Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Carlos Augusto Lima

 

 Escreva para o editor

 

Caravagio, Êxtase de São Francisco

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova. 1864.

 


Bio-bibliografia:


  Poesia:


  Ensaio, crítica & resenha:


  Fortuna crítica:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Culpa

 

 

 

 

 

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

 

Carlos Augusto Lima

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, Brasil

18.3.2012

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A curiosidade individual transformou o menino "leitor voraz" em um poeta. Filho único, Carlos Augusto Lima recebeu dos pais o que chama de "estímulo da leitura abandonada". "Fui o sujeito leitor dos meus pais, que não eram grandes leitores. Mas eles viam na leitura algo muito positivo e me estimulavam a ler", recorda Carlos Augusto em uma conversa sobre influências literárias e criação artística.

Lia de tudo um pouco. Em um processo natural, passou pela literatura infanto-juvenil, mergulhou nas histórias em quadrinhos, leu o que a escola indicou - muitas vezes sem vontade - e sempre tratou a leitura como um ato solitário, pensamento que o acompanha até hoje.

A intimidade com os livros levou Carlos Augusto Lima a cursar Letras, mas antes mesmo de entrar na faculdade já rabiscava pensamentos e se apropriava de leituras "descobertas" pelo desejo de procurar, mexer,Carlos Augusto, foto Tuno Vieira, Diário do Nordeste pensar. No curso, percebeu quem nem todos os colegas estavam familiarizados com os autores que lia, despertando, de certa forma, uma "ideia de sofrimento" pela ausência de um diálogo mais fluente sobre literatura e sobre poesia.

A alternativa encontrada por Carlos Augusto foi buscar esse diálogo fora dos muros da universidade, com outros jovens escritores interessados em discutir e produzir literatura, como o amigo e parceiro Manoel Ricardo de Lima.

Carlos Augusto sempre foi muito atento à poesia contemporânea "de gente viva", como ele destaca. Bebeu com muita sede na fonte da poesia brasileira da década de 70 e 80. Gostava da poesias Concreta e marginal. Flertou com escritores modernistas e fez um recorte da poesia americana da década de 20.

Nomes como Paulo Leminski, Ana Cristina Cesar, Cacaso, Francisco Alvim, José Paulo Paes, Régis Bonvicino e Duda Machado fizeram - e ainda fazem - parte do repertório literário de Carlos Augusto. Ainda é próximo dos poemas de Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Sempre preferiu a poesia, apesar do interesse por outros gêneros.

O poeta busca na memória o tempo que em precisou "matar" os autores que o influenciavam para dar personalidade aos próprios escritos. "Tenho uma autocrítica forte sobre o que mostrar. Conheço bem o cesto de lixo e como funciona a tecla delete", brinca Carlos Augusto complementando que "escrever é a soma de uma série de experiências e de leituras".

 

A criação

A poesia de Carlos Augusto não nasce de um esforço criativo. Não costuma sentar diante de um computador com a missão de produzir. "É necessário esperar o chamado das palavras. E é intermitente o chamado da linguagem", diz Carlos Augusto que define seu método de produção poética como "caótico".

Para Carlos Augusto quem escreve está em choque constante com a vida. E é justamente na vida comum que ele diz encontrar material poético para suas obras, sempre curtas, algumas chamadas de plaquetes. Prefere pensar "projetos de ações poéticas" a livros. "Escrevo e depois vou analisar o que funciona. Não existe pressa", pontua.

 

A trava do mercado

Sobre a produção versus consumo de poesia no Brasil, Carlos Augusto diz considerar uma relação tensa que tem a ver com a formação de leitores, que têm nas narrativas uma leitura mais familiar. "Escrever poesia é um ato solitário", afirma. "Muitas vezes o autor precisa bancar o livro, distribuir. Poesia não vende, não serve para nada e serve para tudo", diz parafraseando outro escritor.

