Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

Editora Bem-te-vi

 

angeladealmeida@verbovirtual.com.br

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um estojo

 

com cinco belos livros

 

de poesia

 

Poesia:

Dois anos depois de inaugurar, com o lançamento simultâneo de cinco volumes, a coleção Canto do Bem-Te-Vi, dedicada à produção inédita de poetas brasileiros vivos, a editora Bem-Te-Vi repete a ousadia e coloca no mercado a segunda série da coleção, envolvendo também cinco títulos. Marcada pela pluralidade de caminhos própria da poesia contemporânea, em lugar de jovens poetas estreantes, a coleção contempla desta vez autores de diversas gerações, com passagem mais ou menos intensa pelo mercado editorial: Astrid Cabral (1936) lança Ante-sala, seu décimo título de poesia; com três livros de poemas publicados, Elisabeth Veiga (1941) assina A estalagem do som; Paula Padilha (1961) e Solange Casotti (1965) fazem sua segunda incursão editorial pelo gênero com tempo inteiro e Tectônicas, respectivamente; enquanto André Luiz Pinto (1975) apresenta Ao léu, sua quinta obra poética. Como na série de 2005, nesta nova fornada da coleção Canto do Bem-Te-Vi, a escolha dos autores e do material a ser editado foi feita pela comissão de poesia do conselho consultivo da editora, formada pelo poeta Armando Freitas Filho, o escritor e crítico literário Silviano Santiago, o jornalista Luís Paulo Horta, a editora responsável da Bem-Te-Vi, Lucia Almeida Braga e a poeta e editora executiva Lélia Coelho Frota. Com uma tiragem de mil exemplares cada, os cinco novos títulos da coleção estarão disponíveis para o público a partir de maio nos pontos de venda divulgados no site da editora: www.editorabemtevi.com.br.

 


Sim, os livros, já recebidos (grato, gratíssimo!) são belos, de muita poesia, e, sobretudo o registro da grande poeta e minha amiga, Astrid Cabral:

Soares Feitosa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

 

Mary Wollstonecraft, by John Opie, 1797

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

André Luiz Pinto

aflordelotus@ig.com.br


 

 

i


A cidade comove, risível quanto
o mar qual o sentido da
palavra risível onde as casas
se amotinam sob a grossa poeira?

Onde minha mãe nascera
minha avó morrera
o subúrbio não se cansa de dizer
mais esquecido que o nordeste.

Escrever é proibido, artistas vivem
de pagode, bate aqui no peito
a ruína de quem cedo
aprendeu a ler e eu não devia.

Tudo isso contado junto
enquanto os vagões
desandam por entre os bairros
poderia ser Nova Iorque.

Madureira, matadouro de homens,
dos secos e molhados
nas praças e nos
congados, de nossas vítimas.




iii

Meu espelho-labirinto.
Cravo os olhos para vê-la
no mistério do quarto.
Nenhum rato, silêncio.
É no que se dobra em ruga
ao se olhar o infinito
que se dobra para eu vê-lo
pois meu olhar embora
selvagem, é ínfimo
no infinito das pétalas
que o contém, afinal,
no convés do navio
o que se olha é através
do mar, através das
borbulhas de sangue
com o que já perdeu:
metade de mim é
o acaso das palavras
que volta e meia
pingam da mão
analfabeta, de abusar
da fama e se impor
aos pais – Filho
que à terra desce.



iv

Foi do outro lado do Rio
que nasci, o semblante de minha mãe
rejuvenesceu com as lembranças.

Toda palavra é uma palavra magra
é o atroz desejo que outro te invada
sem rogo, a te roçar com a nuca.

Uma posta de carinho, pois
a jóia do corpo sempre arderá
às vezes me pego cantando.

Aceita teu pai, o destino da vida
cada um é que faz, o cantarolar
do matuto convence qualquer um.

Basta que a vida repouse nos braços
um gato te incendeie na cama
não sei o que vai dar, a vida que ganha.



viii

Ouvir as montanhas que, de tão negras
nada nos dizem. Senti-las de perto como se treina
com a concha o ouvido a repetir seu nome.
Andar pelo sopé do morro, pousar a mão
no dorso, veja: a montanha respira
ouça o silêncio de seu coração a roer
as vísceras. Pense, é preciso, nosso medo
é de não sobrar nada. Ouvir das
montanhas o que há para dizer
é nosso melhor incômodo.

 

Mais André Luiz Pinto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata, detail

 

 

 

 

 

Astrid Cabral

astridca@terra.com.br


 

Ante-sala


Este o mundo
de mistérios
refratários
a microscópios.

Este o mundo
de muralhas
inexpugnáveis
a máquinas.

Aqui a noite
opaca e parca
de estrelas.

Aqui os olhos
embrulhados
em dobras e sombras.

Esta a ante-sala:
áspera espera
de outra era.

 

 

 

Timbre ou arrimo?



Por mais claras
seguem escuras
as ante-salas.

O que reina
em chão clausura
não transpõe soleira.

Nem se revela
por nenhuma fresta
a mitigar cegueira.

Do coração
a ânsia de luz
timbre do além?

