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Diego Vinhas

vinhas@secrel.com.br

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Do autor: ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Sobre o autor: fortuna, notícia & resenha: 


Alguma notícia do autor:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

 

Albrecht Dürer, Mãos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Rinaldo e Armida

 

 

 

 

 

O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil

[19.1.2005, Vida e Arte]

Carlos Augusto Lima


 

CRÍTICA
Alguma coisa deve ser dita
Carlos Augusto Lima
Articulista do Vida & Arte
Carlos Augusto Lima


Antes de qualquer possível comentário, uma boa dose de memória, alguma coisa que deve ser dita. Lembro que, pelos princípios da década de 90, reuniu-se um grupo de jovens poetas aqui da cidade com nome de forte em torno de uma publicação, quase mítica, chamada Almondegário de Poesia. Entre os daqui, alguns nomes como os de Alexandre Barbalho, Manoel Ricardo de Lima, Paulo Fraga, Lira Neto, Ruy Vasconcelos, este último, grande e importante referência para o grupo. Havia, importante lembrar, duas vertentes de necessidade que moviam a publicação. Primeiro, apontar um diálogo com a produção contemporânea, uma discussão escassa na cidade até então, colocando uma mostra de autores pontuais que enviaram textos, poemas a serem publicados na revista. Entre esses autores Armando Freitas Filho, Carlos Saldanha, Arnaldo Antunes, Frederico Barbosa e outros. Segundo, mostrar uma possibilidade de discurso poético feito por aqui, que não descambasse mais, ou tão somente, para o binômio boemia de Iracema-regionalismo tardio, mas apontasse para outras questões, contaminada com a combinação entre o discurso auto-expressivo, herança da geração 70 e, ao mesmo tempo, com a preocupação por uma retomada da formalização da linguagem, muito presente na década de 80.

Belo projeto este da revista, engolido, porém, pelos percalços da burocracia da cultura estatal, das promessas não cumpridas e, simplesmente, da falta de grana. Dos que tocaram a idéia original, alguns mantiveram uma trilha, um trabalho com a literatura, com a pesquisa disso que pode vir a ser poesia, seja publicando, seja atuando na academia, enquanto outros se espalharam entre o jornalismo, a publicidade e o mercado editorial, ou o silêncio.

Toco nessas lembranças muito menos em tom saudoso e muito mais como constatação de que alguma coisa, algum trabalho em matéria de poesia passava a se firmar por aqui, com coerência, pensamento e firmeza de posições, e que esse trabalho passara a dialogar diretamente com o que se produzia em torno dos eixos culturais, mesmo que à distância e às escondidas do público local, e com a muito feliz constatação de que muitos projetos tocados a partir da Almondegário de Poesia ramificaram-se e gerariam outras boas e novas idéias para a cidade.

Todo esse preâmbulo entre memória e constatação, na verdade, era para tentar pensar como a poesia do poeta cearense Diego Vinhas, estreando em livro recente, Primeiro as coisas morrem (7 Letras) dialoga - mesmo sem saber, ou sem reconhecer, ou muito inconscientemente, ou mesmo em silêncio - com todo um projeto que se desenvolvera na década de 90 nesta cidade. Pensar e dizer que a poesia de Diego, com seu livrinho magro (21 poemas), bonito, talhado à condição do essencial, do publicar o que basta, é provocadora de uma tensão com o antes, com o que foi dito. Mas vale ainda dizer, e é preciso que se fique bem claro, pois o mal entendido caminha sempre a passos largos, que essa tensão é de uma riqueza tamanha, e que a poesia de Diego sobreleva-se ainda em muito à produções provincianamente respeitadas ou às poéticas dos rancores, tão exercitadas neste lugar. Pois interessa muito mais a Diego o que a poesia tem de exercício, de desdobramento de sentido, de estranhamento e pensar.

Elipses, jogos sintáticos, poder de síntese, grafismos, desvios. Primeiro as coisas morrem revela uma necessidade de domínio do ''Como Dizer''. Diego Vinhas já optou sobre como não quer dizer, sobre o que não quer fazer. E esse sentido do negativo, se pensarmos no muito que se escreve de poesia neste lugar, é de um tremendo valor, de uma tremenda deixa para outro passo, um outro lance de escadas, em ascese, claro, na poesia de Diego: O Que Dizer. Mas aí já é um outro tempo. E certamente sua poesia criará novas tensões (nunca deixá-las, é importante que se diga!) com um tempo que é seu, para dentro, com uma calma, para uma experiência sua transfigurada em linguagem.

Penso que a poesia de Diego Vinhas (assim como a de Eduardo Jorge, outro novíssimo e ótimo poeta daqui, já resenhado neste espaço por mim) aparece como um arejamento, uma brecha de ar nesse abafamento, assim como fora o projeto Almondegário de Poesia, quinze anos antes, e talvez no hoje, o ainda mais importante presente desta cidade. A corrente continua, contínua, soprando, um ou outro aroma diverso. É só por o rosto na janela.


[ Carlos Augusto Lima é mestrando em Letras/UFC. carlosaugustolima@hotmail.com


SERVIÇO:
Primeiro as coisas morrem. De Diego Vinhas. Editora 7 Letras. 57 páginas



TRECHO:

DE UM CALENDÁRIO

as coisas, depois, têm o tamanho da bagagem.
cada uma sabe o peso das alças, a medida do que
escorre. E comungam, além do instante e das
coordenadas, a dose de um tédio que rumina e
aprende a doer,

depois.

primeiro, as coisas morrem.

( Diego Vinhas )

 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

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28.06.2005