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Soares  Feitosa

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Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

Fortuna Crítica

 
 

Soares Feitosa, dez anos

 

Ane

Aleilton Fonseca

Artur Eduardo Benevides

 

 

 

Gerardo Melo Mourão

Fco. Austregésilo M. Filho

Joel Marques de Souza

 

Soares Feitosa

 

 

 

 

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Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), Girl, detail

 

 

 

 

 

Gerardo Mello Mourão


 

A APARIÇÃO DA POESIA

 

      Vale sempre lembrar o verso do famoso poeta romeno, quando somos surpreendidos pela aparição da poesia que nos chegaGerardo Mello Mourão inesperadamente. Chega, não de onde se podia esperar, mas de onde tinha que vir. Il nous vient perfois, d’un pays lointain..., diz o verso famoso de Ilarie Voronca, ao descobrir a mera voz de um poeta que chega como o sopro de um vento novo e antigo até então insuspeitado. 

Esta é a primeira impressão da poesia de Soares Feitosa, que entra pela sala e pela alma como um vento elementar. O poeta, de resto, vem de um país, as terras do Nordeste, do Siarah ou Ceará Grande, onde as pessoas convivem com os ventos e as pessoas afetuosamente lhes dão o nome próprio e os chamam por seus nomes. 

Os  poetas, os  mestres da poesia, sabem que  “cantar é  nomear”. É celebrar como sabia Rilke. E celebrar é dar o verdadeiro nome das coisas, dos lugares e das pessoas celebradas. 

Pois no Nordeste, como os gregos que sabiam os nomes de seus ventos, seus bóreas e seus zéfiros, também sabemos os nomes de nossos ventos: o terral, o aracati, o graviúna e assim por diante.  

O mundo está fundado sobre os nomes. Assim acontece na história de Adão e na mitologia de ouro da teogonia de Hesíodo, quando os primeiros de nós saíram dando nomes aos seres, às árvores, aos rios, na fundação imemorial de nossas terras e de nossos céus. 

Deus pode ter criado o mundo. Mas quem o arrancou do silêncio primitivo foi o primeiro homem, isto é, o primeiro poeta, ao pronunciar o nome de Eva ou de Deucalião, ao chamar por seus nomes as nuvens e as estrelas do firmamento e os riachos paradisíacos do primeiro dia. 

Cantar é ser — ensinava ainda o poeta nos Sonetos a Orfeu. Ser é saber a sua própria história. 

O poeta é o contador de sua própria história, da história de seu ser e de seu existir. E o ser e o existir são inseparáveis de tudo que nos cerca. 

É preciso ter cuidado com os sentimentos. Gide lembrava que assim como o assoalho do inferno está forrado de boas intenções, segundo a advertência de Santo Atanásio, também a má literatura está cheia de bons sentimentos. 

A coisa do poeta é o épos. Ao fazer a história, a celebração dos dias e das noites, o sentimento não é matéria-prima do canto. Mas não está ausente na tessitura das fibras da expressão. Há que cercá-las com o sopro prodigioso que parte de dentro da aventura perigosa e fascinante do ser e do existir. 

Pois aí está um poeta vero. O poeta Soares Feitosa, a quem conheço pelo nome — e basta o nome — e pelos espantosos poemas que me está enviando, compostos com recursos gráficos das prestidigitações eletrônicas, nos causa, de repente, aquele frisson noveaux que sempre traz a poesia verdadeira. 

O poeta conta. Conta e canta. E canta e funda epicamente a memória lírica de nossas terras ainda quentes da mão de Deus. 

Este país onde o sopro do espírito do Criador ainda está vivo no barro palpitante de nossa gente, país que se estende das solidões baianas do Raso da Catarina às Alagoas de Maceió, aos canaviais de Sergipe del Rey, às Borboremas azuis das Elbas Ramalho, aos Beberibes e Capiberibes dos fastos e das lendas de Pernambuco, aos vales potiguares, aos Cariris e às Ibiapabas, aos Piauís reúnos e cavalheirescos, até onde chegaram as bandeiras da Casa da Torre, e ao país dos maranhotos, onde troaram os canhões dos piratas e as apóstrofes do Padre Vieira, e onde troa, pelas ruas de São Luís, a voz do poeta Nauro Machado. 

É dessas fronteiras entre a eletrônica e a Grécia que nos chega a epopéia de Soares Feitosa, cearense do Recife; Recife, capital maior de nossas capitanias líricas, onde os Franciscos Brennand e os Gilbertos Freyre, como o poeta César Leal, testemunham, em prosa e verso e no barro amassado e temperado a fogo e tinta, a fundação da história de cada um de nós. 

História que também vem sendo contada e cantada — o que é a mesma coisa — ao sol de Fortaleza, por um príncipe de afinação de cordas das violas d’amore, o poeta Artur Eduardo Benevides, pela tuba poderosa do poeta Francisco Carvalho ou pelo violão de meu saudoso amigo Otacílio Colares. E outros e outros e outros — que afinal isto é apenas uma notícia sobre Soares Feitosa. 

