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Soares  Feitosa

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Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

Fortuna Crítica

 
 

Francisco Souto Feitosa, o pai, dito Tatim

 

Diná Gasparini

Jorge Amado

Luís Antonio Cajazeira Ramos

Maurício Matos

Roberto Pompeu de Teledo

Wilson Martins

 

 

Anisia, a mãe, aos 42

 

 

 

 

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Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

 

 

 

 

 

Wilson Martins


 

Um poeta da terra nordestina

 

 

Para Soares Feitosa, o mundo existe, não como paisagem, mas como bloco existencial de matas e rios

 

É Soares Feitosa ("Psi, a penúltima". Salvador: Papel em Branco, 1997), poeta da terra nordestina, não pelo pitoresco exótico, mas como integração pessoal e orgânica, como parte física e palpável do Brasil, como visão ao mesmo tempo épica e lírica do rincão natal. Pertence à família dos nossos poetas da terra, os Joaquim Cardozo, Ascenço Ferreira, Raul Bopp, Juvenal Galeno, Thiago de Mello, mas, é preciso dizê-lo, com amplidão muito maior no que se poderia chamar a incorporação cósmica. 

Segundo a frase célebre, é um homem para quem o mundo exterior existe, não como paisagem ou quadros de uma exposição, mas como bloco existencial de matas e rios, pássaros silvestres e animais domésticos, homens e mulheres em estreita convivência com cavalos e cabras, burrinhos de carga, a família e o meio, cenas da infância, as estações do ano, humanidade e ecúmeno de que faz parte, expressa, aqui e ali, com fervor patriótico. E, dominando tudo, o fator catalítico do tempo que passa e do tempo que dura. 

Para ele, a Pátria são os caminhos que pisa, as armadilhas de caçar passarinhos, as cobras que rastejam, as abelhas que produzem cera e mel, a paisagem esturricada, as montanhas e as árvores que conhece pelo nome, as frutas e os campos, o sofrimento do homem, a tragédia do clima e o milagre da chuva, a resistência resignada com que aquele mundo enfrenta a adversidade, a recompensa das manhãs e a impiedade do sol, o sentimento de abandono em que a região é mantida. Não são temas "literários" e o ufanismo de Soares Feitosa nada tem de simplório: é, antes, com amargura e revolta que encara a realidade: 

"Auriverde pendão de minha terra, que a brisa do Brasil beija e balança... famintos do meu Brasil precisam sonhar com um pão. Não há país como este, em se plantando, ó Caminha, sim, plantaram, plantaram nas algibeiras onanistas do metal. Em se plantando, seu Caminha, o que dá, não dá, o que deu, não deu, nunca deu... o que deu, o gato comeu, o que deu, o rato roeu". 

Os motes gerais dessa poesia, nas suas próprias palavras, são a infância, o chão, os matos, as pedras, os céus, as águas, o sertão, os bichos grandes e miúdos, oficinas e tralhas, cheiros e sons! mofumbos & alecrins, perfumes — tudo expresso no idioma dos grandes poetas universais, ecos da poesia primeva, Homero e Saint-John Perse, Walt Whitman e Victor Hugo, porque Soares Feitosa não é um "ingênuo" do romanceiro popular, não é o falso sertanejo da cidade nem o verdadeiro sertanejo iletrado, mas o sertanejo autêntico hipostasiado em poeta culto. 

É a "matéria do Nordeste" que forma a substância dos seus cantos épicos e dos seus transportes líricos, como na extraordinária "Antífona", uma das mais belas odes jamais escritas em língua portuguesa. É poema a ser lido por inteiro e em voz alta: "Venho de outras terras, meu capitão, não sou da beira do mar, eu venho desd’onde uma bola de fogo, volúpia de luz, volúpia de cor, cavalgava o horizonte e desabava, queda brusca por detrás da serrania (...)". 

As suas raízes humanas e poéticas, como as de Homero (literalmente evocado), estão nos cantadores das gestas populares: "Acudam-me os cantadores: Ignácio da Catingueira, negro e escravo; Romano da Mãe d’Água; vocês também fundaram o galope, a cantoria; Pinto do Monteiro, Otacílio, dos Batistas, a batistada toda, venham todos (...). 

Leiam o saboroso "Rio Macacos": "Rio?! Quem chamaria aquilo de rio? Era apenas uma grota risível (...)", explicando nas notas didáticas que acompanham todos os poemas: "Rio Macacos, nem sei se ainda existe, mas lhes garanto que água ele não tem!".