Para além das dificuldades comuns de um poeta, Carlos Augusto diz que a cena literária cearense perde por não viabilizar a formação de uma crítica realmente preparada, o que consequentemente acaba enfraquecendo o que é produzido no Estado. "O que o sujeito pensa? Sinto falta da troca de ideias em relação a arte, da troca de pensamentos, até mais do que do compartilhamento do que é produzindo", finaliza. (DP)

 



SAIBA MAIS

Bibliografia do poeta

Carlos Augusto Lima

Objetos (Alpharrabio, 2008)
Vinte e sete de janeiro (Lumme Editor, 2008)
Manual de Acrobacia n.1 (Editora da Casa, 2010)
Três poemas do lugar (La Barca Editora, 2011)
O livro da espera (Alpharrabio, 2011)

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

     
 
Wilson Martins

 

Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Carvagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Albrecht Dürer, Mãos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Pipelighter

Manoel Ricardo de Lima

O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil

02.07.2002


LITERATURA
A linha dos objetos

O articulista do Vida & Arte, Carlos Augusto Lima, acaba de lançar pela Alpharrabio Edições, o singelo Objetos. Com gravuras de Vladimir Fontes

Manoel Ricardo de Lima
Articulista do Vida & Arte


Carlos Augusto Lima, que, com Objetos, abre uma séria discussão sobre a institucionalização da poesia (Foto: Jarbas Vasconcelos 12/05/99)



''É possível então a poesia no poema; é possível que a visita no tempo possa se reconstruir, permanecer, se repetir.'
José Lezama Lima, A dignidade da Poesia


Ter à mão a possibilidade do traço. Lentamente, construir o desenho que se quer e dar ao outro - o que tateia o desenho - espaços de tempo possíveis para que ele, sozinho, amarre os gestos aparentemente desencontrados que estão nos traços e aponte, com mão justa e serena, as atribuições das figuras que se formaram, que estão prontas, mas não acabadas. Este pequeno embaraço foi o que consegui construir, mais imediatamente, ao ler o singelo Objetos, poemas de Carlos Augusto Lima. Tomei nota do embaraço num caderno de notas. Objetos faz parte da coleção Cacto, produzido pela Fabricando Idéias e lançada pela Alpharrabio Edições, de Santo André, SP. A coleção ronda a revista homônima, editada por Tarso de Melo e Eduardo Sterzi, a sair em breve, primeiro número.

Objetos tem oito poemas, gravuras de Vladimir Fontes, um tom entre sépia e laranja e outra sugestão, tiragem de 200 exemplares e não está a venda. Ao lado, na dobra das folhas, há um fio vermelho que enlaça a mínima e delicada brochura. Dentro, abrindo, a epígrafe do próprio Carlos: ''para o que era, a casa''; e uma biografia entre a concisão e o desleixo do dito, quase uma preguiça, uma permanência: ''Carlos Augusto Lima nasceu em 1973, Fortaleza. Vive no mesmo lugar.' E a lista de objetos, anotações de uma perspectiva particular, poemas para o que era a geometria física da casa ou para o que é a geometria proposta apenas pela consciência que re-avalia o tempo, o espaço, refaz sentido e recria o mundo, ininterruptamente, em deslocamentos, reinventando significados: cômoda, estante, cama, mesa, mesa II, caneta, gilete, livros.

São muitos os problemas e as questões que Carlos sugere com este seu livrinho. Do que está nos próprios poemas ao que está proposto como postura, senso de dignidade e ética (como está discorrido em Lezama Lima), passando por questões, a meu ver, extremamente cruciais como: não estar à venda, nem o livro, nem quem escreveu as peças da casa. E mais seriamente, transformar a casa no lugar do paradoxo: o conflito do tempo: fixidez e passagem, habitá-lo e/ou visitá-lo. Retirar da casa a justaposição do perene e impor ajustes de uma agoridade (esta sim, perene), de uma presentificação contínua, constante. Ter a casa às costas, sempre, feito o caracol; carregá-la, enchê-la de si, esvaziá-la de si, entrar e sair dela, levando-a consigo.