Ou mera ilusão
arrimo para a alma
do fim refém?

 

 

 

 

Grades


Assim, embalando a linda
ilusão da liberdade
foges, corres e te evades.
Rejeitas o chão dos montes
que te atrapalha a passagem.
Queres o longe horizonte
onde terra e céu se casem.
As asas do sonho aos ombros
vais de cidade em cidade
casa em casa,loja em loja.
Quebras ferrolhos e portas.
Rompes cadeados e chaves.
Inútil qualquer esforço.
Nunca te sentirás livre.
Vê: por toda parte há grades.
 

 

 

 

Passagem


Atravessar o mar
                  a vela, a nado.

Atravessar a terra
                  a pé, de carro.

Atravessar a cor
                  às cegas, em claro.

Atravessar a dor
                  a ópio, a espasmos.

Atravessar o entrave
                  a treva, a carne.

Atravessar o ser.
                  Dar na outra margem.

 

Astrid Cabral

Mais Astrid Cabral,

basta clicar na foto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

Marco Lucchesi

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Albertus Marques

 

 

 

 

Elizabeth Veiga

 


 

SONATA ACHINCALHADA

1  (coisas de superegos)

Canonizaram o esqueleto da burra.
Entronizaram-lhe os quartos traseiros
num andor.
Suas mandíbulas
atarracadas
silvam bênçãos.
Condenaram-na ao inferno.

2  (esquisitices de ego)

Na algibeira da muleta
carrego
a panela de pressão social
fervendo,
e uma xícara de chacota
sem açúcar.
E resfolego, mula,
sem pretender o Olimpo
das belas letras,
vou trôpega,
vou pelo avesso
empacada.
Quem quiser que funcione:
eu sou um parafuso a menos
da máquina do mundo.

 



CARTILHA DE MAR

O livro de marear
abre amarguras
singra madrugadas:
náufragos ressoam
e escuto as pisadas aspérrimas
do medo.
Vem do horizonte
e me carrega
um poema de caniços
troncho,
meio jangada,
meio meu jeito esquerdo
neste mundo tão destro.
E, em atonia retorcida,
retorno
ao que fui, aos tropeços
com os nervos do silêncio
arrepiando
o mar.
(O coração do mundo
apertado no peito)
O muito e o depois
soam
em brevidade última.


 


POEMA A CONTA-GOTAS
                 
1.
No meu apartamento
a solidão é tanta
que se ouve
o conta-gotas
do tempo.

2.
Sou uma minúcia do passado,
a música minúscula
da dor
desengavetada.

3.
A clarabóia da solidão
lusca-fusca alta:
a minha luminária
é a alma da lua
porque já sou toda
imaginária.
Minutos voejando
em torno da lâmpada
são meus cacoetes
de viagem:
ver
seja lá o que for
esse vou não vou
viver.
 



 


O BALDE

Recolhi num balde
um pouco de esperança:
era o menor oceano do mundo.


Vi as plantas raquitizando,
o chão queimava,
então brotaram meus soluços
sem sossego,
debulhando um canto.

Tanta secura a desfiar acrílica
estrídula,
me boiava uma lagoa no olhar
tudo era tanto, que sem saber onde,
nem poder guardar,
fiz de conta
que havia um verde longe,
um dedal de esperança
e não debalde.
Então me derramei
de amar.


Lelia Coelho Frota comenta

Mais Elizabeth Veiga

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Lélia Coelho Frota

comenta a poesia

de Elizabeth Veiga


 

Elisabeth Veiga nasceu no Rio de Janeiro, e publicou em 1972 o seu primeiro livro de poemas: Gosto de Fábula.  Desde este livro de estréia, em que o burlesco é solene e seu fabulário pessoal se vê muitas vezes atravessado por um profundo veio filosófico, Elisabeth domina o barroquismo do seu imaginário com um fazer preciso do verso e se mostra severa senhora da linguagem que inventa.

Heloisa Buarque de Hollanda considera que o seu segundo livro – A Paixão em Claro –, de 1992, “consolida o seu lugar na primeira linha da poesia brasileira contemporânea”.  Seguiu-se a este Sonata para pandemônio (2002) em que a poeta apura ainda mais as qualidades apontadas nos seus trabalhos anteriores: “Por isso / minha linguagem / arrevesada é sem números / exatos. Descalculo / muros de abstração / Sei iscar / com antena de fantasma / uma idéia num ovo, / como quem pinça / um relâmpago.”

Em A Estalagem do Som, que reúne poemas de 2004 a 2006, Elisabeth acrescenta às suas dicções anteriores uma maior preocupação metafísica, às vezes quase profética, na qual se renova a sua arte poética, pacientemente construída através dos relâmpagos do som. Como em Ave: “O estampido estala. / O som no céu / é uma estrela: árvore da vida / desabrochando a grande copa.”

