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José do Vale Pinheiro Feitosa


 

Le Lac de Come

 

Caindo suavemente, hesitante, pelas pregas do tempo,
Que no rosto fincou leitos do passado concluso,
Quando não me dava conta da finitude presente,
A cada momento que colhi em galhos da vida,
Guardando-o no cestos cá dentro de mim,
Como se não fossem amadurecer jamais,
Rachando a casca, minando sumo,
Soltando sementes pelo canal,
Rolando pelo ângulo,
Descendo a face,
Pelo abismo,
Caindo,
Sobre,
Mim.

 

Rio de Janeiro, 09/10/93 - às 20:15 horas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Acis and Galatea

 

José do Vale Pinheiro Feitosa


 

Pediste e te dei
Rio de Janeiro, 19 de outubro de 2002, no exato momento das 20:00 horas


Tu, pediste a rosa,
Dei-te.


Uma vez em meus braços,
pediste-os,
eu dei.


Com, doçura pediste,
fidelidade,
e dei.


Quando falei vantagens,
dos sonhos meus,
tu pediste,
e os dei.


Para o mundo andar,
minhas pernas,
as dei.


O tempo fez uma volta,
o arco reluziu,
te dei.


Meu tronco,
o abraçaste,
e a ti o dei.


O horizonte infinito,
tal qual a desejo,
e o dei.


Minha cabeça,
junto os pensamentos,
a ti dei.


Nada mais restando,
para te dar,
devolveste-os.


E, novamente,
não pediste a rosa
mas a ti dei.


Uma vez pediste-me,
por inteiro,
e me dei.


Eis o ciclo do amor:
esse se dar,
receber-se de volta,
e, de novo, dar-se.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

José do Vale Pinheiro Feitosa


 

Para Clinete: do Ceará eu quero.
Rio de Janeiro, 06 de março de 2005


Quero!


Assunte o tempo da seca que queima o sertão,
diga que tou de coração apertado,
uma mágoa que se acumula,
só falta a larva sangrar,
e da cratera queimar
o corpo de minha inércia.


Assim que o ar condicionado do aeroporto ficar para trás,
traga de volta aos teus pulmões, todos os ventos do Ceará,
e virão juntas as luzes equatoriais, as palmas das praias,
nós todos, de pescoço curto, cabeça chata e uma coisa desentendida,
das belezas Naomi, pois falo desta coisa bem bonitinha, uma graça de novidade,
uma cara parente da lua cheia, cabelos lembrando a óleo,
um desafio de sedução e nós somos o povo,
mais lindo, que aquele chão, foi capaz de gerar.


Abra as ouças,
esqueça os chiados de outras línguas, o deslize de outras sílabas,
como uma barragem inundando, bem devagarzinho,
deixe o cearensês preencher o recipiente, dentro de ti, feito para ele,
com seus motes de prioridades, o gosto pela gozação,
o chiste no rastilho da conversa, a ingenuidade realista do que pode e não virá.
Deixe tudo isso ser de novo,
pois só uma mãe, uma administradora, uma veterana Carioca,
poderá dizer:
Vou sexta feira, “pra casa”.
Quer alguma coisa?


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

José do Vale Pinheiro Feitosa


 

Tratado social
Rio, 1979


Venho da data perdida,
o arroio seco da prisão,
qual ferida cindida,
inunda meu coração.


Nem prisão ou perdão.
Atitudes de Salomão.


Sou cara ou coroa;
trocado e guardado,
dinheiro, direito escrito,
órfão qual papel no vento.


Em povo ou socialização.
atitudes de subversão.


Minhas obrigações traídas.
Os tratados sociais da aldeia,
tal qual carnes moídas,
se perdem nesta cadeia.


Nem acordo ou tratados.
Povos mal acabados.


Venho da data perdida.
O governo fechado e palaciano,
Debulha o meu feijão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

José do Vale Pinheiro Feitosa


 

E-mail para o Val Carvalho a respeito de um conflito com a mulher, após ter recebido de uma antiga namorada, um mail com beijos e lembranças.


Nestes anos tenebrosos, não dá para esconder foi com um beijo que Judas traiu Jesus.
Foi com beijos que Messalina dissipou a cultura da autoridade na imperial Roma.
Com um simples beijo nossas mães nos deu proteção para, do distante, retornar ilesos.
Com beijos os dois se fundiram até a explosão que promete mais e, por vezes, leva até terceiros.


Afinal que instrumento é este?
Aquele que absorve, pela boca como se ao outro incorporasse,
E até no nordeste se mistura ao olfato no sensível cheiro que além de absorver, aspira.
É o maior instrumento de intimidade e jamais poderia dissolver qualquer coisa em volta.


Mas nestes tempos tenebrosos existem os beijos do ciúme,
Os beijos que de lágrimas escoem queixumes,
Os beijos que na face fria procura vida no cadáver,
Os beijos que na terra fértil promete safra.


E existem tantos beijos que uma simples tela animada de computador,
Não poderia de mim te afastares, pois se o fizeres,
Debruço-me no chão e até teus pés beijarei.
Não te vás.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

José do Vale Pinheiro Feitosa


 

Um pingo d'água no oceano
Rio de Janeiro, 30/10/1988


É uma imagem poética muito antiga e usada.
O insignificante querendo ser individual.
Ser algo diante da vasta matéria,
e energia do espaço-tempo universal.


Mas eu vi, foi o primeiro a cair,
Ploft, e sua onda se espalhou na água,
tenho plena consciência,
aquele foi "um" pingo.


Que caiu em cheio na memória,
durou uma pequena fração do meu tempo,
mas teve tempo suficiente,
para ter o mesmo conhecimento,
das nebulosas cósmicas.

 

 

 

 

 

 

 

22.09.2005