Uma pequena lição de cavalaria

Fragmento de um questionário: Francisco, personagem de um poema longo, “Psi, a Penúltima Letra”, sai de dentro do poema e vem conversar com o autor, um certo SF, que também é Francisco.

99. Francisco: Domar cavalos, o senhor tem certeza, é assim mesmo, tão importante? Há uma impropriedade nesta resposta de há pouco, veja Pergunta nº 89, do Relato de uma peregrinação Adolescente, item 14 deste livro. Aqui está: “Só os equinos correm assim, quando soltos”. Ora, se o cavalo estiver preso, como poderá correr? Logo, a expressão “quando soltos” é descuidada.

SF: Veja: O bicho correndo de lado, olhando para trás, ora de um lado, ora do outro. É bonito. Era de lua, no descampado, cheia. No trote ligeiro, a cara de banda, rasgando o vento, o jegue garanhão. Só os equinos correm assim, quando soltos. A expressão “quando soltos”, em se tratando dos equinos, há de ser entendida como em estado de Natureza, porque há duas modalidades em que não estão soltos mas continuarão correndo do mesmo jeito, ou até mais. Sem balançar a cabeça para os lados, nem retesar nas curvas. Na primeira, o cavalo está preso ao rodete, que é aquele moirão central, com uma corda de bom tamanho, o domador ali, controlando, incentivando, freando, aprumando. O cavalo correndo, trotando, chouteando os 360 graus do transferidor inteiro, sem parar. Evidente que ele não está solto porque preso a um cabresto de cabo longo.

100. Francisco: Cabresto de cabo longo?

SF: Isto mesmo. Preso. Uma operação de rara sensibilidade! O cabresto está amarrado, é certo, uma volta livre em torno do moirão. Mas, entre o torno-moirão e a cara do cavalo há um pulso-mão. Aliás, uma mão de pulso, que é de leve, extremamente leve, mas, ao mesmo tempo, excessivamente forte. Forte e gentil, anote aí, por favor. Gentil e forte! Entenda, se for possível, uma coisa quente e fria, no mesmo tacho, ao mesmo lance. A mão do domador. Leve, levíssima sobre o relho, um relho que pode bater mas não bate; um cabresto apenas.

101. Francisco: O senhor exagera! De onde essa mística? Não seria um cabresto comum?

SF: Apenas um cabresto comum, é certo. Melhor que seja uma corda de cabelos, artesanal; o domador, ele mesmo fazendo-a. Enquanto colhe e recolhe pelos, crinas, rabos e cabelos mil, ele, secreto, já amansa, em mão e gesto, todos os potros do mundo. Pastam inteiros os cavalos selvagens naquele pelo-couro, que não é couro, nem é pelo; é coro, é canto, um cantochão; afago, voz e maciez. O cavalo correrá, e muito, mas não olhará para trás nem murchará as orelhas... Desde que... a pedra, o sal, a estátua.

102. Francisco: Desde que o quê? Olhar para trás? Orelhas? Haveria uma outra hipótese em que o cavalo estaria a correr, porém preso?

SF: Muito simples! É quando ele, exemplo único em toda Natureza, se funde com o Homem num único animal. Claro que ele não está solto, posto que sobre si há um outro bicho, o Homem... mas os dois são um só, o centauro!

103. Francisco: Isto é apenas uma velha lenda indígena, os povos do México, que não conheciam o cavalo e, quando pela primeira vez o viram, imaginaram seria um só animal. Assombraram-se e perderam a guerra para os espanhóis.

SF: É um mito antigo, muito real porém. E, por isto mesmo, válido. O mito do centauro, quem o entendeu inteiro foi o poeta Franz Kafka. Já o filósofo Thomas Hobbes perdeu uma bela oportunidade de exemplificar o pacto social em cima do cavalo.

104. Francisco: Devagar, senhor! Não misture as coisas, por favor. Kafka, poeta?! Contista e romancista!? Paciência! Poeta, não! Nunca foi! Hobbes, a comandar uma cavalgada no pacto social?!

SF: Poeta, sim! Cuidemos de Kafka, em primeiro. Quando a poesia é verdadeira, poucos percebem-na. Tomemos este poema que ele apresenta como um conto, que também é conto, mas, e sobretudo, poesia. Alta Poesia:

O desejo de tornar-se um pele-vermelha

Se ao menos fôssemos um índio, ao mesmo tempo vigilante e montado a cavalo, inclinando-nos contra o vento, continuando palpitantes a agitar-nos sobre o solo trepidante até abandonarmos as esporas pois delas não precisávamos; largando as rédeas, porquanto não eram necessárias; e mal percebêssemos que a terra à frente já estava despojada de vegetação, o pescoço e a cabeça do cavalo já teriam desaparecido...

[Franz Kafka, A Colônia Penal, Nova Época Editora, tradução de Syomara Cajado]

105. Francisco: Algo a ver com centauros?!

SF: O senhor acha pouco?! Um índio, de ar-livre; o cavalo ali, pulsante. O índio em cima — montado e vigilante — que, de tão integral, melhor hifenizá-lo: montado-e-vigilante, índio. Fremem ambos, cavalo e índio. Chispam, inexplicáveis, contra o vento. Inclinam-se contra o horizonte. O chão estremece. Contudo, o chão está ali, bem quietinho. Quem, pois, estremece quando passa um índio trajado de cavalo? Quem estiver a vê-lo, é claro! O estremecimento é de quem olha. Nem precisa "ouvir" nada, que dá para sentir perfeitamente na caixa do peito. E, por favor, nunca permaneça próximo por demais de uma parelha de índio e cavalo, ambos em disparada! Ainda que numa distância segura das patas dos animais, que o de cima também se transforma em patas!

106. Francisco: O tremor?

SF: Isto mesmo! Há o tremor para quem está em cima, para quem está embaixo, cavalo e cavaleiro, agora em peça única. Ambos sabem que o planeta inteiro treme. Pulsam. Indague dos outros cavalos, que, ao frêmito da dupla, retesam as crinas. Indague das feras do dia. Atestarão que sim. Pois agora tudo tremido, cavalo e cavaleiro, tal como ar que também treme no pingo do meio dia neste calorão daqui, sertão do Ceará. Aqueles matinhos do chão vão-se sumindo à velocidade dos olhos de quem olha de cima, cavalo e cavaleiro, se é que olham, que a velocidade é tanta...! Nem dá tempo a nada! Riscos... só riscos, pedras, paus, matos, buracos, saliências, umbigos. A terra... Subsumem-se coisas dantes, ao veloz! Oblíquos. Rédeas? Quem falou em rédeas?! Esporas? Para quê?! E, num cresceeeendo... endo... moendo... endo...! Pronto. Sumiu.

107. Francisco: Um animal, uma coisa mágica?

SF: É mágico, sim! Havia, por debaixo do pele-vermelha, um animal inteiro, o antigo cavalo, agora um cavalo em «ex», algo retirado daquele cavalo primitivo que estava ali sob o índio, ambos até há pouco tão calmos. A cabeça e seu pescoço, do cavalo, súbito, são apenas cabeça e pescoço do pele-vermelha. Se esticar a têmpera para mais um pouco, daquela nova massa, cavalo e cavaleiro, só um clarão ao infinito, varando o vermelho da planície estonteada. Um frio na cara, as pernas tremendo... Se romperem vivos do outro lado. Ambos! O animal há de ser contido, senão o risco de morte. O cavaleiro. Também!

108. Francisco: Há ferramentas? Comandos?

SF: Comandos? Tudo no âmbito da pré-linguagem. Interjectivos. Palavras curtas, que nem palavras são, com a força porém de imprecação de longo alcance, às orelhas do animal, no ponto justo. Com os joelhos, aliás; com todo o corpo; aliás, com a vontade, só isto: vontade! Mas o cavalo também está danado para correr, louco por uma corrida! Estilhaçando os cascos. Um joystick, apenas uma manopla imaginária, tão-só de dentro, como quem joga no olhar. É coisa do conhecimento secreto. Ela jogava-me nos olhos. E meus olhos se consumiam ao seu olhar. Domava-os aos seus olhos.