Soares Feitosa traduz o folclore em versos literários, escritos num idioma culto, sem concessões tolas ao populismo de carregação, assim escapando dos lugares-comuns previsíveis e estafados: "O sol, ainda ferro de brasa, chiando como um ferro de ferrar boi, soltando chispas, para bater a poeira, as fagulhas do dia, abanar-se um pouquinho da tarde quente, se esfregava nos penachos da palmeira mais alta (...)."

A mais a seca, maldição divina, seguida pelo milagre da água: "As águas em minha terra são efêmeras,/ parideiras, fêmeas, efêmeras eram as águas...". Com a primeira chuva, explodem as sementes mais apressadas: "Noutra chuva,/ outra leva nasceu (...) e mais outra, sempre mais uma leva/ de sementes nasciam e sucumbiam/ um raspar das enxadas (...)". [Panos Passados] e [Dormências]. 

Anexado ao volume, Soares Feitosa oferece ao leitor o contacto físico com o Nordeste e o Brasil antigo, sob a forma de um envelope com sementes de imburana-de-cheiro, por ele mesmo torradas e moídas: é o perfume da terra que perpassa pela obra, não só em sua materialidade física, mas também como representação por assim dizer olfativa da poesia da terra. 

Trata-se, então, de um poeta sertanejo, limitado ao regionalismo típico das letras? Longe disso: é um poeta lírico de harmônicas universais, inclusive as sugestões místicas; é também um saudosista, na medida em que são por natureza saudosistas os temas históricos e as evocações sentimentais, inspiração para belos poemas, como, por exemplo, "Perdidos e achados". 

Não podemos tampouco ignorar-lhe o lado ultra-moderno, criador do "Jornal de Poesia" pela Internet, em 1996, por não haver encontrado nenhum texto de poesia em língua portuguesa pelas ondas etéreas da eletrônica. E agora lá estão eles, os poetas, consagrados e principiantes, o que já é, em si mesmo, uma forma de poesia: a poesia do nosso tempo.

 

[Fac-símile de O Globo (Prosa & Verso), página inteira, 26.4.1997]

 

Página inicial de Wilson Martins

 

 

 

 








Da Vinci, La Scapigliata, detail

 

 

 

 

 

Jorge Amado


 

Venho de terminar a leitura de RÉQUIEM EM SOL DA TARDE, leitura demorada não apenas porque atualmente, devido à minha curta visão, leio com dificuldade, penosamente, mas também porque seu livro exige leitura atenta, pois não se trata de um livro qualquer, reunindo uns não sei quantos poemas de mais um dos poetas brasileiros.  Em verdade são vários livros reunidos num alentado volume e o poeta não é um poeta qualquer: exige atenção e seriedade.

Não sou crítico literário, para tanto faltam-me vocação e erudição.  Menos ainda, crítico de poesia - sobre ficção talvez possa dizer alguma coisa, pois sendo romancista, entendo um pouco do assunto.  Poesia apenas leio, gosto ou não gosto, é tudo. 

Sou mais exigente do que se refere à poesia do que à ficção; para que prossiga na leitura de um livro de poemas faz-se necessário que os poemas me prendam, me envolvam, de certa maneira me dominem. Assim aconteceu com seu livro (seus vários livros).

Creio que Gerardo Mello Mourão definiu sua poesia com exatidão quando diz que você  "canta a saga de nossas paróquias, de nossos vizinhos, de nossa aventura humana na pequena e brava gleba de nossa herança ontológica e existencial".  Não seria possível dizer nada mais claro e verdadeiro sobre sua poesia.  Devo acrescentar que, igual a Mário Pontes, eu também gosto dos poetas "largados" - é o seu caso.

Li o livro todo:  os poemas — não posso esconder uma certa preferência por COMPADRE-PRIMO — pelas notas, as legendas de retratos, envelopes, etc. e tal: seu livro é como uma dessas arcas de antigamente, onde eram recolhidas diversas coisas, cada uma delas com sua importância e significação.

Li também as opiniões, tantas, e todas unânimes, a constatar a importância de sua poesia.  Poesia "estranha" diz Millôr, dizendo ele também uma verdade.  Muitos outros adjetivos poderiam ser acrescentados na busca de uma definição do que é difícil de se definir. Creio que se trata de poesia, poesia de alta qualidade.

Receba um abraço cordial do seu leitor

Jorge Amado

 

Clique para o original, com brasão e assinatura

 

 

 

 







Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

 

 

 

 

 

Roberto Pompeu de Toledo


 

Prezado Soares Feitosa

Tudo é surpresa de sua parte. Tudo é uma caixa de surpresas. Ou melhor: várias caixas de surpresa, uma dentro da outra, como nos jogos infantis de Roberto Pompeu de Toledo cubos. Surpresa número 1: o livro como objeto. Que livro! Que objeto! É o encontro do artesanal com a alta tecnologia. Do que há de primitivo, que é fazer as coisas com as mãos, e por si só, com paciência e esmero, com o que há de avançado, que é dominar os recursos do computador e usá-los com destreza. Desse encontro nasceu uma nova mídia.