Assim, penso, a casa é sempre a mesma, andamos nela em visitas quase esporádicas. Passa a importar não o onde da casa, mas o sentido que ela tem a partir dos objetos que a compõem e que, mais fortemente, estão de fato presentes apenas na consciência que os inventa. Uma espécie de ''carrego comigo'', uma temporalidade visitada. Talvez como a organização da biblioteca: um espaço que se visita, e não um espaço que se habita, diria Barthes. A memória que se esvaece, a memória que não houve. Há um entre, um intervalo.

É neste intervalo de sentidos que proponho pensar, desta vez, o trabalho de Carlos. A casa como o que já foi dito aqui, como intervalo, como pausa, como dobra no tempo. Duas das anotações, quando os poemas tomam o lugar dos objetos descritos e reinventados e tomam lugar nesta temporalidade presente e continuada: estante: ''demolir parede / só deixar / a / balaustrada de livros / papel mofo poeira / ergue-se / tomando todo / perímetro / redor / queira / que seja só isso: / / latão, parafusos / tintura encardida de / preto / ferrugem / / sustentação de mundo''; e outra, a peça mesa: ''inutilidades em / resma / a mixórdia de / pequenos objetos / ínfimos susten- / ta uma discreta / coloração par- / ticular''. Nestas duas peças, as idéias de anotação, repetição, corte, fragmento, montagem etc apenas reforçam o eixo do livrinho: o da sustentação de particularidades; alguma, que seja, para ainda estar no mundo, como for possível. São estes sentidos (semânticos) que aparecem dobrados no segundo poema citado: as palavras sustenta e particular. Ter em si o vazio dos outros, das coisas do mundo, a impossibilidade ainda da construção de referências, ''memento'' solidificado pela invenção criativa, pela interrogação delicada que ainda consegue afirmar o mundo no seu esvaziamento. Conviver com o vazio, conviver o vazio, afirmando-o.

Este encontro como o(s) Objetos de Carlos abre uma séria discussão sobre o cansaço que é a institucionalização da poesia. As certezas, os absolutos, a falta de rigor e critérios, as brigas torpes com seus tacapes que voam, indiscriminadamente, para tudo quanto é lado. Carlos fez de outra forma, como acredito ainda o que possa vir a ser poesia: uma outra coisa: ética, dignidade, delicadeza, linguagem, vida, diferença. Carlos trabalha com um outro registro do tempo, e com a condição ainda humana que a poesia se dana se a impedem de fazer o que mais sabe: dar conta do mundo, e da vida, com seus problemas e diferenças, que são maiores que nós. Muito maiores que nós. Como dissesse que ainda é possível uma linha bonita pra vida, a poesia no poema, visitar o tempo (diante da impossibilidade de habitá-lo), reconstruir-se nele, e até permanecer, quem sabe.

Este texto foi escrito entre o som e o silêncio, repetidas vezes, de ''Lembrança'', música de Marcílio Homem e seu violão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Carvagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

José Saramago, Nobel

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922),  A Classical Beauty

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Cleópatra ante César

 

 

 

 

 

 

Carlos Augusto Lima

O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil

29.10.1998

 


Crisântemos poéticos

Carlos Augusto Lima
Articulador do Vida & Arte

 

O ainda incansável e inquieto Haroldo de Campos volta a publicar poesias com seu mais novo livro lançado pela editora Perspectiva, Crisantempo, O volume vem acompanhado de um CD trazendo o poeta recitando peças-pétalas de sua coletânea. 

"Quem tem medo de Haroldo de Campos?'' A frase-questão é de J. Guinsburg na apresentação de Crisantempo (Perspectiva, 1998), mais recente livro do poeta, crítico, ensaísta, tradutor, transtradutor e inventor Haroldo de Campos. melhor caberia a seguinte frase: O que temer em Haroldo de Campos?

O temor pode estar na velocidade de uma produção crítica e poética tão prolífica e inquieta, sem quase dar tempo nenhum para respirar. Ou mesmo na sua desconsertante capacidade de ver poesia aonde até então não se via - Hegel, Euclides da Cunha. Porém, o que se tem a temer em Haroldo de Campos é o fato de seu nome estar diretamente associado à palavra Concretismo, esse duro termo, rígido signo que deixou um rastro de construção/destruição e incógnitas na poesia brasileira desses últimos trinta anos. Um assombro que delimitou (ou pelo menos pretendeu) a poesia daqui, amado por muitos; odiado por outros milhares; referência e objeção.