109. Francisco: Orelhas? Conhecimento secreto? O senhor falou antes que os equinos correm de lado?

SF: Secreto, sim, mas não há segredo algum. Apenas o intuitivo. A educação é pela pedra, disse o poeta, mas é pelo cavalo, digo eu, que passa o domínio do humano. Há um intenso jogo de orelhas. Quando murchas, saia de perto, é coice, é salto, é estranheza. As orelhas estão direcionadas à frente e em pé, em dupla ou alternadas. O domador tem que jogar o som lá na frente, no momento em que as orelhas apontam para frente, de modo que o som não venha de trás, como se fosse a fera a perseguir o animal. Claro que isto o senhor não vai ler em nenhum manual, nem mesmo perguntando aos melhores cavaleiros. Por sobre os cavalos também: há um momento de falar, há um momento de silêncios. Ritmos. A mão. Você, em cima do cavalo, é quem dá-lhe as ordem, mas ordens hão de vir de frente, e não de trás. Como seria possível ordens pela frente, se você, no lombo do animal, está atrás dos ouvidos da montaria? Aí é que está o passe de mágica: as palavras são lançadas à frente num ângulo de grau exato, de modo que o cavalo, à medida que corre, vá colhendo-as... e... quanto mais corre, mais ligeiro você joga palavras novas mais adiante. Até tombarem exaustos. Senão mortos.

110. Francisco: E a corrida de lado, o que é?

SF: Veja, há um único bicho valente-total em toda a Natureza: o cavalo montado ou o homem a cavalo, tanto faz, que são apenas um bicho único. No estado selvagem, o cavalo é um bicho reconhecidamente medroso. O cavalo é animal de presa, de fuga, o oposto do predador, a onça, o tigre, o leão, a malta de lobos. Milhares de vezes por dia, o cavalo, quando pasteja na campina, levanta a cabeça a vigiar contra os predadores. Pronto para disparar. Na baia, não. Ele confia. Da mesma forma, ele corre quando solto de sua parelha, o Homem: a cabeça se alterna à esquerda e à direita, por baixo das pernas e por cima do lombo, a olhar de lado e para trás. Veja como correm:

Os poldros soltos – retesando as curvas, –
Ao galope agitando as longas crinas,
Rasgam alegres – relinchando aos ventos.
[Castro Alves, “O São Francisco” in
“A Cachoeira de Paulo Afonso”]

111. Francisco: A valentia do cavalo, fale sobre ela.

SF: Do cavalo, não! Nem do homem. Veja o Blake, este mágico monumental, William Blake (Death on a pale horse), o que tem ele a dizer sobre a coragem do cavalo-e-cavaleiro:

Blake

112. Francisco: Um quadro assombroso! Diga mais sobre a valentia do cavalo.

SF: Por favor, volto a repetir, do cavalo, não! Você já viu uma tourada a cavalo? Num certo texto, a justaposição da mão do artífice à pedra, que até parece estaria eu a falar de Michelangelo:

[...] trazia ele no gesto o gesto;
à eloquência de sua mão de pedra
a pedra se entregava.
[Soares Feitosa, “Os Cantares de Pulso”
in “Salomão”].

113. Francisco: —?

SF: Assim esta dupla: homem e cavalo; cavalo e homem. Ninguém pode dizer que o cavalo do quadro de Blake esteja com medo. Nem o cavaleiro! Ele está de braços abertos. Rédeas? Para que? Na tourada a cavalo, o cavalo enfrenta o touro no mais absoluto destemor. O cavalo, um bicho reconhecidamente medroso, mas, se de parelha com o Homem, transforma-se na "máquina". O Homem, tão miúdo, por sua vez, ganha um porte de monumento! Veja agora em Benjamin West. É certo: cavalo-e-cavaleiro não tem medo de nada. As feras selvagens fogem do fogo. O cão, dos estampidos; o homem, ele mesmo, tem medo de qualquer coisa, até de fantasmas, vide guardas do príncipe Hamlet. Nem se diga que cavalo e cavaleiro, de Blake e West, quadros do mesmo nome [Death on a pale horse], seriam do 4º Selo [apocalipse 6, 7-8]. Medo de que haveriam eles de ter?! Não! Medo nenhum, veja!

114. Francisco: Na modernidade, o que teria de proveito?

SF: É um jogo mortal. O cavalo pode matar. Coice, queda, brutalidades. Também pode morrer. Um campo de violência, mas, domador verdadeiro jamais espancará o animal. Há uma linguagem secreta. A viagem quase impossível, a aquisição de um domínio: Não espancarás! Moisés espancou.

115. Francisco: Moisés?

SF: Equitação, melhor que fosse curricular. A patente maior: domador de cavalos! Sim, Moisés! O forte é perceber que pode e deve matar, mas não mata; que sabe e pode torturar, mas não tortura; que o remédio mais rápido e eficiente é espancar, mas não espanca; Não espancarás! A pedra. O deserto. Água. Sede! A vara. Pafo-pafo! Moisés a espancar! Bastava o toque, a pedra ter-lhe-ia aplacado a sede do mesmo jeito. Veja, toda a pregação daquele filósofo de grandes bigodes, ainda que ele diga que não, leva ao espancamento. Quando o presenciou real e autoritário, agarrou-se com o cavalo. Aos gritos, aos berros, ao pranto. Imaginemo-lo em Auschwitz-Bikernau!? Louco! Estava louco. Irremediavelmente louco. O caminho possível é o da misericórdia. O Homem é infinitamente maior que o cavalo. O cavalo é infinitamente maior que o Homem. Ambos em misericórdia. Não espancarás. Precisamos dizer isto, como um segredo, aos jovens.

Benjamin West

116. Francisco: Não nos basta a lei?!

SF: Não! Não e não!

117. Francisco: Por quê, senhor?

SF: Este, outro segredo, ainda maior, por favor: O que nos faz humanos, a misericórdia.

118. Francisco: Aos jovens?

SF: Porque neles…, a esperança.

119. Francisco: Com reticências?!

SF: Não são reticências. Pausas porém, como se as selás de um psalmo..., uma dicção pausada — muito pausada —, desta “Uma pequena lição de cavalaria”. Assimilação.

 

 

Benjamin West
Victor Mikhailovich Vasnetsov, Rússia, 1848-1926, The Knight at the Crossroads

 

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Este, o 26º capítulo de Poética, um livro vivo, aberto, gratuito, participado e participativo, cheio de comentários que, a rigor — esta, a proposta —, os comentários, mais importantes que o texto comentado: abrir o debate, uma multivisão.

— Livro vivo, como assim?

— Porque em permanente movimento, espaço aberto a quem chegar, tão amplo como o espaço àqueles que aqui estão desde os séculos, todos em absoluta ordem alfabética. Seja bem-vindo!

