resistência heróica de La Moneda. A poética de Soares Feitosa não se estanca assim no epos geográfico de uma história sertaneja: extrapolando dos condicionamentos narrativos que lhe diminuiriam a abrangência ecumênica do texto, sua visão incide - esclarecidamente racional e culta - sobre a natureza humana de um patrimônio universal. Sua técnica, como estrutura amealhadora de peças anônimas e autônomas, não lhe estereliza em nenhum momento a emoção. O computador, no seu caso, permitiu a abertura para o espraiamento de um novo espaço sobre o qual Nauro Machado o tempo, na parábola do homem enquanto História, retroage consagüineamente às primícias da visão homérica. Certos trechos desses poemas são co-irmãos do inferno sousandradino, na atomização vocabular do raconto, e do simultaneísmo apollinaireano, naqueles acordes em que o músico de St. Remy vai encantando os personagens na circularidade da história. Seu poema é, destarte, voz secularizada pelo trabalho oral de toda uma região. Poeta extremamente culto, tão necessário nestes tempos de poetas apenas alfabetizados, Soares Feitosa segue os caminhos desbravados entre nós, com ressonâncias planetárias, pelo bardo Gerardo Mello Mourão, autor de Os Peãs, este poema ímpar no contexto da verdadeira história cultural brasileira.

 

 

 

Hélio Rola

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Maria da Conceição Paranhos

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Nauro Machado



Ofício


Ocupo o espaço que não é meu, mas do universo.
Espaço do tamanho do meu corpo aqui,
enchendo inúteis quilos de um metro e setenta
e dois centímetros, o humano de quebra.
Vozes me dizem: eh, tu aí! E me mandam bater
serviços de excrementos em papéis caídos
numa máquina Remington, ou outra qualquer.
E me mandam pro inferno, se inferno houvesse
pior que este inumano existir burocrático.
E depois há o escárnio da minha província.
E a minha vida para cima e para baixo,
para baixo sem cima, ponte umbilical
partida, raiz viva de morta inocência.
Estranhos uns aos outros, que faço eu aqui?
E depois ninguém sabe mesmo do espaço
que ocupo, desnecessário espaço de pernas
e de braços preenchendo o vazio que eu sou.
E o mundo, triste bronze de um sino rachado,
o mundo restará o mesmo sem minha quota
de angústia e sem minha parcela de nada.
 

 

 

Hélio Rola

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Maria da Conceição Paranhos

 

 

 

 

 

Poussin, Venus Presenting  Arms to Aeneas

 

 

 

 

 

Nauro Machado


 

Apenas uma Coisa


Existe amor?
Palpável como o dia,
como a matéria com que é feito o objeto
chamado mesa, catedral ou baço
nitrindo em tantas coisas?

Como amar
esta incorpórea substância carnal,
este lampejo de chão no infinito?
Existe amor?

Palpável como a terra?
Debaixo ou sobre a terra, ainda carne,
algum finado saberá do amor,
essa chama votiva a brilhar ainda?
Amou Torquato a Maria? Amou deveras?
Digam-nos os anjos corcundas do além,
a ave agoureira ao céu crucificada,
o revoar de asas na papal coroa.
Amou Torquato a Maria, ainda carne?
Ama Maria a esse pó apenas nome
legado aos filhos como letra morta,
como moeda gasta em mão mendiga?
Chupando um dedo só, o amor se alimenta.
 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

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Renato Suttana

 

 

 

 

 

Poussin, The Exposition of Moses

 

 

 

 

 

