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Daniel Faria


 


Infância


e jogava o pião com Deus
enquanto minha mãe estendia roupa
e o meu pai mendigava o pão

e minha alegria nesse tempo
era muito próxima da dos meninos
e de Deus que ganhava sempre

e não sei quem perdi primeiro:
o pião ou Deus
apenas sei que Deus continua
a jogar com outros meninos

e que no Outono quando saio à praça
nos sentamos e falamos muito
do suave rodopiar das folhas



Daniel Faria
In “Oxalida”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Nurture of Bacchus

 

 

 

 

 

Daniel Faria


 

Histórias do país de Helena



Havia marinheiros no
No país de Helena
Que morriam ao pôr-do-sol

E havia Helena que sonhava
Fazer um dia tranças às ondas
E um berço muito grande para o mar


Daniel Faria
In “Oxálida”

 

 

 

Henry J. Hudson, Neaera Reading a Letter From Catallus

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Maria Maia

 

 

 

 

 

 

 

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

 

 

 

 

 

Daniel Faria


 

Pórtico



Com os meus amigos aprendi que o que dói às aves
Não é o serem atingidas, mas que,
Uma vez atingidas,
O caçador não repare na sua queda



Daniel Faria
In “A casa dos Ceifeiros”

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Mignon Pensive

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Elaine Pauvolid

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Triumph of Neptune

 

 

 

 

 

Daniel Faria


 

Foram pétalas


Foram pétalas
Ou olhos de deusas
Que calquei?

Não,
Não me digam

Eu sei
Que foram Sonhos



Daniel Faria
In “Poesia”


 

 

 

Titian, Noli me tangere

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Lilian Mail

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Daniel Faria


 

As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões



As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões
E muitas transformam-se em árvores cheias de ninhos - digo,
As mulheres - ainda que as casas apresentem os telhados inclinados
Ao peso dos pássaros que se abrigam.

É à janela dos filhos que as mulheres respiram
Sentadas nos degraus olhando para eles e muitas
Transformam-se em escadas

Muitas mulheres transformam-se em paisagens
Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram
Nos ramos - no pescoço das mães - ainda que as árvores irradiem
Cheias de rebentos

As mulheres aspiram para dentro
E geram continuamente. Transformam-se em pomares.
Elas arrumam a casa
Elas põem a mesa
Ao redor do coração.



Daniel Faria
de Homens Que São Como Lugares Mal Situados (1998)


 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Pipelighter

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Maria Azenha

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba

 

 

 

 

 

Daniel Faria



Quem chegar primeiro

 

1
Quem chegar primeiro
Sobe as persianas. Rega as plantas. Abre
De para em par as janelas.
Eu sou a que vai chegar acartando
Os feixes de lenha na cabeça.

2
Deixei ficar comida para aqueceres
Com a boca, com a fome.
Pede licença para saíres da mesa. Já te ensinei
Que múltiplos são os anjos que nos guardam –
Deves partilhar o teu pão.

3
Se vier a peixeira comprai verdinhos
Comprai-lhe a verdura dos anos
O modo como equilibra a canastra
E a contínua rebentação
Ajeitai-lhe a rodilha
Observai pelas guelras se são frescos os pregões
Não percais o troco como os ecos da distância

4
Chama os teus irmãos para a missa
Das onze. Este domingo são eles a tocar.
Chama-os com as trombetas do Juízo
Com as palmas com que enxoto as galinhas
Com a voz do que clama no deserto:
(Prepara-lhes o leite)
- Preparai os caminhos do Senhor

5
Lembra à tua irmã que os medicamentos do pai
Estão na gaveta do meio
Ele está todo o dia no meu pensamento
É aí que vireis ao meio-dia chamá-lo
Para comer

6
Quando vier a vossa avó buscar o crivo
Não deixeis que o seu puxo se desfaça
Com os ventos


 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona

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Adriano Espinola

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

 

Daniel Faria


 

Explicação da Luz


O azulejo lava a suas luz

Tem o brilho
Do movimento exacto
Dos seus vestidos

E o seu rosto é limpo.
Com as suas próprias mãos
Sem acabar se acaricia

A luz lava o brilho
Do azulejo. A luz o lava
No seu vestido

E o seu rosto é um.
Com as próprias mãos
O quebra e inicia


 

 

 

William Blake, Death on a Pale Horse

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Maria Helena Nery Garcez

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Daniel Faria


 

Um coração de sangue



Um coração de sangue
Um coração de xisto e aço
Um coração angular e redondo
Como a pedra que te abre
Do interior do chão

Um coração solar
De granito
De carne
Curado da noite de nascença

Um coração de homem
Um coração de homem vivo
Um coração de criança ao colo
Interior
– Mais interior do que o sangue no coração que me darás -

Peço um coração
Nuclear


 

 

 

Albrecht Dürer, Head of an apostle looking upward

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Andréa Santos

 

 

 

05/07/2006