POÉTICA: Capa, prefácio e índice poemas e poetas comentaristas

 

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Comentários:

ABÍLIO TERRA JR: Poeta Soares, você nos traz uma fantástica viagem pelos significados da cavalaria. Cavalaria, aqui entendida no seu sentido metafísico, de homem e cavalo como uma entidade única, que se torna um outro ser, capaz de bravuras e coragens de que, separados, seriam incapazes. O pele-vermelha/cavalo, então, é o símbolo maior desta entidade, pois que traz instinto, experiência e sabedoria em uma pureza absoluta, de que só mesmo os seres em contato íntimo e permanente com a natureza são capazes de exemplificar. E a força que salta do quadro de Blake: cavalo e cavaleiro se atiram em um impulso único para a batalha mortal, enquanto o anjo prepara a mortalha e um ser da natureza os ampara, como o instinto de sobrevivência e luta, a bravura, com seu cavalo negro que solta fogo pelas ventas. Já no quadro de West, os cavaleiros negros montados em seus cavalos ruços esmagam os mortais em uma dança empolgante, que envolve monstros, entes, humanos, em uma singular analogia com os nossos tempos. E tudo entrelaçado pela sua original e única prosa poética, que costura estes mitos, transes e significados como só você sabe fazer. Um grande abraço, Poeta! Abilio Terra Junior

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AFONSO LUIZ CORNETET: Sobre centauromaquia e outros bichos. Sabe, SF, às vezes fico aqui me perguntando como pode alguém ser tão criativo. Uma beleza este texto. Tive até a petulância de parar o meu trabalho e dedicar-me a esta saborosa e nutritiva leitura. Uma fonte de saber este texto, não tenha dúvida. Nele se aprende, cresce, evolui etc, etc, etc... pérolas de lição extraídas e assimiladas: “[...] há um único bicho valente total em toda a Natureza: o cavalo montado ou o homem a cavalo, tanto faz, que são apenas um bicho único. No estado selvagem, o cavalo é um bicho reconhecidamente medroso. [...] Mas, domador verdadeiro jamais espancará o animal. Há uma linguagem secreta.” “A educação é pela pedra”, disse o poeta, mas é pelo cavalo, digo eu, que passa o domínio do humano. Há um intenso jogo de orelhas. Quando murchas, saia de perto, é coice, é salto, é estranheza. As orelhas estão direcionadas à frente e em pé, em dupla ou alternadas. O domador tem que jogar o som lá na frente, no momento em que as orelhas apontam para frente, de modo que o som não venha de trás, como se fosse a fera a perseguir o animal. Claro que isto o senhor não vai ler em nenhum manual... Brilhante SF, um primor. Parabéns! Até mais, Afonso

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ALCINA MARIA AZEVEDO E SILVA: Centauromaquia. Querido Feitosa. Seus personagens e sua forma de dizer as coisas, são sempre cheias de símbolos. Uma arte difícil de escrever e um estilo diferente. Em uma pequena lição de centauromaquia, fiquei deslumbrada pelos lindos quadros, principalmente pelo quadro de Blake onde cavalo e cavaleiro sublinham a força e a coragem. Feitosa, em seu lindo texto, você coloca cavalo e cavaleiro como sendo uma única pessoa, e o tremor está tanto para um, como para outro. “O planeta inteiro treme”, você diz. Eu entendi, que cavaleiro e cavalo juntos são capazes de grandes bravuras, mas sozinhos nada conseguirão. E que nada adianta o cavaleiro dar chibatadas no cavalo, pois este não o obedecerá e mais irritado ficará. Assim também é o homem, ele só consegue progredir e ter sucesso, quando não é pisoteado. Não sei se entendi direito o que você quis dizer, pois como já disse, a sua forma de escrever é difícil e simbólica, dando a cada leitor uma interpretação diferente. Um abraço ao grande poeta e escritor Francisco Feitosa. Parabéns.

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ANDERSON BRAGA HORTA: Meu caro Soares Feitosa, você não é bom apenas de poesia, também sua prosa é ágil e forte. Obrigado pelas remessas de um e outro gênero, sem esquecer o extraordinário cavalo-e-cavaleiro de Blake. Para você também um grande abraço. Anderson

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ANTERO BARBOSA: Há o cavalo na terra, no campo de terra. Construído de músculo e carne e pelo e formas. Pastando a erva. Ou nos caminhos, ou na serra, galgando, vestido de apetrechos: o cabresto, a cela, a espora. Das lendas mitológicas, que engendraram Pégaso, cavalo com asas, filho de Poseidon e de Medusa, capturado por Belerofonte, já pouco resta: porque, quando o herói tentou montar o cavalo de novo, ele corcoveou, atirou Belerofonte longe e subiu para os céus. Portanto, de toda essa lendária teia tecida e desdobrada, hoje apenas podemos vislumbrar uma simples constelação. O cavalo no campo da terra e o cavalo no campo do céu. Mas há um outro, formidável, no campo literário. De facto, quando Ramos Rosa, no livro a que chama “Ciclo do Cavalo”, dedica todos os poemas do volume a este animal, não é ao animal, do campo ou do céu, que liminarmente se refere. É um outro cavalo, limado, interiorizado, possuído e trabalhado pelo senso do homem, é a sua sombra e o seu fluido que se destilam na página depois de filtrado pela mente no decorrer de muitos séculos. É também o que acontece em “Uma pequena lição de cavalaria”. Onde a palavra escrita se deixa cavalgar por essa imagem vital. Procurando mais que a desenvoltura a síntese. Do cavalo, de todos os cavalos, de suas exponenciais biografias. E o faz, designadamente, de três formas. Diluindo o cavalo no homem e vice-versa, aplaudindo a fórmula do centauro. Onde um ser de dois sublima a força da metamorfose. Porque nesse ser novo se conjugam duas forças, a animal e a humana, e se renegam os defeitos. O animal perde receios e o homem torna-se veloz. Apelando ao ponto intermédio da pintura. Com efeitos sobrenaturais. O cavalo, montado, assombra por mar e ares. Subsistindo em nosso olhar uma imagem de poder absoluto: ele é apenas a seda da pelagem, a audácia da fronte, o soerguer de patas e caudas, o domínio do tronco. Tudo o mais desaparece: não tem vísceras, nem órgãos, nem sangues ou suores, nem carece de comer mais forragem ou água beber. Mas é sobretudo na transmutação para a escrita que o portento se produz. Porque essa é a dificuldade aqui superada. Com letras e signos e fonemas, pôr o cavalo de pé na página, colocá-lo íntegro e inteiro, fazê-lo respirar e viver. E possibilitando a quem lê fazer coincidir o reflexo de seus cavalos com os cavalos do texto. Antero Barbosa

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ANTONIO PALMEIRA: A genialidade humana, domando as feras, consegue integrar a si, à sua figura, qualquer ser que estiver ao alcance. Assim é que o homem e sua montaria fundem-se no tal centauro; com um touro resulta o complexo minotauro (que o diga Borges), com um cão, conduzido na guia, numa figura de perfeita harmonia: caça, guarda ou mesmo só companhia... Tal fera pode até ser um objeto originalmente inanimado como a antiga pena de ganso, hoje substituída pelo teclado do micro, que atuando juntos produzem coisas magníficas como o seu texto. Soares, você sabe domar o bicho teclado...! Abraços, Palmeira

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BERNADETE LYRA: Caríssimo SF, estou aqui, aqui, na beira do mar capixaba, onde li a lição de cavalaria. Vim em busca de refresco, saindo do sufoco de cimento e metal de São Paulo. Olha, desde uma pequena frase de Vladimir Vladimirovich Nabokov sobre o senso dos cavalos, nada no assunto me tocou tanto. Aí incluída a ternura que sinto pelo Rocinante. Pensei: oh, céus!, quem é esse senhor Soares Feitosa escondido nos confins do mapa? Será que ele existe mesmo, em carne, unha e osso? Será uma miragem que o sol do Ceará faz nas areias movediças da net? Será um desses profetas metido em sua gruta, da qual sai de vez em quando para alumiar os viventes com a candeia da poesia? Confesso que penso em você como é uma daquelas criaturas que grava mensagens no ar e depois some pelo sertão, de que me falava minha vó paraibana. Obrigada, pela lindeza forte do texto e pelo prazer de renovar o contato. Afeto, Bernadette Lyra

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CARLOS FELIPE MOISÉS: O poeta quando solto. Meu caro Feitosa: Agora sim, agora fui no rumo certo da sua efusão equina, a desabalada carreira do poeta “quando solto” – uma beleza! Bem haja a fase plena e feliz em que você se encontra. Aguardo o novo livro, que já deve estar quase pronto. Grande abraço, Carlos