Em seus poemas, o que está vivo é o Nordeste inteiro: o bode o cavalo o boi — o sentimento mortal — como no verso de outro poeta de nossa terra. 

O mundo de Soares Feitosa é o mundo inteiro, porque é o mundo das Ipueiras, das Novas-Russas, dos Inhamuns, o mundo dos vestidos de chita das comadres, da batina e dos escorregões e das virtudes e das bravatas do vigário da paróquia. O mundo do padre-mestre, a quem conheci e que era um santo homem, mas que um dia resolveu casar, com medo da solidão da velhice.  Engano do padre santo. Ele nunca estaria só. Todas as vozes dos nossos aboios épicos e líricos estariam com ele. 

Não estou aqui para fazer uma crítica nem um prefácio da poesia cosmogênica de Soares Feitosa. Eu não sei falar sobre poesia. Lembro-me sempre daquela história de Federico Garcia Lorca. Convidado para falar sobre poesia — contou-me um dia Gerardo Diego, seu crítico e seu amigo —, o poeta limitou-se a estender as duas mãos abertas e dizer: 

Yo no puedo, yo no sé hablar sobre poesia.    
      Yo la tengo aqui en mis manos, sé que está    
      quemando mi piel, pero no lo sé o que és.                                      

Assim é a poesia universal deste poeta nordestino. E digo universal, porque no Nordeste, mais do que nessas ricas metrópoles do Sul, somos seres universais. Sustentamos a identidade provincial de nossa raça, de nosso sangue e de nosso espírito inumerável. Somos os homens da provincialidade. E, por isso mesmo, não somos provincianos. 

Provincianos são os outros, os que limitam o mundo à caverna platônica de suas fronteiras e ignoram os ventos que sopram pelos vales e pelas serras de outras sesmarias. 

O poeta Soares Feitosa talvez até sem saber, como Lorca que não sabia o que era poesia, é um poeta de dimensão universal. 

Canta a saga de nossas paróquias, de nossos vizinhos, de nossa aventura humana na pequena e brava gleba de nossa herança ontológica e existencial.   

Mas o poeta se engana quando pensa que com seu canto nos deu o  circo e ficou com o pão. O que ele nos está dando nestes poemas é verdadeiramente o pão, o pão nosso de cada dia. O nutrimento maior, o nutrimento da poesia, mais forte do que a medula dos leões, de que se alimentavam os heróis de Homero. 

De sua poesia, somos todos protagonistas e heróis e vítimas e testemunhas para sempre. 
 

Rio de Janeiro, carnaval de 1994

 

notas:
¹ - Padre Ignácio Américo Bezerra, poema Format Cê Dois Pontos
² - Padre Leitão, poema Padre-Mestre.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

 

 

 

 

 

Aleilton Fonseca


Poeta Soares Feitosa! 

Os seus bem-feitos!! Eu lhe digo: Antífona é o grande "Poema Limpo" da poesia contemporânea. Sua dicção épico-lírica percorre as páginas como um enxurrada que acorda os rios para matar a fome dos Açudes.

E a poesia tem sede de olhos, ela é a água milenar em seus   ciclos eternos. Os poetas brotam da terra, do barro amassado com suor e lágrima.

Eis que já vem Salomão. Chega à frente, homem, conta aí uma presepada! Toma assento, é noite, vamos poesiar. Salomão é intenso até no nome, em seus dez(en)cantos da vida. Sua poesia-prosa-reportagem-ensaio vibra na voz do poeta, dita-nos o compasso da emoção que bate forte: Tãm!!

O Navio de Frederico aportou no morro, suas amarras descem pelas trilhas e escadas, seus porões transmutaram-se em Útero plural da mãe África: 'stamos em pleno morro!

A história somos nós, mas se a escrevemos como nossa, com suas grandezas e misérias. E Salomão é isto, canto da História, dos ontens, do hoje e dos amanhãs. Aquela foto não podia existir! Aquele clic foi a verdadeira bicada do abutre.

Salomão, Salomão!, ícone da sabedoria milenar que seAleilton Fonseca reprocessa no tempo, pelas mãos da arte. Um poema alegórico polifônico em que vozes contracenam na arena simbólica da existência para fundar a Biblioteca. 

Sim, tudo perece, só a Arte fica! Salomão é Hale-Bopp, o navio em pleno céu, viajando ao Século de Ésquilo.

Feitosa, seu sujeito! Que presepada é essa?!

Você é presepeiro da melhor raiz. E pra que poeta mais presepeiro do que o tal Antônio Nogueira, dito Pessoa? O sujeito inventou-se de outros, outros nomes, outras vozes, outras profissões, outras vidas, outras mortes, outros poemas... presepadas!

Com as minhas benquerenças,

Aleilton Fonseca

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), A Classical Beauty

 

 

 

 

 

Francisco Austregésilo de Mesquita Filho


 

Diocese de Afogados da Ingazeira, 12.10.1994

 

Meu Prezado Francisco José

Paz e Bem!

Acabo de saborear os seus poemas. Muito obrigado pela gentileza e mos ter enviado. Gostei muito.

Lamento que só agora a poesia haja explodido em você, com tanto ritmo e beleza, tanta simplicidade e erudição.