Mas Crisantempo, livro de poemas, está longe do concretismo militante, do experimento verbi-voco-visual manifesto pelos ``de campos e espaços''. Não cabe nesse volume de crisântemos poéticos a explosão e dispersão sígnica e construtiva daquele concretismo. Não há mais tempo para isso e o próprio Haroldo já anunciava que, desde suas Galáxias (1984), que ele não assinava mais como um poeta concreto. Deixemos de coisa, não há mais o que temer. A experiência de ``concretude da linguagem'' agora está dentro do texto e não grita aos olhos como antes. A construção está implícita tanto no verso de veias dircursivas quanto no verso da brevidade.

Crisantempo caracteriza-se por ser um resumo da ópera-obra de tradução e crítica a que Haroldo de Campos esteve dedicado todos esses anos. É a tradução e a ensaística influindo e fluindo na sua poesia. Seguindo a cartilha da ``Weltliteraktur'' goethiana, uma espécie de ``globalização'' da poesia, formação de um cânone possível (e impossível) que congregue as melhores expressões da ``linguagem carregada de sentido'', o poeta-crítico embrenhou-se numa pesquisa/tradução por universos distintos e dispersos pela tradição poética do ocidente e oriente. Traduziu partes da Bíblia, passando pelos gregos, latinos, românticos, modernos, orientais, estruturou o que havia de poético em determinadas prosas. Crisantempo reflete as experiências do poeta-crítico, uma reverência a quem ele leu, ouviu, conviveu. Seu novo livro é uma tentativa de aproximação da sua poesia com a poesia de outrem. Uma contaminação total com as substâncias a que teve contato. Versejar como Dante, como os latinos, como escriba hebreu ou pintor de ideograma zen. Tudo é possível para Haroldo de Campos. Ou tudo é pretensão?

As possibilidades estão presentes em Crisantempo, como também belos poemas. Exemplo de ``túmulo em gichu-ji'', poema de "Y–gen: caderno japonês'', melhor fração do livro? o verde amarelece/ curvo/ sobre a pedra polida/ inscrita// flores saem de/ copos de/ bambu// (no campo árido/ borboletas ainda/ sonham)/. Comprova também como Haroldo controla os componentes de cada tipo de poema, seja oriental, límpido e sintético, ou com moldes dantescos.

O x da questão em Crisantempo é que um bom exercício poético esgarça-se num conceito que pode parecer gasto: o da reverência. O livro trata de uma declaração poética a um câncer tantas vezes lido e revisto na prática crítica e poética de Haroldo de Campos. Seu passeio pelas literaturas globais soa redundante. Uma tour poética vista e revista por quem acompanha seu trabalho. Crisantempo não instiga, seduz ou assombra como a obra anterior de Haroldo de Campos. É apenas uma declaração às suas leituras - muito bem feita, é claro -, mas sem a capacidade de impressionar como antes. O melhor em Crisantempo está no CD encartado ao livro. Aproximar-se da poesia de Haroldo de Campos - sem temor -, pela oralidade.


 

Crisantempo - Livro de poesias de Haroldo de Campos. Editora Perspectiva, 1998; 378 páginas


 

POEMAS

call me ishmael

para Júlio Bressane

1. o silêncio piramídeo da baleia branca

2. a íris cinza do seu olho albino

3. no urso polar a pura crueldade arde como uma tocha de tão cândida

4. o albatroz recicla no seu mapa de vôo a crista de icebergs regelados acho que pensa ensi- mesmado: o branco (acho que pensa) e voa nesse espanto
 

ryoanji

o silêncio ajardinado

sussurra um koan de pedra

caligrafado na areia

são dorsos de tigre estes que assomam na escuma da areia branca?

quinze pedras mas você nunca as vê todas

imaginar as que faltam
 

ideoplastia

carmen faz um gesto de porcelana ming

o universo pára pacificado na curva do seu dedo mínimo  

 