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CARLOS ROBERTO LACERDA: Estética. Caro Soares Feitosa, para uma definição poético-existencial-antropomórfica sobre o cavalo (cuja beleza plástica não perde nem para o tigre), ver “Uma pequena lição de cavalaria”, de Soares Feitosa. Com o poema é que se aprende mais sobre as artimanhas do sagrado e do demoníaco coexistentes no corcel. Só a poesia é capaz de eviscerar, digamos assim, o espírito da beleza. A isso é que dou o nome de Estética. Carlos Roberto Lacerda

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CESAR VALE: Caríssimo Poeta: Espantei-me com o seu conhecimento sobre cavalos. Cheguei a pensar que a sua antiga missão no Ministério da Fazenda (Fiscal do Consumo), hoje, Auditor, fosse a de fiscalizar, pelo Brasil inteiro, os haras e os hipódromos e, nesse encargo teria aprendido toda a Ciência dos Cavalos, ao ponto de não encontrar concorrência e ser único no assunto, tal foi o meu encanto sobre a belíssima obra literária que li e que deixou-me de boca aberta até hoje. Tive dificuldade na leitura no celular, pois o texto fugia-me dos olhos, fazendo-me retornar ao início e recomeçar a leitura. (Imprimi, lado a lado e mandei pelo correio. O poeta, de Crateús, CE, muito mais me merece)

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CIRCE VIDIGAL: Muito gostosa de se ler a sua peregrinação. Gosto muito de cavalos. Cavalos e cães, para mim, são os animais mais amigos e mais nobres. Não gosto de gato. Quando eu era menina e morava em Uruguaiana, Rio Grande do Sul – fronteira com Passo de Los Libres, Argentina – e meu pai era major do Exército, foi que aprendi a montar. Montaria de quartel deve ser diferente de montaria livre do sertão, não? O cavalo do quartel obedece a ordens verbais, manuais e dos pés. Alguém o educa para obedecer. Assim, aprendi a pegar nas rédeas direitinho – sem segurar no Santo Antônio – e a dar umas cutucadinhas para ele andar. Adorava andar a cavalo com meu pai e meus irmãos, nos fins de semana, passeando pelos campos que arrodeavam a cidade. Motivo de gozação para a família, até eu me casar, era contar o caso do cavalo que disparou comigo. Íamos passeando, os quatro – que o menorzinho ainda era bebê e o pai era meio maluco mas não tanto – o pai, eu e meus dois irmãos mais novos. Conversávamos sobre a escola, sobre as pessoas da cidade, coisas engraçadas mas sem importância. Não sei se fiz algum movimento impróprio – não lembro! Não sei se o cavalo se assustou com algo que viu, quem pode saber? A verdade é que, sem ter nem pra quê, o bicho saiu em disparada como se estivesse correndo um páreo no jóquei clube. Deixei todo mundo para trás e nem olhei. Agarrava-me firmemente àquelas rédeas e só pensava que não podia cair. Será que o cavalo iria se cansar? Meus irmãos, muito assustados, meu pai, calmo – assim me contaram depois – pois sabia o meu destino. Eu não ficaria perdida naqueles pampas mas iria estacionar nas baias do quartel. E foi lá que me acharam, entre orgulhosa e aliviada: não caíra da montaria e fora encontrada. Contam também que antes de eu desaparecer da vista deles, só viam as minhas trancinhas louras, pra cima, pra baixo, no ritmo dos cascos do cavalinho. Eu deveria ter uns seis anos de idade. Dá-me uma certa tristeza relembrar, agora na velhice, essa infância, esse pai tão amoroso, esses irmãos que se foram. Um, o mais amigo, foi-se de corpo e alma; os outros dois, apenas de alma: os corpos ainda estão por aqui, mas suas almas se desgrudaram da minha. E já estou chorando, Chiquim, vou parando por aqui. Mas me diga uma coisa. Verdade, verdadeira, você tem patente de domador? Assim como na novela eles domam aqueles bois se empinando, você domou cavalos? Me conte, Chiquim, deve ter sido o máximo.

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CISSA DE OLIVEIRA: Soares Feitosa, o teu texto, entrevista, discurso, enfim, essa desculpa que vais inventando para o crescimento do leitor, além de rico em informações (aprendi muito!) e significados, me surpreendeu especialmente pela sensibilidade. PSI, A PENÚLTIMA se transformou numa pedra que, exposta à luminosidade da tua imaginação se constitui num presente aos leitores. Estou certa de que o “Francisco” continuará a sair do poema através de ti enquanto quiseres e também aqui, dentro da gente. Beijinhos e parabéns! Cissa de Oliveira

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DIEGO DE CARVALHO: Belo texto. Interessante como conseguiste domar o excesso de símbolos. O texto está perfeitamente construído. Como diria um amigo: Tens a pena!

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EDNA MENEZES: Caro Feitosa, “Um cavalo é infinitamente maior que um homem”, apenas esse fragmento. O cavalo é maior, pois se livre, corre, “voa”, flecha viva rumo à liberdade; se preso, domado, cabresteado, apascenta-se, aceita, espera com moscas a rodear-lhe as crinas que um dia se agitaram ao vento. O homem... Ah! O homem; se livre não sabe correr nem voar, não sabe o que fazer com a “tal” liberdade; se preso inquieta-se, angustia-se e lacrimeja sangue pelo voo que jamais terá e assim, sente-se como o ser de Kafka: “Se ao menos fôssemos um índio, ao mesmo tempo vigilante e montado a cavalo, inclinando-nos contra o vento, continuando palpitantes a agitar-nos sobre o solo trepidante até abandonarmos as esporas pois delas não precisávamos; largando as rédeas, porquanto não eram necessárias; e mal percebêssemos que a terra à frente já estava despojada de vegetação, o pescoço e a cabeça do cavalo já teriam desaparecido...” [Franz Kafka, “A Colônia Penal”, Nova Época Editora, tradução de Syomara Cajado]. Que grande contradição!! Edna Menezes

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EDSON BUENO DE CAMARGO: Sobre cavalos e homens Caro Soares, os árabes do deserto costumam dizer que Alah, o Único, quis que os homens tivessem um vislumbre da sua perfeição e criou o cavalo. Olhe que não sou ginete coisa nenhuma, sou citadino até debaixo das chuvas torrenciais que caem em minha pequena cidade (parece que às vezes a chuva quer afogar a refinaria de petróleo, suas chaminés que cospem fogo e nuvens de fumaça preta). Mas o animal é espantoso pela sua capacidade de enganar o homem que continua a acreditar se o ser humano deste planeta. Tento imaginar o encanto de Kafka em sua Viena velha e bolorenta, a imaginar peles-vermelhas nas pradarias americanas.

