Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Sonia R. R. Rodrigues

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Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia, crônica & ensaio:


Ensaio, crítica, resenha & comentário:


Fortuna crítica:


Alguma notícia da autora:

 

 

Escritora nascida em Santos, em uma cidade espremida entre o mar e a serra, à parte do continente. Nascer em uma ilha, se de um lado nos isola, de outro nos abre para o oceano, com todas as possibilidades de viagens, descobertas, conquistas e sonhos. 
Fui médica por opção e sou escritora por vocação.

Alimento-me de livros. Comecei com Lobato, privilégio de criança brasileira. Devorei os clássicos. Adoro os russos. Amo a literatura dos séculos XVIII e XIX. Atualmente estou degustando Agualusa e Mia Couto. Leio ao menos 3 livros simultaneamente.
Minha mente inquieta é fascinada pelo mundo das palavras.
Meus pés inquietos exploram trilhas e locais exóticos.
E escrevo sempre. (2015)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bernini_The_Rape_of_Proserpina_detail

 

Herbert Draper (British, 1864-1920), A water baby

 

 

 

 

 

 

 

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Sonia R. R. Rodrigues

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reginarocha2005@gmail.com

 

 

 

Um pequeno bloco de poemas & ensaios:

 

Catadora de conchas

 

O mar foi generoso esta manhã

Despejou no fim da praia

- cidadão civilizado –

o seu lixo reciclável.

 

Folhas, gravetos, frutos

Da tempestade noturna

E centenas de milhares

 De pequeninos tesouros

 

Catadora de conchas

Um tanto arqueóloga

Acho um vidro aqui

Um caco de argila acolá

 

Enquanto remexo as conchas

Separo as cores e formas

De todos os tamanhos

 

As ondas cantam mais alegres

Banhando este cemitério;

Entre sussurros e risos,

Contam estórias de mistérios.

 

Anos atrás eu trazia

Crianças com seus baldinhos.

Certa vez apanhamos

Pequeninas e delicadas

Conchinhas cor de rosa

Que lavamos e secamos ao sol;

Depois fomos para casa

Acabar a brincadeira.

Em uma tampa de madeira

Colei uma gravura bonita

Escolhida pelas meninas;

Quando secou, ao redor dela,

Espalhamos conchas belas

Agrupadas com tal arte

Que imitavam rosinhas -

Cada qual fez sua parte

Num mimo pra vovozinha

 

Isto foi há muito tempo.

Neste momento

As meninas já cresceram

E esqueceram.

Eu é que viro menina

E com leves movimentos

Mergulho as mãos na água morna

E penetro no universo

Que ora canto em meus versos.

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                                 Simplesmente Walquíria

                                                                                                               

                                    Fui princesa mimada,

                              enclausurada em um jardim de delícias.

                                Só me faltava mesmo o príncipe,

                        que um dia viria rompendo barreiras, matando dragões,

                                 despertando-me para o amor.

                                      Ah!... o amor!...

                                    Mas a fada madrinha,

                                         feminista,

                                     tinha outros planos;

                                 libertou-me do encantamento

                                     e qual folha ao vento

                                     soltou-me no mundo

                             sem espada mágica, sem escudo invisível,

                            sem tapete voador, sem gênio da lâmpada,

                                     sem anel encantado.

                                   Sua estranha benção foi:

                               “Viver ou morrer. Lutar - sempre!”.

                                 Se eu fosse uma heroína grega

                                     já estaria nos céus,

                                 transformada em constelação,

                                tantos os Carontes que subornei!

                                  Quantos Cérberos enfrentei!

                              Como Orfeu, venci o inferno tenebroso

                                     e no último descuido

                                perdi o meu bem mais precioso.

                                 Caminho às cegas, andarilha,

                         como um Homero a exaltar uma civilização extinta.

                          Meus deuses há muito despencaram do Olimpo

                               e sufocam sob a superfície asséptica

                                  de um mundo tecnicológico.

                                Sou como Eco, ninfa emudecida

                                a perseguir a beleza de Narciso,

                               a chorar meu destino desafortunado,

                             até que um deus se apiade de minha dor

                                  e me transforme em pedra.

