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Heitor Ferraz Mello

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A menina afegã, de Steve McCurry

 

Albrecht Dürer, Mãos

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

Heitor Ferraz Mello



Bio-bibliografia


O poeta paulista Heitor Ferraz Mello (1964-) nasceu na França, passou a infância em São José dos Campos e, aos 11 anos, mudou-se para São Paulo. Jornalista, editor de livros e mestre em literatura pela PUC-SP, Ferraz Mello estreou em 1996 com o volume de poemas Resumo do Dia. Depois disso, publicou mais quatro coletâneas de poesia: A Mesma Noite (1997); Goethe nos Olhos do Lagarto (2001); Hoje Como Ontem ao Meio-Dia (2002); e Pré-Desperto (2004). No mesmo ano deste último livro, saiu Coisas Imediatas [1996-2004], uma reunião de todos os cinco títulos do autor.

Na poesia de Heitor Ferraz Mello notam-se traços marcantes de prosa. É fácil perceber que o poeta trabalha, quase sempre, sem os recursos tradicionais da poesia, como a metáfora ou esquemas sonoros como rimas e assonâncias. Também são prosaicos os assuntos: o cotidiano do homem comum dentro de casa ou no embate das cidades. É isso que dá o tom, por exemplo, dos poemas "A Catedral se Impõe", "Minha Casa" e "O Deus", transcritos ao lado.

Outra característica da poesia de Ferraz Mello é a reconstrução de memórias, apresentadas em quadros familiares ("Nossas microbiografias" e "Álbum de Família") ou em paisagens urbanas como em "Mais Uma Vez Prados". A poesia de Heitor Ferraz Mello está firmemente enraizada no dia-a-dia e fala das coisas imediatas que vê e sente, na rua, em casa, no elevador ou no "nono andar de um prédio comercial". Não é por acaso que o primeiro livro do poeta se chama Resumo do Dia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

 

 

 

 

 

Heitor Ferraz Mello



A Catedral se impõe (ÀS 17H45)


O que observo deste 9° andar
de um prédio comercial
em São Paulo, na alameda
Ministro Rocha Azevedo

É o lilás de um fim de tarde
em contraste com o resíduo
dourado do sol se pondo
em algum lugar, atrás dos prédios

É a forma de uma catedral
que se desenha no asfalto úmido
com suas agulhas espichadas
pelos pneus dos carros

O que observo com o corpo
levemente apoiado na janela
é que o dia acaba do lado de fora
contra a continuidade do mercúrio
 

 

 

 

Ticiano, O amor sagrafo e o profano, detalhe

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Nelly Novaes Coelho

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Heitor Ferraz Mello



Nossas microbiografias


Às vezes acontece
do acaso
inconfortável
abrir uma brecha
na rasteira do presente
e alguma imagem
que estava presa
se libertar.
Do silêncio
escapa um rumor
de risos e vozes
(talvez na ponte
sobre um velho ribeirão)
e braços longos e desajeitados
de uma garota
longa e desajeitada
se acomodam sobre as coxas
e outra garota
esconde a timidez
de uma gargalhada
colocando a mão na boca.
 

 

 

 

Soares Feitosa, dez anos

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Nauro Machado

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), A Classical Beauty

 

 

 

 

 

Heitor Ferraz Mello



Minha casa


Minha casa é um refúgio
De noite
quando o sono não chega
vou até o portão para fumar um cigarro
O homem protegido
sob uma pequena marquise de uma garagem
fala sozinho
igual ao meu filho quando brinca
O homem imita conversas
e revolve uma sacola de supermercado
Afasto-me do poema que os olhos espiões
poderiam indicar
Refugio-me entre artigos da casa
Aquele homem sob a marquise
permanece inabordável
 

 

 

 

Sophie Anderson, Portrait Of Young Girl

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Aleilton Fonseca

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

 

Heitor Ferraz Mello



Álbum de família


Então
ele se sentou
num banquinho
ajeitou
o chapéu de feltro
colocou o filho
mais velho
ao seu lado
em pé
e se deixou fotografar
Então
ela se sentou
no murinho
da casa
esticou o vestido
cobrindo os joelhos
sorriu
para a lente
e também
se deixou fotografar
 

 

 

 

Hélio Rola

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Caravagio, Êxtase de São Francisco

 

 

 

 

 

Heitor Ferraz Mello



Mais uma vez prados


São os sinos,
são os sinos de igreja que
no meio da noite
me atormentam.

São as escadas espirais
talhadas em pedra e traição.

É a janela do quarto,
retângulo de madeira,
aberta de madrugada
e um lobo-guará
como guarda-noturno.

São os sinos da igreja
ou o grito desesperado
de uma requinta
anunciando os dias escoados.
 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova. 1864.

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Myriam Fraga

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros

 

 

 

 

 

Heitor Ferraz Mello



O Deus


Quando a noite é só o barulho
de um galo desregulado
e o apito distante de um guarda-noturno

Nesta hora
em que os corpos procuram a ausência
tão necessária
e a dor
um ponto-de-vista

Procuro
em cada canto do quarto
— olhos de treinada coruja —
o deus que me pronuncia.
 

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

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Vicente Franz Cecim

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Venus Presenting  Arms to Aeneas

 

 

 

 

 

Heitor Ferraz Mello



Um Prédio


Nenhuma lembrança
- o sol batendo no prédio
na sacada alta
de alta fuligem
na pequena área
cercada de brinquedos
onde procuro meu pai,
minha mãe e meu irmão.
E tudo em volta
entramado na pedra
é silêncio e memória
fugindo pela mão.

 

 

 

 

Michelangelo, Pietá

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Maria Maia

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Triumph of Neptune

 

 

 

 

 

Heitor Ferraz Mello



Sono (de A Mesma Noite)


Tudo vai revertendo
em sono forte.
Impulso de fuga
para o país vário
da insolência do sol,
da tempestade
temperada em sonho.
O sono vai correndo
ardiloso
todas as formas,
dentes,
olhos por fora.
E o coração pára
diluído no copo d'água
ao lado.
 

 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

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Dimas Macedo

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Heitor Ferraz Mello



Signo


Todo dia, espero
um pouco mais.
Se caminho pela rua,
nenhuma pedra,
calçada irregular,
solavanco de memória
e estrelas reconduzidas
ao céu posto.
 

 

 

 

Culpa

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Luiz Bello

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Nurture of Bacchus

 

 

 

 

 

Heitor Ferraz Mello



A Velha casa


Havia sempre no passado
o momento de grande gargalhada.
Corríamos pela casa
como duas crianças
e sacudíamos os lençóis
com nossos corpos.
Tínhamos em comum
a admiração da lua
e um certo jeito de olhar o mundo.
E mesmo hoje no passado
em que já nos encontramos distantes
ainda corremos pela casa
desabitada.
E só.

 

 

 

 

Um cronômetro para piscinas

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Helena Armond

 

 

 

16/05/2005