Um cronômetro para piscinas

 

"Nisto a Arte, meu caro senhor monge Jorge!
Porque só a Arte tem o legítimo poder
de transformar o puro em imundo; o imundo em sagrado.
Onde se lia o Mal, leia-se o Bem!"

Um instante só de minha distração, e Alídio, o comerciante, dizendo-se cliente do Coronel, contou a história do próprio pai, um matuto muito trabalhador, valente e cheio de mulheres, lá das brenhas dos sertanejos, perto de Arapiraca.

Contou que só de mulheres com o nome de Vera, o pai montara casa para três, novas e bonitas, mas havia outras, com outros nomes, uma infinidade de Marias, Antônias e Franciscas.

Patativa do Assaré
Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré

Um dia, ele desconfiou que uma daquelas Veras o traía. Fez que ia de viagem e foi, mas voltou antes do fim do caminho, a ponto de chegar no romper da barra. Buzinou e focou a luz da camionete bem em cima da casa. Só deu tempo ver, bem ligeira, a janela do oitão lateral abrir-se como se fosse uma lufada de vento ao contrário, e, no seu rastro, a pernada do cabra. Um corisco teria sido mais lerdo, fugindo, seminu, para o matagal, o cabra. Dois tiros rápidos, do pai, mas não acertou nenhum.

Então, súbito, na sequência da pernada, surgiu, na janela, um rosto na direção do cabra, fugindo. E voltou-se, em rosto, bem na direção aos tiros...

Monalisa

«Meu filho — assim me disse meu pai —, era um olhar tão doce e gentil, que, imediato, lancei-lhe a desistência. Sim, acho que ela me viu. Era contra os faróis do carro, mas era a favor da luz do Sol, que acabara de nascer. Viu, sim! Ela me viu! A Vera, de remorsos, olhando só para mim! O problema, meu filho, e por favor repare nos seus irmãos pequenos, é que o terceiro tiro já havia sido disparado. Bem no meio da testa — e se benzeu —, lá nela».

O comerciante prosseguiu, baseado no que lhe dissera o pai:

— Ela, ali, pelo lado de dentro da casa, ciscando como uma galinha quando a gente lhe puxa o pescoço. As crianças acordando e chamando pelo nome dele, pai, a Verinha e o Francisco; e pelo dela, mãe, o nome. Já estão crescidinhos, sabem ler e escrever, mas não esquecem. Dizem que não perdoam, mas o pai faz de tudo pelos pequenos. Eu também faço, são meus irmãos, só de pai é certo, mas são.

Feito

— ?

— Contei essa história ao Coronel quando fui-lhe pagar uns honorários de outra questão e lhe levei de agrado um pacote de castanhas torradas. Ele abriu um uísque e tomou três cálices, sorvendo-os, na ponta da língua, sem gelo, sem nada, como quem toma chegada de um vinho raro.

— ?

— Não, nunca vi ninguém beber daquele jeito! Não era emborcando o copo de goela abaixo. Era assim, de leve, na ponta da língua, debicando com muito cuidado, mas rapidamente tomou três cálices e comeu meio prato de castanhas torradas na manteiga, com sal. Nunca vi ninguém beber uísque em cálice. Ele insistiu comigo, mas eu não estava bem da gastrite.

— ?

— Agora, essa história de que a finada se virara para meu pai justamente para levar o tiro bem no meio da testa, lá nela, e que os olhares se haviam cruzado, isto quem inventou foi ele, o senhor Coronel.

— ?

— Sim, ele mesmo, o Coronel! A história que eu havia contado era bem simples. Meu pai havia errado os tiros no cabra, mas acertou um na testa de Vera. Mas assim que terminei de contar, aliás, à medida que eu ia contando, ele botava esses enfeites de que ela olhara primeiro para o cabra, depois na direção de onde vinham os tiros. Também o lance da aurora, das luzes se cruzando, da camionete e do Sol, ele que inventou. Confesso que fiquei muito emocionado, sobretudo com isto de o senhor Coronel dizer que meu pai a perdoara. Acho difícil, meu pai é um homem brabo, do sertão.

— ?

— Mas, pensando melhor, talvez o senhor Coronel esteja certo. Meu pai não pode falar no nome dela que já começa a tossir. E, com pouco fica vermelho. Sei não, talvez ele, naquela hora, fosse perdoando com uma mão e atirando com a outra...

— ?

— Perdoou, sim, tanto que não mandou matar o cabra, o que é de lei, lá, dando-lhe tempo para fugir para um seringal do Acre. Depois, meu pai disse a um parente do cabra que ele podia voltar, como de fato voltou, e ambos rezam, sem se cumprimentar, é claro, no túmulo da finada, mas quem chega por último espera que outro termine.

— ?

— Depois de comer as castanhas, aliás, comendo-as e falando, o Coronel me garantiu que o homem valente é aquele que anda desarmado. Pediu meu revólver. Eu entreguei. Ele disse que daria fim nele... acredito que tenha dado.

—?

— Então, ele mandou um abraço para o meu pai. Mandou a senhorita estagiária comprar dois presentes para as crianças, os filhos da finada, meus irmãos de pai.

—?

— Sim, ele me deu um presente: um cronômetro de piscinas que eu nem sabia como funciona, mas ele ensinou.

—?

Feito

— Ele me disse: «Alídio, em qualquer aflição, acuda-se deste cronômetro. Marque o tempo que quiser e repare no ponteiro correndo em direção do eterno. Que pode ser morte, que pode ser vida, que a diferença é nenhuma. Quem dirá o lado vencedor será sua mão, sua mãe... Assim, ó!»