                                            

 

                                            

pseudônimo: Australiana    

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Como partimos de Dr. Kildare e chegamos a ... House?

 

Dra. Sonia Regina Rocha Rodrigues

Médica e escritora.

 

Todo médico de minha geração lembra-se do Dr. Kildare, que inspirou tantos entre nós.
Admirado, amado mesmo, este jovem médico (ainda estudante) era apresentado como uma pessoa útil, atenciosa, dedicada, compreensiva, que escutava e consolava seus pacientes. Nos seus relacionamentos profissionais, havia um forte elo emocional. Humano, não se esperava dele que fosse infalível

Neste, que é o primeiro seriado médico que assisti, já percebemos um certo tecnicismo, pois o supervisor de Kildare o adverte: ‘Nosso trabalho é manter as pessoas vivas, não dizer a elas como viver.’

Comentário cínico, cujo objetivo era garantir um distanciamento emocional que não perturbasse o raciocínio médico, que, no caso, era quase salutar, por impedir que o profissional sofresse com um relacionamento mais íntimo com seu paciente, já que,  inevitavelmente alguns pacientes morrem, e alguns, morrem jovens. E, inspirados pelo jovem Dr. Kildare, este era um mandamento que todo aspirante a médico ansiava por transgredir.

Já o atual seriado House nos apresenta um médico brilhante, lógico,  técnico, odiado por alguns de sua própria equipe, meramente tolerado pelos pacientes, e do qual se esperam, apenas, resultados.

Ambos são inteligentes e dedicados: um aconselha, importa-se que o paciente viva bem, e mesmo que morra bem – que sua vida tenha sida uma boa vida; o outro não se importa, sua meta é que o paciente sobreviva – seu paciente é quase um troféu, seu triunfo na arte de diagnosticar.

House expressa-se da seguinte maneira: “Me importar para que? Pergunte ao paciente se ele prefere um médico que se importa enquanto ele morre ou um médico que o ignora enquanto ele é curado?” A visão de mundo que o doutor House criticou nesta frase é profunda. House não criticou apenas o altruísmo em si; ele demoliu nesta frase o conceito de ética médica, o humano respeito ao próximo. Sacrifica-se o espiritual em nome de uma eficácia questionável.

 

Proponho-me a comparar os valores existentes nestas duas séries:

Em Dr. Kildare:

1 - Há um valor de vida – que se faça a diferença, que se seja feliz e útil.

2 - Há um valor de morte – que se retorne ao sagrado, ao misterioso.

3 - Há um valor de paciente – que se aprenda e se evolua com a doença.

4 - Há um valor de médico – que se importe com o ser humano, que sinta emoções, que seja competente e bom.

 

Em House:

1 - A vida é uma miséria, todos mentem, todos sofrem.

2 - A morte é o fim, e toda crença religiosa é ilógica, já que não se pode provar – a supervalorização da ciência, vista como técnica.

3 - O paciente é um ser humano tolo, na melhor das hipóteses, ou indigno, na pior, e exige resultados da medicina, quer ser curado e salvo a qualquer preço.

4 - Do médico exige-se a cura  – que faça o serviço pelo qual está sendo pago, e que obtenha os melhores resultados. Ser bom é inútil. Descartou-se a espiritualidade.

Para tentar entender melhor como chegamos a este lamentável estado de coisas – ou alguém acha que a atual situação da saúde no mundo não seja lamentável? -  temos de ir além do médico, temos de penetrar nos paradigmas de nossa sociedade capitalista.

Os pacientes de Dr. Kildare eram pessoas sofredoras, sensíveis, centradas em suas famílias, amigos, e objetivos baseados em mérito pessoal e trabalho duro: a professora desejava ensinar, o vendedor vender, os jovens, concluírem um curso.