Nauro Machado



Pequena Ode a Tróia


Como te massacraram, ó cidade minha!
Antes, mil vezes antes fosses arrasada
por legiões de abutres do infinito vindos
sobre coisas preditas ao fim do infortúnio
(ânsias, labéus, lábios, mortalhas, augúrios),
a seres, ó cidade minha, pária da alma,
esse corredor de ecos de buzinas pútridas,
esse vai-e-vem de carros sem orfeus por dentro,
que sem destino certo, exceto o do destino
cumprido por estômagos de usuras cheios,
por bailarinos bascos sem balé nenhum,
por procissões sem deuses de alfarrábios velhos,
por úteros no prego dos cachos sem flores,
por proxenetas próstatas de outras vizinhas,
ou por desesperanças dos desenganados,
conduzem promissórias, anticonceptivos,
calvos livros de cheques e de agiotagem,
esses lunfas políticos que em manhãs — outras
que aquelas já havidas, as manhãs do Sol —
saem, quais ratazanas pelo ouro nutridas,
apodrecendo o podre, nutrindo o cadáver.
Se Caim matou Abel e em renovado crime
Abel espera o dia de novamente ser
assassinado em cunha de rota bandeira,
que inveja paira em Tróia ou em outro nome qualquer
da terra podre e azul de água e cotonifícios?
Mutiladas manhãs expõem-se nas vitrinas
de sapatos humanos mendigando pés,
de vestidos humanos mendigando peitos,
de saias humanas mendigando sexos.
Esta é Tróia!, o vigésimo século em Tróia,
blasfemam as fanfarras de súbito mudas
nos ouvidos mareando a pancada da Terra.

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), L'Innocence

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Sebastião Uchoa Leite

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Triumph of Neptune

 

 

 

 

 

Nauro Machado



O Parto


Meu corpo está completo, o homem - não o poeta.
Mas eu quero e é necessário
que me sofra e me solidifique em poeta,
que destrua desde já o supérfluo e o ilusório
e me alucine na essência de mim e das coisas,
para depois, feliz e sofrido, mas verdadeiro,
trazer-me à tona do poema
com um grito de alarma e de alarde:
ser poeta é duro e dura
e consome toda
uma existência.

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana

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Domi Chirongo

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

Nauro Machado


 

Contumácia


Maldita a vida me seja,
três vezes maldita seja
a vida que me desastra
e que por ser-me finita,
três vezes seja maldita
e amaldiçoada madrasta.

Quem me fez como um qualquer,
dormindo aonde estiver,
saiba deste desprazer,
para sempre e desde saiba,
para que o seu Ser não caiba
na pequenez do meu ser,

que eu não pedi para estar
com minhas pernas no andar,
com minha emoção a sentir
este universo que tapa
a minha boca num tapa
e a minha língua sem Ti,

essa coisa que fede a iodo,
como a água do mar ou do
envelhecimento o rim,
essa coisa que derrama
seu púbis velho de chama
a extinguir-se quase ao fim,

corpo de Deus! Corpus Christi!
Viste-O algum dia? Tu O viste
sequer um dia como tu?
Integral e à dor exposto,
desde o cio ao suor do rosto,
desde impotente até nu?

Os meus membros são crepúsculos!
São sangue e iodo os meus músculos,
é iodo e sangue a minha cruz.
Por que não nasci não sendo?
Por que, ao amanhecer, acendo,
noutra treva, cega luz?

Se além da terra existe ar,
se além da terra ainda há
por menor que seja, um seja,
como à noite volta o dia,
como, ao corpo, o que o procria,
como, em mim, meu ser esteja!

Dentro ou fora, qual gaveta,
para que, em mim, o ser meta
quem, em mim, é este meu ser,
olho, em volta, à minha volta,
e olho nada — só o que solta
de qualquer um: quem ou o quê?

Nada é, pois tudo se sonha.
E se alguém me falar: ponha
tudo o que lhe resta, e resta
no que, ao pôr-se, se me põe,
para que em mim meu ser sonhe,
vivo morto — e a morte empesta!

Como dar à vida pôde
o nada ser que sou de
outro feito pelo ser?
De outro ser, igual a mim,
mas de outro início a outro fim,
noutra vida até morrer?

Ó envelhecer do meu estar!
Da leitura de Balzac,
de La Comédie Humaine,
se passaram tantos anos
nos malogros desenganos,
sem disfarce ou mise-en-scène.