 

Página de Haroldo de Campos

Carlos Augusto Lima

Culpa

Um cronômetro para piscinas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Albrecht Dürer, Mãos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Carlos Augusto Lima

 

O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil

21.10.2003

 

Longe do
óbvio silêncio


Práticas de Extravio é por isso leitura de discreto estranhamento. Longe de certezas, frases de efeito redentor, conclusões e afins

Carlos Augusto Lima
Articulista do Vida & Arte


Ainda há muito o que dizer do mundo. Palavras novas a descobrir, um termo para fazer uso, informações, turbilhão de códigos, signos a perder de vista. Palavras, palavras. Uma estridência, barulho, multidão que vocifera. Ao mesmo tempo e no agora a incapacidade de dar conta de tudo o que se diz. Ao mesmo tempo um palavrório de tolices reverberando fundo, a apoteose e o gosto pela picuinha, o disse-me-disse. Há quem se agrade e viva disso, divirta-se. Coitado. Daí que as brechas despontam, um vácuo, inundação de impossibilidades e no meio dela: silêncio. O melhor dos remédios, muitas e muitas vezes: silêncio. Um conselho mal dado, equivocada opinião, sugestão, incorreto comentário, um ímpeto, movimento em falso. O discurso deste tempo, agora, é vacilante, desconjuntado e, na tentativa de dizê-lo, sacam muitas das vezes a conversação do óbvio, o de sempre. É vastidão de conversa que não dá conta de desvendar os discursos do lugar e do que se vive (ou tenta) hoje.

É com o pulso de ir além, parecendo vasculhar variadas falas e conversações, das mais íntimas às mais públicas, é nesta tentativa de desvendar que passeia a poesia do recente livro de Júlio Casta¤on Guimarães, Práticas de Extravio (7 Letras, 2003). Casta¤on distancia-se da elocução de viés cabralino, do caráter descritivo de sua escritura até Matéria e Paisagem, seu penúltimo livro, ainda de 98. Parece ir ao encontro agora de uma poética assombrada por um inacabado de falas, frases que se montam como de passagem, interrompidas e incompletas. Há um discurso de apostas, de tentativas (muitas frustradas). Algo a se dizer que não precisa, não distingue com exatidão o que quer ou pode ser dito. Não há um achado, muito mais um registro. E tome estranhamento com uma escrita que parece não principiar, de passagem; tampouco finda, não resume, inconclusa. Nem necessita. Um entroncamento proposital. Há de ser o leitor a buscar sentido? Duvido.

Densa é a mostra das coisas. Há gestos de monte e imagens que encobrem. Possível desvendá-las? Este é um mundo de rapidez, veloz, e o alheamento é prática, as imagens adensadas se extraviam; as coisas todas: tão brutal a matéria/ ao excurso do olhar/ que a impossibilidade/ de qualquer imagem// pois o adensamento/ (cores e formas se desfazem)/ que sobre o suporte/ obstrui por acúmulo (...). Tudo se posta anuviado, seja por excessos, delírios, barulho, reverberações e, de novo, estridências. Essas ocorrências excessivas sempre elevam os poemas a denunciar uma impossibilidade de falar e lidar com as coisas com nitidez, pois há sempre quebras, choques, atritos: (Sinais) O que resta diante do que, avesso, toma o centro e aos poucos vai impondo pela mobilidade o bloqueio das articulações? Talvez o recurso a uma rede de imagens, na expectativa de que pelo menos desencadeiem um processo razoável de insinuações e suposições. Sem deixar de levar em conta que para avanços incisivos podem ser produtivos certos atritos. Como o das coisas em si. (...).

O espanto e a inércia diante das coisas em si provocam um silêncio fundo. Silêncio como um limite, súbito arrepio, como Friagem: (...) Do escuro então lhe passou pela pele, num raspão, algo como uma palavra remota. O fundo da alma inundado pela friagem da noite, seu espanto de silêncio. (...). Este silêncio é registro, urgente, de que (e ainda mais hoje) há limites muito sensíveis, longe do discurso óbvio e cotidiano. Os poemas de Júlio Casta¤on mergulham num desenrolar de falas e imagens, ou na impossibilidade das mesmas, para mostrar saliências no dizer e mostrar. Uma linha fronteiriça para a própria poesia?