Mais Lélia Coelho Frota

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

The Gates of Dawn, Herbert Draper, UK, 1863-1920

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Memories, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

José Alcides Pinto

Paula Padilha

ppgpadilha@terra.com.br

 

o discurso e as mãos

o discurso não continha verdade
ensaio em diminuto pensamento
e o instante só revelou a sua face
quando as mãos tocaram o desconcerto

pelos dedos o nó da eternidade
refez-se quando a fala era mais grave
e a memória trazida pelo tato
instaurou dois sorrisos frente a frente
 




efêmero

começo a entender a pressa
que insiste em me levar
para onde já estou
importa o movimento
como símbolo de estética
piruetas e arabescos
a fingirem convergência

assim seguimos juntos
o grande balé da dúvida
vivemos mais tempo
morremos mais vezes
livres de um só juízo
ao final
 




sempre amigos

se esse amor de raiz brotasse
flor no cascalho de idéias
e lastros poderíamos
esbarrar no susto
no embaraço

se soubéssemos celebrar
o improvável passo
atravessar a agulha
pelo buraco
traríamos alianças
ao invés dessas luvas

(tão bem polidas)

que não tocam a foz
dos nossos desejos

 


lapso

na pegada desse momento
brota um lastro
virado pro futuro

talvez antena simplesmente
melhor fossem velas
sobre mar profundo




cinema?

quando essa luz baixar
antes de olhos se fixarem
na imensa tela onde a imagem
nos desenrola para dentro
onde nada havíamos tramado

se nos deparássemos ali
sem roteiro ou argumento
a viver na carne o arrepio
da inesperada cena?

 



 

eclipse

ainda no osso a manhã
ampara um resto de insônia
expõe a textura dos olhos
por onde o espírito dissonante
não compreende
a origem da inesperada luz

uma vez na carne a manhã
conspira a favor do gesto
distende o que o breu adensou
segredo deserto pergunta
a ferida
escondida na noite aberta

 


* * *


vidro
ou
espelho
o que vejo
através
é
apenas o meio
ou
outro rosto
se mostra
na suspensão
da pergunta
acesa
sob a lâmina
dos olhos?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ligia Dabul

comenta a poética de

Paula Padilha


tempo inteiro é mais que a reunião de trinta belos poemas da poeta carioca Paula Padilha. É bem mais também que o desenvolvimento do tema que o título anuncia e é explicitado e sugerido ao longo do livro todo. tempo inteiro é na verdade tom, tensão discreta e por isso eloqüente, que acompanha a leitura de cada poema e além: no desejo da volta ao texto, no reconhecimento do vestígio que fica dos seus versos. A poeta parece indicar essa permanência: “uma harmonia paralela / organiza o ritmo do passo / em busca do atalho fresco // primeira vibração / entre murmúrio e desejo”.

Paula Padilha não cede nunca aos feitos fáceis das palavras. Sua poesia conduz fluxos intensos de idéias, impressões, experiências, mas chega a resultados supostamente simples. O prazer do contato com seus poemas deve-se muito a essa aparência de transparência, à força sustentada por enorme leveza, produto do trabalho da poeta que tem tanto a dizer: “entre a primeira palavra / e a insubstituível / uma avenida intermediária / rascunho impermanente / por onde escolho enveredar / meu desalinho”.

olhar descalço (2001, editora da Palavra), seu primeiro livro, já oferecia leitura prazerosa de poemas sucintos, exatos, e feitos com especial delicadeza. O leitor agora, em “fio”, “dentro” e “vidro”, as partes de tempo inteiro, vai reencontrar essa contundência escrita com a ponta mais que fina: “jamais pisei tão firme no exíguo / fio de prata estendido / sobre a natureza”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

The Gates of Dawn, Herbert Draper, UK, 1863-1920

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Solange Casotti

solcasotti@gsecchin.com

 


 

A NAVE MÃE




Bem vindos a bordo,
esta espaçonave encontra-se preparada
para exorcizar possíveis mesquinharias.
No entanto, não está equipada
contra dor.
Ela é uma nave mãe,
ao separar-se de seu ninho
ou de los niños,
doem-lhem as vísceras.

Mas ela é capaz de,
sentindo todas as dores do mundo,
emergir do fundo do poço
dos absurdos da vida.
 




EXAGERO



Nos trópicos cansada,
calor atropela,
o tempo pára e sofre.
O a mais transcorre
e não soma.

O olhar não tem perdão,
não houve erro.
O exagero não é para um,
é prazeroso.

O outro não sou eu,
mas sim
o prazeroso exagero
que me rouba a pele.






DANÇANDO NO ESCURO




Para dizer de amores
que chegam devagarzinho
apreciam, adquirem substância,
consomem aparências.
Que dizer de amores assim, puros?

Soletrar caminhos,
fugir do óbvio?
Descobrir cada postura confortável.
- Aceitar o óbvio.

Que dizer de não estragar prazeres?
Prazeres e culpas, dores?
Soletrar o medo
e cansar.
Apanhar de surpresa algum espírito,
soletrar a vida
e existir.

De olhos abertos
simplificando o passo,
relaxando no caminho suntuoso.

De olhos fechados,
passando a limpo sutilezas,
o essencial destaca.
Let’s dream!


 




MERGULHO



Colorido forte
cura  aspereza da falta,
abstinência.

Mergulho
colore  praias,
faz-se repentino
eco
de abraços,
pontua  
recomeço,
cancela
minha dor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1.6.2007