Sebastião Uchoa Leite

Uma traição (o sobrinho)


"Vou sentar-me" — falei —
"Para conversar melhor"
Ato contínuo
Chamou a assistente
"Você é um traidor" eu disse
Riu
Isso não é o som e a fúria
Ri também
Estive só por vários fios
E acordei nesse aquém

 

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Sebastião Uchoa Leite

Vigília sonora


Aplicou-me um indutor
Na veia
Embora eu pedisse água
Veia crê em soníferos?
Insônia eletrônica
A noite toda
Uma insônia bípica
"Ao menos não me assassinaram"
Cintilei às cinco
No êxtase lúcido da vigília

 

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Sebastião Uchoa Leite

As irmãs


Indagou se eu a reconhecia
Que era sério
Concluí breve
Vieram do Recife as duas
Uma é sólida
Transmite matéria densa
A outra é insólida
Escala nuvens etéreas
A terceira é uma faísca
Elétrica. Vivo
"Na macia atmosfera do mundo da mulher"

 

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Sebastião Uchoa Leite

Outros passeios


Corredores claros: ensaios
Um deles cai no berçário
Uma das irmãs
Leva o soro erguido alto
Andar leve
Banhos de rosa Kitsch
Respira-se a luz
Mas por ali eu não vou
É um no way out
Retorno em torno
E "porque não espero voltar jamais"
Olho o sol lá fora

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Sebastião Uchoa Leite

Duas camas


O ar cotidiano noturno
Envolve-me em fios
Sonho com os subúrbios de Manhattan
Estremunhado e úmido
Desço os degraus às 7
Vou para o sofá baixo
Janelas para o sol matinal
"Ilumino-me de imenso"
Sem o anti-sol
Da alto cama isolada

 

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Sebastião Uchoa Leite

Círculo


Uma senhora de óculos
Fita infindável
Os dois fios pendentes
Uma jovem doce
Como um suspiro
Pega no meu pulso
Outra senhora
Tapota as minhas costas
Após tantos circuitos
Voltam os passos leves

 

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Sebastião Uchoa Leite

Insônia Respiratória


Antes nunca
Ouvira o invisível poema
Do respirar: não
Ouvira nada
Só o silêncio dos órgãos
Mas o segredo da vida
Era isso
Quando ninguém
Se lembra do corpo
Que de fato
É feito da mesma matéria
Do sono

 

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