Práticas de Extravio é por isso leitura de discreto estranhamento. Longe de certezas, frases de efeito redentor, conclusões e afins, o livro move-se desenvolto entre o poema e a prosa poética, desocupando-se da obrigação da experimentação, onde o discurso constrangedor, de impossibilidades, provocador, buscando a ciência dos limites, já projeta e constrói, por si, uma escrita madura e original. Uma escrita de um falar que se atrita e cala.

Quantas e quantas já não nos confrontamos com esses atritos? O fracasso do elogio, da cortesia ou da ajuda. O não falar do outro que tanto esperamos. O confronto do convívio na cidade. Um entrave, vacilante paralisia. Voz que falha, palavra que também não é possível. Dizer que se extravia. Por sorte, há sempre um poeta de plantão.

Carlos Augusto Lima é mestrando em Letras/UFC
carlosaugustolima@hotmail.com

 

SERVIÇO:
Práticas de Extravio - Júlio Castaon Guimarães. 7 Letras. 66 páginas. R$ 15,00.

 

Carlos Augusto Lima

Maria Maia

Régis Bonvicino

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Albrecht Dürer, Mãos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Carlos Augusto Lima

 


 

O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil

15.9.2003

 

 

Atentado da impessoalidade

 

Semana passada, a Internet divulgou e muita gente saiu por aí para marcar o 11 de setembro com um atentado poético. Mais uma atitude antes de tudo impessoal, fria, onde o ser humano se recusa a conhecer seu semelhante.

Em terra de cego, quem tem um olho é gênio, mesmo sem ser. E muito esperto. Maninho desocupado, iluminou com algo pra se divertir; o outro, segue alegre como nunca, acha bárbaro, maneiro, só falta alguém muito sabido pra teorizar em cima do grande achado, um nada, sem além, nem profundidade. Mas valeu, em época de vazio, quem chega primeiro é rei.

Me apego no ditado só pra exemplificar que, na mesma proporção que ergue coisas belas, institui alguma facilidade e constrói, a rede mundial de computadores tem servido para propagar aos quatro ventos uma pecha de bobagens das mais variadas e inúteis. Antes era uma corrente, de santo ou de grana, uma estatística maluca ou pesquisa de alguma universidade escusa sobre coisas do dia-a-dia, que quase sempre nos alerta, mas óbvio, nunca seguimos. Tudo muito tranqüilo e inofensivo, na medida em que se esgarçava na indiferença, soçobrando com o gesto implacável do polegar sobre a tecla DEL. Agora a nova onda é tomar as ruas de assalto, na atitude, na rebeldia, é encontrar os outros anônimos em bando, nas ruas, poses e gestos estranhos em poucos segundos, assustar, impressionar os desavisados, a massa mecânica e alienada da cidade e bater em retirada, assim como chegou, anônimo, em silêncio, quase sem olhar para o outro. E só. E só? É claro, não tem mais por quê, e nem pode, nem precisa. Só há uma constatação: o vazio. A rebeldia do vazio, a contestação do nada. Sintoma mesmo, deste tempo, o nosso, onde as coisas pensadas na dimensão do instantâneo são engolidas por ele, absorvidas pelo esquecimento ou pela chegada de outra grande novidade, e ir atrás de outra rápida idéia brilhante, outra grande bobagem. Quem tem um olho... é verdade.

Semana que passou deixou o registro de um outro desses ''atentados'', dessas tentativas inócuas de rebeldia, se é este o caso. Pela rede, a mensagem ordena: largue algum bom livro, desses que te encantaram, ou mudaram sua vida, nalgum lugar público (banco de praça, cesto de lixo, assento do ônibus) para ser achado por outro, por um anônimo. Protesto pacífico para lembrar o fatídico 11 de setembro de 2001. Daí que, puxando cá para o meu lado, já que se tratava de livros e leituras, ou possibilidades delas, topei nesse caso, e não propriamente sobre o tal atentado, mas a partir da idéia, com algumas possíveis questões, quem sabe, sobre perder livros por aí. Da fronteira disso, olhando para cá, nosso umbigo, dos limites que o gesto coloca sobre o ato de ler, de ofertar leitura, e das fronteiras entre uma ótima idéia e uma grande tolice.