Surpresa número 2: A variedade do que tem dentro do livro — fotos, cartas, currículo, notícia de jornal, críticas, envelope com cheiro.

Surpresa número 3: Sua história pessoal, de alguém que só começou a escrever aos 50 anos.

Surpresa número 4: Que depois disso tudo, dessa mistura de simplicidade de colecionador de recordações com criatividade de cientista maluco, de artesão com piloto emérito de computador, e de muitas outras coisas, ainda apareça, lá no fundo, desvendada junto com o último cubo, uma literatura de qualidade. Ainda não li tudo. A leitura da poesia me exige um ritmo e um clima que não me está disponível todo dia. Vou lendo seu livro aos poucos. Mas do que li gostei — o Penúltimo Canto, a Dúvida, principalmente.

 

 

 

 

 







Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

A menina afegã, de Steve McCurry

 

 

Maurício Matos


 

A menina afegã

 


Caro Soares Feitosa,

Pôr em palavras os olhos e, através deles, o brilho do olhar destaMauricio Matos afegã, o canto  desenhado de sua boca, como o de quem está para, através dos lábios, dar ao mundo o canto de seu olhar, é coisa para Soares Feitosa. 

Para além disso, o que o tempo haveria de querer? Parece-me que é a vida o que está nestes cantos... escrita.

Obrigado,

Mauricio Matos.

 

 

 

 

 







Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

 

 

 

 

 

Luís Antonio Cajazeira Ramos


 

O Evangelho segundo Soares  Feitosa
 

1. Uma passada d'olhos no pretérito passado, veremos que os gregos acreditavam na divindade dos Deuses, na semidivindade do Semideuses, no heroísmo dos Heróis — personagens de suas epopéias. Se hoje essas obras são poesia no sentido secular, para os gregos não o eram, mas poesia sacra, a saga de seu povo — íntimo dos Deuses —, seu Livro. 

2. Uma passada d'olhos no pretérito presente, veremos que se tem acreditado na cristandade do Cristo, na santidade dos Santos, no profetismo dos Profetas — personagens bíblicos. Talvez o século XXI (não antes de Soares Feitosa) venha a descobrir a boa-nova: o Livro dos Livros é poesia, da mais alta qualidade — para o poeta, a melhor ad sæculum sæculorum. 

3. Uma passada d'olhos no pretérito futuro, veremos à nossa volta uma confusão de crenças e credos, do risível ao incrível, do honorífico ao horrorífico, e a boa-nova corolária: oLuís Antonio Cajazeira Ramos povo não sabe mas lê (e gosta de) poesia. 

4. Que nos resta? dessacralizar os Sacros (ou sacralizar a Poesia?)? Antes que blasfememos, leiamos Psi, a penúltima, caldeirão febril sobre uma trempe cultural — grecirromana, judicristã e mundinordestina —, de onde sai cozida a palavra justa, e mais: o abismo.

 

 

 

 

 



Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Diná Gasparini


 

Salvador, 00:45 de 11 de dezembro de 1993

  

Caro Feitosa, 

 

Apesar da insistência, não vou lhe telefonar.  
        Certas coisas não se dizem: se escrevem. Você bem sabe. Teve que escrever! Estou tomada pela emoção ao ler os seus poemas. Não me surpreendem a facilidade da comunicação e o brilho da inteligência, pois essas características sempre estiveram com você. Mas eram insuspeitos a cultura e o humanismo, esses você escondeu bem (de você mesmo também ?). 

O Ceará fez o canal e Fortaleza teve água! 

Você mesmo diz: se desmanchar se faz de novo. Mais coragem, mais garra, mais fé. 

Sua alma extravasou e o fez poeta. Se a água secar, há que buscá-la de novo, custe o que custar! 

Não só de água física vive o homem: nem aquele que escreve, nem aquele que lê. 

Eu não teria coragem de citar Exupéry se você mesmo não o tivesse feito (fica parecendo que a mulher só lê o Pequeno Príncipe - vide toda miss em concurso de beleza!).  Mas, aquela frase... 

“Tu te tornas eternamente responsável por aquele que cativas” dita até pela Comadre, sinto ter que dizê-la a você. 

Não lhe será mais permitido ser o velho Feitosa. 

Todos os “cativos” lhe cobrarão. Inclusive eu. 

Aquele abraço!

Diná

 

 

 

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