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FATIMA IRENE PINTO: Olá, Amigo. Feliz de lê-lo novamente. Acho que já disse isto a você. Você tem um jeito único de poetar. Suas poesias não se parecem com as de ninguém, nem do passado, nem do presente. Adoro o seu poetar. Adoro mesmo! Bjs da Irene

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CARLOS GILDEMAR PONTES: Feitosa, poeta dos rebuliços e das gravuras assombrosas que saltam do nada, no meio da cara, refazendo no olho o olhar ingênuo. O Francisco é um rapaz bom, viajador, conhecedor de mato e de palavras, reconhece as estradas e a geografia maior, entende a memória e a história que ficou. Entrevistou o poeta e adivinhou o contador de histórias grandes, romanceiras, pra ouvir da tardinha à lua alta, vigiada pela coruja e pelos olhos dos meninos no mato, esperando o bicho que vem a galope. O poeta conhece dos cavalos e suas plumagens e impaciências. Vez por outra lembra meu avô, agarrado naquele roupão de cáqui, teimando o céu com os olhos azuis. A gente menino só fazia confirmar os bichos e criar outros mais medonhos que os dele, desenhados nas nuvens. Eu tinha medo de cavalo, o bicho era grande e difícil de subir. Já o jumento para nós era um tolo, acabrunhado, parado ali esperando uma cipoada pra girar o mundo. Nesse, eu “amuntava em riba” da cangalha que saia com o mucumbu doendo. Ia buscar água no olho perto do rio de pouca vista. A nossa diferença, Feitosa, é que tu nasceste perto do mato e sabe dos feitiços do mato; quanto a mim, nasci na beira do mar e ia pro mato, de vez em quando, visitar meu avô e suas histórias mateiras. Qualquer dia eu conto histórias de mar, que é bicho medonho, de engolir gente e falar pelo vento coisas bonitas e misteriosas. Abraço, macho véi! Gildemar Pontes

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GUSTAVO DOURADO: Sobre a cavalaria de Francisco: Cavalgam pelos pastos os cavalos de Francisco. Cavalhomens do infinito sertão de mil travessias. Tropeiam céleres os cavalos de Rosa na busca das éguas do Cariri... Jagunços... Cangaceiros e sereias no Raso da Catarina coriscam pelas pradarias de Jeremoabo: Saudades da Serra do Teixeira e dos tombadores da Chapada Diamantina até os desfiladeiros da Borborema... Francisco e seus cavalos pastoreiam ovelhas-palavras... Jumentos-pastores emulam-se nas cabeceiras do Rio São Francisco: Rosa e Francisco galopam, esquipam, perfilam-se viandantes no sertão das setestrelas. Gustavo Dourado

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IVO BARROSO: Caro Poeta, a centauromaquia, que me deixou engasgado com sua erudição a propósito de equinos e que tais! Lembrei-me do melhor Guimarães Rosa, quando ele descreve os tipos de chifres de bois (em Sagarana, se não me engano), mas sua sapiência vem de mais longe, sinto o sertão euclideano em sua prosa. Meus parabéns! Um grande abraço. Ivo Barroso

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JOÃO DOMÍNIO: Saudações, Soares recebí o “Estudos & Catálogos – Mãos”. Sendo suscinto considero o seu estilo ou linha de verve literária metalinguística, algo de muito interessante, especialmente tendo-se em vista que a literatura, atualmente, em grande proporção, decai no que se constitua como o mais “entendível” a curto prazo de cotejação linguística. Os grandes sábios das letras nos brindam com esses instigamentos e simplesmente agindo de forma não original, o que esses já mencionam. Em suma, vivemos momentos decadentes no uso da língua; mesmo assim, vale salientar que quando nos propomos a escrever, erros são tangidos até no que se proponha a construir com fidedigna e excelsa coerência; cometem-se equívocos na escrita e no cerne de sua exposição: as razões. Cai-se do mais surpreendente ao mais vil sem se notar, dar-se conta. O humano é uma criatura defeituosa e mesmo no que faz de belo, ocorrentemente confaz com o delito. Muitas vezes no delito comete atos sacrossantos. Em resumo, a análise urge em nós e as criações, que faz-se, o escritor é responsável pelo que realiza. Neste mundo, urge a coerência e a crítica e em um material de exposição literária, como o “Estudos & Catalogos”, é útil; criaturas expondo o que pensam, ato lídimo, é ótimo a ação entre vidas que se proponham sinceras, não devemos agir de forma puramente cordial sem esmiusação, os momentos são críticos e a ação deve ser coesa. Metalinguística. Fraterno Soares, despeço-me aqui de um poeta que dá atenção ao outro poeta. Abraços, João Domínio

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JOSÉ DO VALE PINHEIRO FEITOSA: SF: Da oferenda ao consumo um intervalo do tempo se foi, puxado como um balde de cacimbão, das jornadas intermináveis dos grandes centros urbanos. Afinal não peregrinei apenas na notícia do e-mail que enviaste, busquei a raposa fustigada pela vigilância epidemiológica, assim como a mesma fustigada da Catuana à cidade pela sede do saber. Um saber clássico, das ordens católicas, em que se fundem a narrativa tribal de Israel, o vasto mundo grego e a instituição romana. No entanto, corre nele uma vertente ibérica, hípica, ou seja, árabe. De qualquer modo, nos dois momentos: primeiro o peregrino do saber é um ser dos sertões, dos ermos, dos mandacarus e da luta solitária como rito de passagem aos 15 anos. No segundo momento é reflexão intelectual, o domador de cavalos. O soberano híbrido, centauro, o matuto a pé, agora fundido sobre o corpo das patas que rompem horizontes e chega à frente do sol. Iluminado o pensamento complexo, oposto da jornada noturna quando nem lanterna a pilha havia. Quer dizer, SF, um ser sui generis, um pé no mundo rural e um outro na cidade. É o penúltimo espécime ainda a compreender o quão diferentes foram estes dois mundos: o arcaico e a pós-modernidade. Depois, só existirão, com a força da realidade e da verdade, os seres urbanos, únicos e não híbridos como SF que ainda corre para vencer o sol. Abraços. José do Vale

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LUIS MANOEL PAES SIQUEIRA: Feitosa. Belo ensaio poético. Maravilha de descrição. Cavalos sempre me fascinaram. Principalmente os olhos tristes. Já percebestes como são tristes os olhares dos equinos? Além do mais são animais muito sensíveis. Lindo o desenho do Blake. Não conhecia. Eu conheço mais os seus poemas. Um abraço. Luis Manoel

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LUIZ PAULO SANTANA: SF, foi uma bela, mítica, histórica cavalgada. Inflamou os campos, moveu os ares em grandes ventanias, despertou poetas, fez suspirar o leviatã – que não se atreve porque o caos é aparente – na hora mesma em que pelevermelha e cavalo frementes, hifenizados no “montado-e-vigilante” chispam, causando tremores no olho de quem olha e sem piscar lê até o fim. E tem cavalo e homem antes da “transfusão”: o cavalo no cabresto em círculo, o cavalo na baia confiado, o cavalo e suas orelhas sinais e códigos. E tem cavalo solto, selvagem: “...a cabeça se alterna à esquerda e à direita, por baixo das pernas e por cima do lombo, a olhar de lado e para trás”. E tem o segredo das palavras que se joga adiante, de modo que o cavalo, digo, o leitor, digo ainda, o centauro em que nos transformamos as recolha à galopada. É cavalgada de palavras que passam ligeiras no espaço de todos os tempos, modos e conjugações. Acabo de ler, acabo de ver e é assim. Ainda há poeira no ar. Abração, LPSantana

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MARIA DA PAZ RIBEIRO DANTAS: Soares, fiquei suspensa com a leitura de seu texto (terei montado o cavalo de Blake?...). Você é um mágico. E eu só teria a lhe dizer que o tempo todo me vinha à mente o verso do poema de Joaquim Cardozo “A constante vitória”: Na grande curva além, o que é mais do que um sonho? Grande abraço, Maria da Paz

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MARISA CAJADO :
Franciscos e Cavalos

São Franciscos e cavalos
Nos vales do São Francisco
Cavalgaduras, estalos
Entre poeiras e ciscos.
Poeiras, nos olhos ralos,
Profundos e misteriosos, Que trazem nos seus embalos,
Ensinamentos grandiosos.