O motor do ''atentado poético'', reconheço, tem méritos. Resposta à barbárie com uma delicadeza. No entanto, penso, e isso de maneira muito particular, nas distâncias deste país, não só geográficas, mas materiais, espirituais, para se tomar esse ''atentado'' com algum peso, solidez, como algo de importância, por que a leitura mesmo, de muito não tem importância num país como este. País de uma massa iletrada e, de outra massa maior de letrados que não toleram sequer a idéia de gastar alguns tostões com essa inutilidade chamada livro. País de abismos tecnológicos, só lembrando a ridícula quantia de pessoas que dispõem de internet em casa. Mundinho pequeno esse nosso.

Fora esses velhos problemas de ordem prática, conhecidos, vizinhos, me vem a idéia também de como a literatura se desloca dessas atitudes, uma vez que, ao objeto a ser largado, coloca-se a função de ter mudado a vida de alguém. Pois, acredito, que a literatura não se move, nunca teve como propósito, com a incumbência de modificar a vida de seu ninguém. A literatura é, na verdade, um embate duro e certeiro com a nossa humanidade, ou com o que resta dela aqui por dentro. As conseqüências desse embate são as mais imprevisíveis, os efeitos colaterais são variados. Tudo para o bem, o mesmo tanto para o mal. Fiquei curioso com o tipo de leitura que circulou. Algum manual para salvar a nossa pele?

Pois bem, o leitor já foi encontrado e a ele o livro se oferta, se derrama na entrega, sem evento, sem alarde, de maneira discreta e íntima. O atentado da leitura já se realiza em você mesmo, antes de se imaginar em largar o livro por aí numa esquina, o que, aliás, me faz lembrar mais uma vez certa obsessão em se reforçar o culto do anônimo, do desconhecido, do vazio. Triste constatação de um mundinho, este, incivilizado e arrogante, mergulhado num enclausuramento de cabina do automóvel, apavorado, nervoso, fustigando o outro que se aproxima. Aquilo é um aceno, ou socorro?

Veja como é cômodo eu não me identificar. Não entro em contato, não me aproximo, não vejo para quem eu oferto meu objeto, não aproveito para conhecer alguém. Daí que fiquei com a impressão de que o ''atentado poético'' pareceu carregado de uma gentileza incompleta, traduzida numa dedicatória a um alguém distante e impessoal. Ora, se o grande barato de ofertar o livro a alguém é olhar seu olhar curioso, surpreso ou emocionado. É poder rabiscar palavras bonitas pra quem você quer bem e ver no outro, perceber, uma vermelhidão, umidadezinha que seja, mesmo na aparente dureza do olhar amigo. Também comentar o livro que leu, discutir, trocar idéias, questões, por mais vagas e absurdas. Que sejam.

De boas idéias a lixeira do meu computador está cheia. Espero a nova grande sacada genial, moderna e contemporânea. Não precisa ser ousada, basta ser simples. O melhor e mais poético dos atentados pode estar na simplicidade do olhar e do abraço. Não precisa soltar livros por aí, até por que esses objetos merecem respeito, são delicados, uma tecnologia ainda hoje sofisticada e eficiente. Não precisa ser ato datado, pode ser cotidiano, diário, uma gentileza, um cuidado. Pode começar seu atentado com alguém de casa, na mesa do café da manhã ou do jantar.

Difícil, não? Eu sabia, foi de propósito. 

 


Carlos Augusto Lima é mestrando em Letras/UFC
carlosaugustolima@hotmail.com

 

Carlos Augusto Lima

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova. 1864.

Manoel Ricardo de Lima, 2003

 

 

 

 

 

18.3.2012