Porém mais vale tarde do que nunca.

E valeu e vale. 
        Sua poesia é bonita e original. Bela na forma e na idéia. Arrojada nas imagens e de alto sentido social. Em favor da vida para todos e contra a fome e a miséria. Regional, marcada pelo Nordeste, especialmente pelo nosso Ceará, e universal, com raízes na história e na literatura dos povos.

É poesia de criar escola.

Parabéns. Vá adiante. Não pare. Você é poeta.

Deus o ilumine e inspire sempre mais.

Atenciosamente,

Francisco Austregésilo de Mesquita Filho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Memories, detail

 

 

 

 

 

Artur Eduardo Benevides


 

Um rapsodo das montanhas

e dos ventos da Grécia

 

Tenho a impressão, ou a quase certeza, de que Soares Feitosa renasceu de si mesmo, através da fonte lustral da Poesia, para desempenhar um munus igual ao dos grandes bardos que viveram entre os celtas e gálios, ou de um vate romano ou de um rapsodo das montanhas e dos ventos da Grécia, narrando, com ímpeto de fogo, sua visão onírica, talássica e telúrica, escondida em seus silêncios de homemArtur Eduardo Benevides durante cinqüenta anos. 

E traz, ao longo do Canto, aquele impulso épico, homérico ou rilkiano de celebrar o amor, os seres e os mitos, tendo como leitmotiv a memória ancestral do sertão, ou as dores gregárias do Nordeste, com seus sofridos personagens a caminhar, sob um sol wangoghiano, em procura do destino, deixando sobre a terra abrasada seu suor, seu sangue e suas lágrimas. 

O material de que se serve esse jogral ressurecto é tão moderno ou tão eterno quanto a face da própria beleza: é o epos, ou o poema epopéico, sob a fonte da inspiração de arquétipos junguianos e lembranças localistas e universais, sobretudo da infância, com a força do olhar subitamente estendido sobre as estilhas do tempo, para cantar, com a síntese do verso, o fulgor dos temas que não morrem. 

Sua chegada à poesia brasileira, saindo dos cafundós heróicos do Ceará, onde outrora soaram os bacamartes de guerra dos Feitosas, Montes e Mourões traz-nos a grande semente de que nasceram um dia a Odisséia e a Ilíada, ou a Eneida e os Lusíadas, como depois Dom Quixote ou as lendas belíssimas do Graal, e, já agora no Brasil o Canto de um Gerardo Mello Mourão, com seus Peãs, ou versos hínicos e flemejantes, de rara transcendência temática ou imagética.  
          A chegada de Soares Feitosa é um acontecimento de significação marcante.   
          E quem o ignorar não sabe o que é Poesia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona,detail

 

 

 

 

 

Ane


Mas, eis que surge a emoção de um POETA invadindo minha mente/coração. Confesso, não li inteiro, uma vez que havia "informação demais" para o meu cansaço de fim de dia. Mas tenha a certeza de haver tocado e ressoado cordas esquecidas há muito nesta sensibilidade amortecida por tanto poema ruim.

Agradeço, pela vastidão, pela densidade, pela consistência, pelas palavras escolhidas com cuidado de artífice, neste mundão hacaísta e sintético do poeta que nem escreve nem lê — e do leitor que prefere ver um poema do que ler uma poesia.

 

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

 

Joel Marques de Souza


Compadre-primo é a glória do artífice exibindo hoje seus  apetrechos, há tanto tempo, mais de quarenta, tão zelosamente  guardados? Ou, diriam os seguidores de Freud, é a criança  refletindo-se no adulto, à vida inteira? Ou, no dizer frio e  intelectualizado dos sociólogos, é o meio produzindo o homem? 

Até que poderia ser qualquer uma dessas hipóteses ou as três juntas. Entretanto, há em Compadre-Primo acenos a coisas muito mais valiosas, impossíveis de isolar em laboratório, em conceitos racionalistas. Ali sentem-se, ouvem-se e vêem-se imagens e sons universais: nas peripécias da infância — quem não as teve? — nos vôos dos beijas, do casaca-de-couro, do compadre sibite, no tropel das montarias em aventuras, no cio dos animais, tudo apresentado com um ritmo perfeito, um encanto, uma beleza e um vigor que se sente o cheiro da terra, respira-se poesia. Dá vontade de voltar! E quem disse que eu não voltei? Larguei, por uns dias, a cidade grande, e, em companhia de um primo, meu compadre, revisitamos a velha fazendola, nos sertões paraibanos, que fora de meus pais. A fazendola, vendida a estranhos, está em boas mãos de nossos parentes outra vez. Fomos recebidos com aquela hospitalidade tão característica de nós, as pessoas do campo. Revisitamos toda a casa-grande, quarto por quarto; abrimos as mesmas porteiras, vimos as mesmas cercas, os mesmos animais..., a mesma Seca, tão nossa conhecida... 

Compadre-primo, decididamente, é um monumento de amor, a única e possível máquina do tempo, by Soares Feitosa, globalizando aquelas sesmarias de nossa infância com acelerações de raríssima sensibilidade.

 

 

 

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