| 
      [19.1.2005,
            Vida e Arte] Carlos
            Augusto Lima 
  CRÍTICA Alguma coisa deve ser dita
 
 
              
                | Carlos Augusto Lima Articulista do Vida 
                        & Arte
 |   |  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Antes de qualquer 
                        possível comentário, uma boa dose de memória, alguma 
                        coisa que deve ser dita. Lembro que, pelos princípios da 
                        década de 90, reuniu-se um grupo de jovens poetas aqui 
                        da cidade com nome de forte em torno de uma publicação, 
                        quase mítica, chamada Almondegário de 
                        Poesia. Entre os daqui, alguns nomes como os de 
                        Alexandre Barbalho, Manoel Ricardo de Lima, Paulo Fraga, 
                        Lira Neto, Ruy Vasconcelos, este último, grande e 
                        importante referência para o grupo. Havia, importante 
                        lembrar, duas vertentes de necessidade que moviam a 
                        publicação. Primeiro, apontar um diálogo com a produção 
                        contemporânea, uma discussão escassa na cidade até 
                        então, colocando uma mostra de autores pontuais que 
                        enviaram textos, poemas a serem publicados na revista. 
                        Entre esses autores Armando Freitas Filho, Carlos 
                        Saldanha, Arnaldo Antunes, Frederico Barbosa e outros. 
                        Segundo, mostrar uma possibilidade de discurso poético 
                        feito por aqui, que não descambasse mais, ou tão 
                        somente, para o binômio boemia de Iracema-regionalismo 
                        tardio, mas apontasse para outras questões, contaminada 
                        com a combinação entre o discurso auto-expressivo, 
                        herança da geração 70 e, ao mesmo tempo, com a 
                        preocupação por uma retomada da formalização da 
                        linguagem, muito presente na década de 80.
 
 Belo 
                        projeto este da revista, engolido, porém, pelos 
                        percalços da burocracia da cultura estatal, das 
                        promessas não cumpridas e, simplesmente, da falta de 
                        grana. Dos que tocaram a idéia original, alguns 
                        mantiveram uma trilha, um trabalho com a literatura, com 
                        a pesquisa disso que pode vir a ser poesia, seja 
                        publicando, seja atuando na academia, enquanto outros se 
                        espalharam entre o jornalismo, a publicidade e o mercado 
                        editorial, ou o silêncio.
 
 Toco nessas lembranças 
                        muito menos em tom saudoso e muito mais como constatação 
                        de que alguma coisa, algum trabalho em matéria de poesia 
                        passava a se firmar por aqui, com coerência, pensamento 
                        e firmeza de posições, e que esse trabalho passara a 
                        dialogar diretamente com o que se produzia em torno dos 
                        eixos culturais, mesmo que à distância e às escondidas 
                        do público local, e com a muito feliz constatação de que 
                        muitos projetos tocados a partir da Almondegário 
                        de Poesia ramificaram-se e gerariam outras boas 
                        e novas idéias para a cidade.
 
 Todo esse 
                        preâmbulo entre memória e constatação, na verdade, era 
                        para tentar pensar como a poesia do poeta cearense Diego 
                        Vinhas, estreando em livro recente, Primeiro as 
                        coisas morrem (7 Letras) dialoga - mesmo sem 
                        saber, ou sem reconhecer, ou muito inconscientemente, ou 
                        mesmo em silêncio - com todo um projeto que se 
                        desenvolvera na década de 90 nesta cidade. Pensar e 
                        dizer que a poesia de Diego,  com seu livrinho magro (21 
                        poemas), bonito, talhado à condição do essencial, do 
                        publicar o que basta, é provocadora de uma tensão com o 
                        antes, com o que foi dito. Mas vale ainda dizer, e é 
                        preciso que se fique bem claro, pois o mal entendido 
                        caminha sempre a passos largos, que essa tensão é de uma 
                        riqueza tamanha, e que a poesia de Diego sobreleva-se 
                        ainda em muito à produções provincianamente respeitadas 
                        ou às poéticas dos rancores, tão exercitadas neste 
                        lugar. Pois interessa muito mais a Diego o que a poesia 
                        tem de exercício, de desdobramento de sentido, de 
                        estranhamento e pensar.
 
 Elipses, jogos 
                        sintáticos, poder de síntese, grafismos, desvios. 
                        Primeiro as coisas morrem revela uma 
                        necessidade de domínio do ''Como Dizer''. Diego Vinhas 
                        já optou sobre como não quer dizer, sobre o que não quer 
                        fazer. E esse sentido do negativo, se pensarmos no muito 
                        que se escreve de poesia neste lugar, é de um tremendo 
                        valor, de uma tremenda deixa para outro passo, um outro 
                        lance de escadas, em ascese, claro, na poesia de Diego: 
                        O Que Dizer. Mas aí já é um outro tempo. E certamente 
                        sua poesia criará novas tensões (nunca deixá-las, é 
                        importante que se diga!) com um tempo que é seu, para 
                        dentro, com uma calma, para uma experiência sua 
                        transfigurada em linguagem.
 
 Penso que a poesia 
                        de Diego Vinhas (assim como a de Eduardo Jorge, outro 
                        novíssimo e ótimo poeta daqui, já resenhado neste espaço 
                        por mim) aparece como um arejamento, uma brecha de ar 
                        nesse abafamento, assim como fora o projeto 
                        Almondegário de Poesia, quinze anos antes, 
                        e talvez no hoje, o ainda mais importante presente desta 
                        cidade. A corrente continua, contínua, soprando, um ou 
                        outro aroma diverso. É só por o rosto na janela.
 
 
 [ Carlos Augusto Lima é 
                        mestrando em Letras/UFC. carlosaugustolima@hotmail.com
 
 
 SERVIÇO:
 Primeiro as 
                        coisas morrem. De Diego Vinhas. Editora 7 
                        Letras. 57 páginas
 
 
 TRECHO:
 
 DE UM CALENDÁRIO
 
 as coisas, depois, têm o tamanho da 
                        bagagem.
 cada uma sabe o peso das alças, a medida do 
                        que
 escorre. E comungam, além do instante e das
 coordenadas, a dose de um tédio que rumina e
 aprende a doer,
 
 depois.
 
 primeiro, as 
                        coisas morrem.
 
 ( Diego Vinhas )
   |