Grande abraço amigo. Muita paz. Adorei sua página
Marisa Cajado

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MARY SILVEIRA: Meu poeta preferido, sua forma de dizer as coisas, o seu estilo diferente me deixam deslumbrada. A parte final é surpreendente: “O caminho possível é o da misericórdia”. Cavalo e cavaleiro ficam me parecendo uma única pessoa. E, de repente, volto a galopar na minha infância. Desde criança percebi que os equinos correm de lado. Fico aguardando mais... Beijos. Mary

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NESTOR LAMPROS: Caro Soares,
Poeta do lado da noite. Poeta que encruzilha as faces da lua nos ascendentes Leoninos. Poeta que recruza as falhas de um cavalo no salto sem varais, mas com as moças e serviços. Você que viu a noite e vive nela criando na alta dela seus textos, que nos afogam...- e precisam ainda falar? Não estão todos lá, pra lá do salto e do assalto dos seus olhos que com vidros permanecem atentos. Olhos de fogo de uma manhã cancelada.
Poeta, revi e reli seus parabelos, em cristas de ondas frescas. Me admira o seu interlocutor com asas. Me admira o seu tudo com as capitais no Nordeste, no puro apelo dos Castro Alves, em contornos avermelhados de sangue fresco. Sem medir esforços, mas com a gana do poeta que mergulhou na alma da América. Nós Ameríndios que suportamos a fome de eras. Nós que nascemos incertos. Você tem tudo ao seu favor, Poeta. No encanto crescente das figuras dos quadros, na imagem que permuta a fome de sabê–la. Às três e meia da madrugada... Ouço cavalgadas dispararem nos senhores do tudo. Tudo está por vir, Poeta.
Permanece a fome e o minério de sê–lo e esta noite o cansaço das manhãs amanhecidas no pão que comemos. Neste ou nesta fome que temos de ver o invisível. E fazer da fome da Bíblia um mais formoso Homero, na planta que nos vestimos, dos dedos da aurora nos bóreas estenóides de lírios.
Talvez Jó ainda tente ver no redemoinho uma outra poesia atenta, do estado de esquecer a dita. Ou o que deitemos fora. Ao ler nas entrelinhas dos clássicos a pena alva de viverem filhas e filhos. No lume. Na antena das raças esquecidas.
Sem nome algum, Deus existe!
Atibaia, 08 de maio de 2006

Observação:
Este comentário refere-se também a
Ma fi Allah! e Relato de uma peregrinação adolescente

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NICOLAU SAIÃO: Uma cavalgada de palavras. Caríssimo Francisco (Soares Feitosa). Para já, o abraço firme que se endossa aos amigos da cavalgada perene, no tempo que nos foi dado viver. É isso, o tempo. Que, como minha mãe costumava dizer, “é um cavalo”. Que salta e revoluteia, que corre infrene como um ginete na Andaluzia, um corcel nos campos rasos do Nebraska, um garrano nos pastos de Alter do Chão deste meu Alentejo. Os cavalos... Quando vi eu pela primeira vez um cavalo? Não guardo de isso memória exacta, mas teria sido na vila de Monforte onde nasci, provavelmente uma montada da Guarda Republicana quando da visita de algum oficial ao posto que o meu pai comandava, ou então de algum lavrador das imediações com estábulo porventura dentro da vila. No entanto, pensando bem, creio que o primeiro cavalo que vi (ou seria égua, para o caso tanto faz...) estava atrelado a um charabã – que só mais tarde soube ser o parisiense char-à-bancs das/dos elegantes dos Champs-Élisées de outrora. Conduzido por uma senhora, por um cavalheiro? Parece-me que o passeante seria, se a lembrança me não falha, um médico que usava esse meio de transporte quer para visitar seus pacientes quer para efectuar suas voltas e voltinhas nos momentos de lazer. Já se percebe que nessa altura era eu bem pequeno. Mais tarde, vi cavalos nos prados e campinas de muitos lugares: nos plainos de Espanha, nos vergéis da “Grand Prairie” francesa, nas ruas de Lisboa e de Portalegre quando era dia de festa nacional, transportando agentes militarizados, nas quintas do Ontário ao longo da estrada que vai de Toronto a Otawa, na “rota índia” americana. Tive mesmo ensejo de cavalgar algumas vezes em campos abertos – essa emoção absoluta de descendente de antigos cavaleiros aldeões – e, quando calha, na herdade de um amigo dado às cavalgadas e falcoarias (o conde José António Valdez, que é o fidalgo de antiga nobreza lusitana mais plebeu e saudavelmente terra-a-terra que existe) faço a minha perninha como razoável “calção” como tradicionalmente se usa apelidar. E que dizer dos cavalos vistos na arte: na pintura, na escultura, no cinema, nos livros de quadradinhos da minha infância e adolescência de leitor encartado? As cavalgadas, no papel, de índios e de cáubois, desde os apaches de Jerónimo aos oglalas de Sitting-Bull e de Nuvem Vermelha até ao, noutro registo, cavalgar em estilo “feio, forte e formal” do John Wayne? E o ar hierático de Gary Cooper ou James Stewart? (Que, aqui entre nós, sempre me pareceu ter um rosto um pouco cavalar...). Todas estas coisas me foram suscitadas pelo texto do Poeta. Será necessário dizer que Feitosa, como bom ginete, ultrapassa as barreiras como um galhardo cavaleiro e nos faz cavalgar através do texto como um alazão de crinas ao vento? Um abraço, meu Poeta – e que galope a preceito assim pela vida durante muito tempo e nos enleve soberanamente com o seu estro tão veloz como apropriado e fecundo. Um abraço firme, à guisa de cavaleiro de antanho, do seu NS.

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NILTO MACIEL: Este diálogo de Francisco com Soares Feitosa é pleno de ensinamentos. Nele se veem filósofos, poetas, ficionistas e, para ilustrar, quadros famosos. Muito gosto de ler essas coisas de cavalos e cavaleiros, de índios, de centauros, de lendas e mitos. Se fosse possível juntar ao escrito um conto muito interessante de nosso Juarez Barroso, intitulado “Joaquim bralhador”, o leitor mais curioso poderia se perguntar: onde esse Soares Feitosa vai buscar tanto assunto? Nilto Maciel

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PAULO GONDIM: “Uma pequena (grande) lição de cavalaria” Meu caro poeta Soares. Sempre a nos surpreender com sua grandiosa técnica da escrita. Escreves muito bem! Cavalo lembra viagem, liberdade, força, beleza, mansidão. Seu texto nos faz refletir sobre a bela composição que você fez do homem com o cavalo: – Um só bicho! Mas a parte final é deslumbrante, poética de extrema sensibilidade: “O caminho possível é o da misericórdia!!!! Não espancarás!” Tão belo quanto o sol, “no pingo do meio-dia” – Sertão puro, Soares!!! Paulo Gondim

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PAULO DE TOLEDO: Cavalos poéticos. Soares, meu querido, tudo bem? Li seu texto. Como sempre, você leva a prosa na rédea curta, não a deixando desembestar pelos campos vastos do caos do sentido. Um grande abraço, Paulo de Toledo

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RAY SILVEIRA: “Literatura é a linguagem carregada de significados até o máximo grau possível” (E. Pound) Poetamigo, se Ezra Pound não andou conversando “arisia”, acabas de cometer um texto literário sem adjetivos à altura. Um abraço. Ray Silveira

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RICARDO ALFAYA: Caro Soares, muito bonito, muito poético esse texto, mais uma vez em contraponto com imagens. Nunca havia pensado nesse simbolismo da união cavaleiro-cavalo, resultando num terceiro e poderoso animal. Mesmo a figura mitológica já a tendo visto tantas vezes antes, nunca me detive a meditar no possível significado. Gostei muito. Gosto de textos que mexem com a minha cabeça, que criam atritos de significado, que redimensionam símbolos e imagens, como você faz. Valeu a pena conhecer. Um grande abraço, Ricardo Alfaya

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ROBERTO PIRES: Excelente! Consegui cavalgar nesta junção homem-animal animal-homem! Sob as rédeas da caneta, Sf-Francisco-Francisco-Sf criou um terceiro animal! Homem-Cavalo-Escritor-Leitor! Cavalguei com gosto montado no texto! Parabéns, mestre! RPires

