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Hélio Rola & Soares Feitosa

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Minha versãoQuadro de Hélio Rola, 2001

Soares Feitosa

O ferro de engomar como se fosse um galo de costas para a rua, em cima do parapeito da janela, em pleno vento, cheio de brasas vermelhas: assim eram as roupas do Coronel. Brancas, no máximo, cremes; beges como dizemos atuais ou “modernas” como dizíamos antigos. De linho trêmulo, senão de um brim de grossa trama. E muita goma, numa tigela, uma vassourinha de malva e um paninho ligeiro para bruni-las naquela calda clara. E então, as mulheres chiavam-lhe o ferro em brasa. Galo poderoso! Quente e rijo. Pesado. E braços-fêmeos a tangê-los de noite para uma manhã de missas. Tochas dos muitos ferros nas janelas escuras, mas isto faz muito tempo porque hoje, por lá, tem luz de noite. Dos postes.

Agora, idos tantos chãos de matos e ruas, águas e pontes, chega-me o poeta-pintor Hélio Rola e me traz os galos, as roupas do Coronel em sua agenda domingueira, os ferros, a noite, a tapioca, águias, leões, rapinas, emplastros, mais outras roupas de caroá – in illo tempore –; o que mais traz Hélio?

Ele, o phantasma, protege o bolso principal, o do colete, bem em cima do hearth-heart, mão direita pousada calma, mas vigorosa. Uma mão mansa, tênue, mas vigorosa, terrível. Cordata, porém bojuda, de grandes saltos, um peso-pesado, de vero mando. Como se fosse a mão radiosa do Clemente e Misericordioso. Afagante; cruel, prontamente cruel, porém. Torah! Uma mão do Livro. Direita. Do outro lado, a outra, esquerda, em pura garra. Qual delas agarraria, a mão-calma, afagante, destra?, ou a de garras, flanco de espinhos, sinistra? Nunca podemos confiar!

E os emplastros. Minha mãe fazia emplastros de  farinha. Era um angu, bem quente. Rapidamente despejado num pano alvo. Ela (ou a madrinha) alisava-o até o formato de uma fina chapa, não tão fina para não perder rápido o calor; não tão grossa para poder espalhar em volta. Do pé, do braço — algum aflito de Deus, luxo-luxado, ela parteira, farmacêutica, naquele lugar. E o calor. Se fosse um caso grave, seriam muitas placas, sobrepostas, dobrantes, aqueles cachorros chineses... ah, pele! Quente. O café também quente.

Sim, muito era rapina. As dores. O calor. A boca do ferro em perna de “s”, andando de costas, mas isto faz tanto tempo que já não há ninguém dos vivos para me contar, eu mesmo caí por cima de um, a curva do joelho, do lado de dentro, depois os emplastros que então foram frios. Não, não eram as plaquetas da roupa deste boneco. Eram as folhas da bananeira, verdes, gélidas. Que também se faziam tapiocas naquelas folhas. E queimados sobre. Despejados em cama. Abanados dia e noite em ais de abrasume. A avó do poeta, assim me contou um deles, e se benzeu. Não, ninguém se benzeu.

Claro que ninguém tem cabeça nem ali nem nunca! De que nos serviria a cabeça — a desvendar? Melhor imaginar que no vazio do corte haja uma  boca-de-pote. De mel-de-dedo. De mel redondo. Era um vidro de Toddy, pronto para uma colher furtiva. Tentacional. Um vidro-mulher, presumo. Também emplastaria aquele mel. Melhor comê-lo puro, às mastigadas. E cimitarra. E elmo. Um ferro de engomar de brasas é ver um elmo. Vermelhos.

Ah, sim, as mulheres eram da raça Valério, dona Chica Valéra; também exímias as Beato, Zefa e Toinha; a Sabão (que só dizíamo-la pelas costas); mas era lá na casa de Chico Sabão, aliás, de dona Maria Miguel, esposa de seu Francisco Miguel, naquele tempo, que melhor se emplastrava um gibão de coronel, Honório, naquele tempo. Uma noite (e manhã) de frio, e todo o frio da serra, das Matas — esta é a minha visão.

Soares Feitosa

Fortaleza, noite alta, 9.3.2002

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[Montagem da página e recortes do quadro 

in Front-Page: by Soares Feitosa]

 

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