Os pacientes de House são, em sua maioria, insensíveis como ele, amantes da tecnologia, consumistas, consomem o produto saúde como consumiriam qualquer outra coisa, e são focados no sucesso monetário: o atleta olímpico que quer o ouro, o artista que quer o Oscar, o empresário que quer comprar a rede concorrente, todos querem ser o primeiro, não basta concorrer, nem ganhar, trata-se de ganhar em primeiro lugar. Erros são descartados – o filho que foi reprovado de ano, a atleta que não se classificou, o marido desempregado, a mulher feia, esqueça, são todos ridículos e indesejáveis perdedores. E qualquer paciente que se apresente amoroso e idealista é logo dissecado para que revele suas ambiguidades e contradições, apresentadas como mentiras e fraquezas inadmissíveis.

No último século, assistimos a certas mudanças na sociedade capitalista.

Antes, aceitava-se a morte como um fato natural; admitia-se que as pessoas deviam estar preparadas para morrer, bem como para viver; os médicos eram vistos como seres humanos esforçados e empenhados em fazer o melhor possível, dentro de possibilidades razoáveis.

Agora, quer-se evitar o confronto com a morte, retardar o desfecho da vida a qualquer preço, mesmo a custo de uma vida de qualidade ruim.

Os médicos entram nesta visão capitalista como geradores do produto saúde, portanto não são vistos como seres humanos, mas como um mal necessário, já que as máquinas não funcionam sozinhas; deles se exige perfeição técnica e nenhuma ética; paga-se a eles o menor honorário possível e são trocados da equipe assim que algum cérebro

mais brilhante surja. Espera-se que sejam infalíveis, e, a par disto, critica-se esses mesmos médicos por serem arrogantes e diz-se deles que sofrem de ‘complexo de Deus’.

A minha geração médica, que anda ao redor dos sessenta anos, ressente-se do reconhecimento não recebido; já a geração atual, bem, sejamos honestos, toda a categoria é atualmente vista pela população como House, um médico que desdenha tudo, desde o sistema até o doente, que ficou reduzido a uma ficha clínica.
Afirma Gurdjieff que estamos a viver os últimos dias desta era técnica. O planeta nos destruirá se não mudarmos. O clima já mudou, e anuncia ao homem que ele, homem, não é o senhor do planeta, que a humanidade é tão descartável na escala cósmica como os dinossauros.
Chega o tempo de voltarmos a ser humildes. De enterrarmos House e buscarmos o Dr. Kildare,  pois, desde os tempos de Esculápio, o que a humanidade deseja é, antes de tudo, compartilhar a vida e ser consolada, pois curar, é possível  às vezes, e consolar, é possível, sempre.

 

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DIAS DE VERÃO

 

Viagens de férias. Sorvetes. Tudo o que é bom parece acontecer no verão. É uma exuberância de frutas, um não acabar mais de passeios ao ar livre, e quando se mora à beira mar, então, há um vasto leque de diversões à escolha. Caminhadas na praia, mergulho, natação, pescaria, passeios de barco e toda sorte de esportes aquáticos.

                Claro, nem sempre o calor é agradável. Para quem trabalha  exposto ao tempo, sem ventilador, sem ar condicionado, fazendo esforço físico, não é nada divertido.

                Há dias em que a temperatura sobe tanto que, visto de longe, o asfalto parece água, e a paisagem junto ao solo estremece, distorcida pelas ondas de calor. Dias em que, já pela manhã, tudo parece queimar a nossa pele _ o sofá, os lençóis, e até das torneiras jorra, à temperatura ambiente, um líquido escaldante e nada convidativo. Dias em que nada refresca - nem banho, nem piscina, e mesmo os aparelhos de ar condicionado não conseguem amenizar o mal estar. Dias em que a única atitude sábia é encolher-se à sombra, como um bichinho, imóvel, esperando, pois está quente demais até para se conseguir dormir. (deveria haver um verbo para a suspensão temporária das funções vitais provocadas pelo calor extremo, uma espécie de hibernação às avessas)

                Um dia como o de ontem, que dizem ter sido o mais quente dos últimos cinqüenta anos. O solstício de verão já acontecera, mas parecia que a Terra continuava, distraída, a inclinar-se mais e mais em direção à fonte da vida.

                Foi com certeza em um dia assim que um grego imaginou a lenda de Faetonte, o mortal que dirigiu o carro do sol tão desastradamente, chegando tão próximo que quase incendiou o planeta.


 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

23.12.2015