Bela Eugénie Grandet:
sois lembrança a anoitecer
pelas tardes do meu Carmo,
quem me traz a quem não sou
na usura do pai Goriot
que me a mim dá, para dar-mo

no meu duplo a ser mais dois,
quais búfalos que são bois,
ao mar meu a ser mais mar de
ontem que ao ser-te, alma, foi-te,
nas noites que são mais noite,
nas tardes que são sem tarde.

Só me lembro das andorinhas,
que hoje são luas-vinhas
que iam e vinham às seis,
só me lembro das sequazes
na imprecisão de alguns quases,
na distância de vocês!

Róseas ruas da memória,
róseas ruas hoje escória
que a soçobrar mais me sobe,
afundai-me na lembrança
hoje cravos da criança
que meu cadáver descobre.

Como, à noite, acendo a lâmpada,
para imitar (rampa da
noite) uma inútil manhã,
como o como que mais como,
assumo, na idéia, o pomo
da primitiva maçã.

Assumo o dia original.
Nascimento à morte igual,
nascimento em morte assumo
nesta página onde, em branco,
minha vida inteira arranco
do nada em que subi. E sumo.

E sumo a sós. Mas prossigo:
"na idéia é bem maior o trigo
que na boca o próprio pão,
na idéia janto a sós, comigo,
o pão real que mastigo
feito de imaginação".

Azul manhã em contumácia!
Negra noite, azul, te amasse
a idéia sem pensamento,
te amasse a própria Idéia
reduzida a uma hiléia
sem ar, floresta, rio, vento.

Locador de um condomínio
frustrador de um hímen híneo,
frustrador de um hímem são,
locador que loca um louco,
de carne e ossos sou reboco
deste barro em maldição.

Tudo é farsa, menor dor.
Sou, em mim, o que me sou
desde o ventre que me fez.
E contemplo a arraia, e raia
dela, como de uma praia,
a noite toda. Ei-la aqui. Eis:

andaime, sucata, ferro,
vagido, vagina e berro,
viatura e papelório,
passa tudo, e é a viatura
conduzindo à sepultura
meu ser morto. E sem velório.

Pois viu a terra e além bebeu-a,
pois viu o tempo e disse: é meu, à
solidão cerzindo a roupa
onde, se me dispo, visto
o sexo nu de algum Cristo
que, despido, não me poupa.

Dez anos de coito cego
são as metáforas que lego
à solitária da escrita,
aonde não chega ninguém
exceto o vazio que vem
de uma montanha infinita.

Ao ouvir da tarde: fracasso!,
conquanto, vergando, os braços
dissessem: pára, enfim finda!
e morre, ó alma desgraçada,
eu ousei retornar do nada,
ousei retornar ainda.

Abandona, ó rei, abandona
o abono de qualquer cona
além do sangue e da queixa.
Cerca a tua casa e a mura
com o suor da tua estatura,
e deixa o remorso, deixa-o!

Senhor do teu sofrimento,
vai-te com o diabo e o vento,
vai-te com a noite e o monte.
E fala, ainda que mudo,
que, do nada, igual a tudo,
sobre ambos nasces. E põe-te!

Elimina todo se
da pretensão de existir
na existência que é demérito,
e no não haver nascido
elimina-te existido,
elimina-te pretérito!

Eliminar o talvez.
Não saber dia, hora ou mês,
não saber até o minuto
em que me vim sendo feito
plantando a morte no peito
e o espinhaço no meu fruto.

Por que o vemeversoverbo
da herbívora erva que eu erbo
no meu plantio masculino,
inverte o chão do seu galho
arrancado do assoalho
repicando como um sino?

Ter olhos-Deus! olhos-sóis
tem-no o Deus que cego a sós,
tem-no o horizonte a pôr-se
como colírio em dordolhos,
tem-no quem me olha nos olhos
como se cego eu já fosse!

Ah!, se a pedra me fizesse
fazer-me cobrir quem desce
à região do ser meu se,
para não haver nascido
ou o houvesse enfim já sido
sem que eu dissera: nasci!

 

 

Valdir Rocha, Fui eu

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Dora Ferreira da Silva

 

 

 

 

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