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RODOLFO LOPES: Feitosa, boa-noite! Estive a viajar no tempo, lembrando dos idos de cavalgadas e integração cavalo-cavaleiro. Seu texto descreve magistralmente essa magia da criação do animal mitológico advinda desta mesclagem. Parabéns, parabéns, parabéns! Rodolfo Lopes

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RODRIGO MAGALHÃES: Coronel, você mesmo quem escreveu: “Há um intenso jogo de orelhas. Quando murchas, saia de perto, é coice, é salto, é estranheza. As orelhas estão direcionadas à frente e em pé, em dupla ou alternadas. O domador tem que jogar o som lá na frente, no momento em que as orelhas apontam para frente, de modo que o som não venha de trás, como se fosse a fera a perseguir o animal. Claro que isto o senhor não vai ler em nenhum manual, nem mesmo perguntando aos melhores cavaleiros. Por sobre os cavalos também: há um momento de falar, há um momento de silêncios. Ritmos. A mão. Você, em cima do cavalo, é quem dá-lhe as ordem, mas ordens hão de vir de frente, e não de trás. Como seria possível ordens pela frente, se você, no lombo do animal, está atrás dos ouvidos da montaria? Aí é que está o passe de mágica: as palavras são lançadas à frente num ângulo de grau exato, de modo que o cavalo, à medida que corre, vá colhendo-as... e... quanto mais corre, mais ligeiro você joga palavras novas mais adiante. Até tombarem exaustos. Senão mortos”. Pois agora escrevo eu: Não, não há em nenhum manual. Nem o Rodrigo Pessoa, nosso campeão olímpico, saberia dizer das orelhas levantadas. Só os cavalos, o dele incluso, Baloubet, poderiam confirmar. Baloubet Du Rouet - Garanhão, alazão, francês. Nascido em 1989. Pai: Galoubet. Mãe: Mesange Du Rouet. Proprietário: Diogo Pereira Coutinho. Tri-Campeão da Copa do Mundo (1998, 1999 e 2000).

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RODRIGO PETRONIO: Francisco querido: Me diverti imenso, como dizem os portugueses, com sua hipomaquia! Essa união com Kafka e com a bela gravura do Blake, aliada a toda a doidera desse diálogo entre Francisco e o Soares foi uma coisa impagável! Também me diverti muito com as referências literárias: Já o filósofo Thomas Hobbes perdeu uma bela oportunidade de exemplificar o pacto social em cima do cavalo. Ou com essas divagações filosóficas, entremeadas à loucura geral da cavalgada: Comandos? Tudo no âmbito da pré-linguagem. Uma beleza homem! Parabéns. Logo em seguida entrei por acaso no domínio da equipe de realização do JP. Quando deparo com o senhor Francisco na rede! Dormindo! Dava até pra ouvir o ronco do trabalho! E confesso que fiquei muito emocionado com as fotos de sua família, querido. Avós, fotos de casamento, toda a estória, não conhecia essa página do JP. Gostei muito de conhecê-la. Parabéns pela cavalgadura humana, mestre. Sempre por aqui teu leitor e amigo. Forte abraço. Rodrigo

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SANDRA BALDESSIN: Poeta Francisco. Mitos, Kafka, Hobbes. E o poeta amarrando as pontas soltas da história, ressignificando a lenda e trazendo à memória lições que já deveríamos ter aprendido. Diante do seu texto, poeta, quase acredito que existe resgate para a nossa insuficiência. O meu abraço afetuoso e encantado. Sandra Baldessin

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SERGIO CASTRO PINTO: Uma grande lição de cavalaria. Poeta: não é uma pequena, mas uma grande lição de cavalaria. E de poesia! Abraço amigo, do Sérgio

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SOLANGE STOPIGLIA: Olá, Soares Feitosa! Encho-me em deleite com teus dizeres e figuras do homem, criatura pura, antes de ser moldado neste mundo de diabruras. Tanto homem quanto animal (neste caso irracional) são frágeis em sentimentos, podem ter a força física dos músculos firmes, mas seus instintos são como dois pequenos bebezinhos, que ao soar de um ruído rompem a chorar. Ou quando assustados empinam o corpo pesado nas patas traseiras, derrubando a pequena segurança humana por terra. Acabou a guerra! Dois iguais, tão fortes por fora, tão frágeis por dentro. Desalento que sinto. Mas encontro em tuas palavras as verdades internas de duas criaturas, tão puras e singelas. Quando não são manipuladas e forjadas pela sociedade. Mais uma vez, parabéns, tuas palavras me são inspiração para criação. Solange

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URARIANO MOTA: Soares, Poeta, filósofo, ou “simplemesnte” bom escritor? Gostei muito do seu alvo certeiro que viu Kafka como um poeta. O grosso da gente acha que a poesia reside apenas no poema, no verso. Desconhecem até a poesia do primeiro beijo. Abração forte.

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VASSIA SILVEIRA: Sobre cavalos e homens. Caro Soares Feitosa: Impressionante a viagem proporcionada por “Uma pequena lição de cavalaria”. Gosto muito da imagem dos centauros. Remetem-me a um tempo-espaço onde a razão é desprovida do cetro que nós, ocidentais e herdeiros do cristianismo, entregamos. Gosto de me perder por brumas e labirintos, acompanhada de figuras imaginárias. E talvez isso explique a respiração suspensa pela leitura de seu texto e os caminhos que percorri a galope, sem crina ou rédeas para me segurar. Não era mais a figura do cavalo que eu via. Nem a do cavaleiro em seus trajes típicos. Andei em várzeas, montanhas e florestas de palavras. E o animal que me carregava era a página em branco. Eu, pobre amazona, à procura de domar um dos mais belos e ariscos animais selvagens: a poesia. “Isto mesmo! Há o tremor para quem está em cima, para quem está embaixo, cavalo e cavaleiro (...). Ambos sabem que o planeta inteiro treme. Pulsam. Indague dos outros cavalos, que, ao frêmito da dupla, retesam as crinas. Indague das feras do dia”. E, de repente, fez-se noite meu galopar: “Por sobre os cavalos também: há um momento de falar, há um momento de silêncios”. E o meu rebelde cavalo pára, negando-me a descoberta daquele lugar que ainda não conheci. Então me vem novamente a pequena lição de cavalaria: “Você, em cima do cavalo, é quem dá-lhe as ordens, mas ordens hão de vir de frente, e não de trás. Como seria possível ordens pela frente, se você, no lombo do animal, está atrás dos ouvidos da montaria? Aí é que está o passe de mágica: as palavras são lançadas à frente num ângulo de grau exato, de modo que o cavalo, à medida que corre, vá colhendo-as... e... quanto mais corre, mais ligeiro você joga palavras novas mais adiante (...)”. Parando o cavalo, mostra cansaço também a amazona, num simulacro de aquiescência. Poeta e poema. Cavalo e cavaleiro: “Até tombarem exaustos. Senão mortos”. Tudo com uma pequena lição de cavalaria. Parabéns pelo texto. Vássia Silveira

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VICENTE FRANZ CECIM: Lição de Centauro. Mano Francisco, teu diálogo com o Soares Feitosa, nesta tua “Pequena lição de cavalaria”, é uma maravilha: pensássemos que estarias falando realmente de cavalos, mas todo o tempo estás falando do humano, e, a partir disso, da hipótese do Centauro adormecida em nós. O Centauro: Francisco sobre Soares, ou o inverso? Uma escritura sobre o Encanto, que me deixou e mantém jubilosamente encantado. Coisa para jamais esquecer. Belos Sortilégios, ao longo dela. E a Imagem de Blake: e as outras – as recorrências a Kafka e aos Selos do Apocalipse de João de Patmos. Tudo Ouro Puro que cintila, primeiro para olhos cegos. Só me lembro de ter encontrado coisa assim pelo Nordeste em Guimarães Rosa e, também, lá em Suassuna. A Idade Média Europeia persiste como fantasmagoria no Sertão. Meu Abraço e minha Alegria, muitamente, teu Franz da Floresta Sagrada

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VICENTE FREITAS: Amigo Francisco: Lendo seu monólogo, ou melhor, seu diálogo consigo mesmo, sobre lição de cavalaria, me senti, de repente, encantado, ou seja, de início, achei mesmo que eu não passava de um cavalo, depois estive meditando, e, como cavalo não medita, acho, cheguei à conclusão que sou, no mínimo, um centauro; afinal, todos nós temos um pouco de centauro, não é mesmo? E já que estamos comemorando os quatrocentos anos do D. Quixote. E como D. Quixote é, na verdade, um centauro, pois não existe D. Quixote sem parte de homem e parte de cavalo, assim como não existe D. Quixote sem Sancho Pança. Mas antes da personagem genial de Cervantes vamos matutar um pouco sobre os centauros... Na mitologia grega, eram eles a personificação das forças naturais. Centauro era um animal fabuloso que habitava as planícies da Arcádia e da Tessália. Seu mito foi, possivelmente, inspirado nas tribos semi-selvagens das zonas agrestes da Grécia. Segundo a lenda, era filho de Ixíon e de Nefele, deusa das nuvens, ou então de Apolo e Hebe. A estória mitológica dos centauros está quase sempre associada a episódios de barbárie. Convidados para o casamento de Pirito, rei dos lápitas, os centauros, enlouquecidos pelo vinho, tentaram raptar a noiva, desencadeando-se ali uma terrível batalha. O episódio está retratado nos frisos do Partenon e foi um motivo freqüente nas obras de arte pagãs e renascentistas. Os centauros também teriam lutado contra Hércules que os teria expulsado do cabo Mália. Contudo, nem todos os centauros apareciam caracterizados como selvagens. Um deles, Quirão, foi instrutor e professor de Aquiles, Heráclito, Jasão e outros heróis, entre os quais Esculápio. Entretanto, enquanto grupo, foram eles notórias personificações da violência, como se vê em Sófocles. Já os cavalos, quando de carne e osso, não têm nada de mitológicos. Mas existem cavalos para todos os gostos, inclusive cavalo de pau – o de Tróia – como consta n’A Ilíada, um dos épicos de Homero, e que narra a guerra que causou a destruição da cidade, um dos mais ricos e extensos sítios arqueológicos do mundo antigo. A lenda do conflito entre aqueus e troianos pela posse da cidade forneceu o argumento da Ilíada e obras posteriores. No século IV d.C., desapareceram completamente os vestígios históricos de Tróia. Páris, filho do rei Príamo, raptara Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, famosa por sua beleza. Para se vingar, Menelau formou um poderoso exército comandado por Agamenon, no qual se destacaram Aquiles e Ulisses. O cerco de Tróia foi marcado por feitos heróicos de ambos os lados, até que, sob inspiração de Ulisses, os gregos construíram um gigantesco cavalo de madeira e o abandonaram nas portas de Tróia. Apesar dos presságios de Cassandra, os troianos levaram para dentro dos muros da cidade o cavalo, que trazia em seu interior os guerreiros de Ulisses. Abertas as portas, os gregos saquearam e destruíram Tróia. O herói troiano Enéias, filho de Vênus, escapou com alguns partidários e, depois de muitas aventuras, se instalou no Lácio. Os descendentes desse grupo deram origem ao povo romano. É quase certo que a lenda tenha um núcleo de verdade, mas é impossível provar-lhe a historicidade. Uma interpretação de documentos favoreceu a hipótese de que os aqueus fossem um povo pré-helênico originário da Europa. Na época de Tróia, os aqueus, teriam se espalhado pelo Egeu e formado colônias de micenianos, de onde mais tarde saíram conquistadores de Tróia. O cavalo de madeira teria sido uma invenção de Odisseu, o guerreiro mais sagaz da Ilíada e personagem da Odisséia. Quanto a D. Quixote e seu cavalo Rocinante, Cervantes criou, na verdade, com seu engenhoso Fidalgo de La Mancha, o embrião do romance moderno, uma das personagens mais populares da história da literatura e ainda deu vazão ao surgimento do termo, de uso universal, “quixotesco” que define o comportamento de alguém como sonhador, ingênuo, romântico e trapalhão. Aclamado como a maior obra de ficção de todos os tempos, numa eleição promovida pelo Instituto Nobel da Noruega – tido, inicialmente, como uma sátira às novelas de cavalaria – o livro tornou-se, com o passar dos séculos, uma das obras mais significativas da literatura universal, reveladora de sentimentos, paixões, fraquezas e grandezas do ser humano. A invasão de novas edições de D. Quixote, talvez se justifique, como uma espécie de comemoração dos 400 anos do livro, publicado em 1605. Nos Estados Unidos, acabou de sair vasta biografia de Cervantes, que, ao contrário de seu famoso contemporâneo Shakespeare – pastorador de cavalos – é bem mais conhecido. Cervantes nasceu em Alcalá de Henares, na Espanha, em 1547, filho d’um cirurgião e uma nobre empobrecida. Na adolescência, trabalhou como camareiro para o cardeal italiano Acquaviva. Ainda jovem alistou-se nas tropas pontifícias para lutar contra os turcos que ameaçavam a Europa, o que lhe custou a perda da mão esquerda. Tempos depois, durante viagem de retorno ao território espanhol, foi capturado por turcos e passou cinco anos preso na Argélia. Saindo da prisão e desiludido da vida militar, retorna à Espanha e se dedica com afinco à literatura. Para sobreviver, assume o cargo de comissário de abastecimento e depois passa a trabalhar como coletor de impostos. Acusado injustamente de desviar verbas, é levado à prisão em Sevilha, onde escreve a primeira parte de D. Quixote. A crítica de Cervantes às histórias da época, surge envolta com humor e compaixão pela figura do cavaleiro, que se atirava às cegas à propaganda da cavalaria. No prefácio da obra, o autor conversa com seus leitores e até justifica sua personagem: "Acontece, muitas vezes, ter um pai um filho feio e desengraçado, mas o amor paternal lhe põe uma venda nos olhos para que não veja as próprias deficiências, antes, as julgue como discrições e lindezas, e fique sempre a contá-las aos amigos, como agudezas e donaires. Porém eu, que ainda não pareço pai, não sou contudo senão padrasto de D. Quixote”. Um escritor que tem confessado inspiração – que ele chama “obsessão” – em Cervantes e seu D. Quixote é Ariano Suassuna. Quaderna, figura principal de A Pedra do Reino, foi comparado a personagem do Miguel. Em um dos seus depoimentos, Suassuna, no entanto, ressaltou que há semelhanças, sim, mas a principal diferença entre sua criatura e a do escritor espanhol está em uma certa lucidez na hora de sonhar: "Eu noto uma diferença entre D. Quixote e Quaderna, diz Ariano. É que D. Quixote enlouquece lendo os livros de cavalaria e acredita neles. Quaderna, não. A personagem apresenta bem claramente a diferença – “Minha vida cinzenta, feia e mesquinha de menino sertanejo, reduzido à pobreza e à dependência pela ruína da fazenda do pai”. Quer dizer, ele sabe que a vida é triste, dura, feia, áspera, e lança mão do folheto e dos espetáculos populares como defesa. Mas tudo lucidamente. O mesmo não se pode dizer em relação a D. Quixote”. Veja, Francisco, lendo sua lição de cavalaria, passei a sonhar com cavalos, centauros e D. Quixotes. Afinal, D. Quixote é um homem de todas as épocas e de todas as regiões do mundo, e cada qual o identifica e entende, logo se aperceba de que o drama do pobre cavaleiro louco é o drama de todos os homens que sabem o que é um sonho ou alguma vez o acalentaram. É que todos nós temos um pouco de centauros, cavalos e Quixotes... Será? Grande e fraterno abraço do seu leitor. VICENTE FREITAS

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