— ?

— Ele botou a mão em pé, como quem mede a altura de um porco, virando-a para direita e para a esquerda, lá e cá, à fortuna. Só então me dei conta de quanto é frágil o pender da morte, da sorte.

— ?

— Sim, eu ando com o meu. Na saída passei na loja em frente ao escritório do Coronel, e comprei um cronômetro de piscinas igualzinho para meu pai — disse o comerciante, Alídio.

Ah, meu caro leitor e minha distinta leitora, como se não pudesse existir história mais confusa do que esta, o comerciante engasgou-se com a própria fala. A mãe do Coronel socorreu-lhe um cálice do vinho das paridas. Ele retemperou-se e chispou na mesma carreira em que havia chegado.

Acho que o cabra que saltou a janela da cama de dona Vera — que Deus a tenha! — ficara menos aflito, ainda que correndo das balas no garranchal do sertão, do que Alídio, o comerciante.

O fato inconteste, ali, na frente de todo mundo, é que a história do pai de Alídio, o comerciante, fora remendada pelo Coronel. O monge reclamou:

— Senhor Coronel, esse comerciante contou a vergonhosa história de um triste assassinato. Com que direito o senhor lhe enfeitou a versão, inventando esse lance da troca de olhares? Perdão!? Quem já viu assassino perdoar ninguém?!

Antes que o Coronel respondesse, alguém falou que fora com esses ornatos que ele ganhara a questão do pai do comerciante e, evidente, novos pagamentos, novas castanhas e outros uísques a debicar no cálice.

Sim, eu concordo que a história seca seria algo bruto, mas, com o lance do trágico, da força impossível de atender, mais o lance do perdão — e algum dinheiro do comerciante, é claro —, fora assim que o Coronel lhe soltara o pai.

Não! Não deu para identificar de quem, mas em meio a essas divagações, uma voz, que até desconfio que tenha sido o próprio monge, de ventríloquo. Não será surpresa se tiver sido ele. Ou, quem sabe, tenha sido do Profeta a voz que nos pegou a todos de surpresa:

Feito

«Nisto a Arte, meu caro senhor monge Jorge! Porque só a Arte tem o legítimo poder de transformar o puro em imundo; o imundo em sagrado. Onde se lia o Mal, leia-se o Bem!»

E, numa compulsão terrível, desta vez reconhecido, assim falou o senhor Capitão:

— Só a ARTE, meu caro Bibliotecário Djalma! Só a ARTE!

Eu disse que sim, aliás, nada disse, apenas meneei com a cabeça, e, lá longe, o vulto do comerciante pelas costas.

 

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Este, o 4º capítulo de Poética, um livro vivo, aberto, gratuito, participado e participativo, cheio de comentários que, a rigor — esta, a proposta —, os comentários, mais importantes que o texto comentado: abrir o debate, uma multivisão.

— Livro vivo, como assim?

— Porque em permanente movimento, espaço aberto a quem chegar, tão amplo como o espaço àqueles que aqui estão desde os séculos, todos em absoluta ordem alfabética. Seja bem-vindo!

POÉTICA: Capa, prefácio e índice poemas e poetas comentaristas

 

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Comentários:

ADRIANO ESPÍNOLA: Comecei e não parei mais. A narrativa pega. Mas não é linear, requer releitura; uma estória como se fosse contada por várias pessoas, com várias versões. Início de um romance? Estou na fila para comprá-lo/lê-lo. Se você me mandou um bode, digo-lhe que você é um cabra bom da peste. Sua escritura tem essa característica: pega o leitor, atiça-lhe a curiosidade; é arte que transforma o leitor e a realidade.

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ALEXANDRE FORTE: O poeta, como o soberano antigo, tem dois corpos. Um é mortal, sujeito às contingências humanas; o outro, imoral, para além de toda decrepitude do bem e do mal. O corpo mortal do poeta está sujeito aos vícios e virtudes, passível de cometer e ser vítima do mal e do bem. O corpo imortal do poeta, porque imoral e irresponsável, só conhece da tragédia humana: bem e mal imbricados como dois amantes. O poeta de “Mein Kampf” não pode ser responsabilizado pelos atos do corpo mortal do Führer; nem o poeta da Terra Prometida pode ser responsabilizado pelos saques e atentados ao povo egípcio. Somente despidos da túnica de poetas e, por conseguinte, de profetas, podem ser responsabilizados. No princípio, o poeta, o profeta e o soberano encarnavam o verbo divino. Os atos do ofício divino são irresponsáveis, porque emanados de uma fonte supra-humana. Não por acaso, Platão excluiu os poetas da utopia republicana. Aceitar o poeta como estadista seria introduzir a tragédia na História, excluindo por completo qualquer tentativa racional de distinguir o bem do mal. Não que os poetas sejam incapazes de valorar. Ninguém mais capacitado para dizer o bem do mal e vice-versa. A verdade pura jorra da boca dos poetas. Aos demais mortais resta apenas a relatividade dos conceitos, os limites sensoriais do corpo. O poeta no desfrute da imoralidade é um feiticeiro de alta grandeza. Para além e aquém da sensorialidade, o poeta se faz desbravador do mundo, do universo. O corpo mortal do poeta, no entanto, não resiste a muito experimentalismo. Ao primeiro choque com os limites tetradimensionais se espedaça. Mas, o poeta não pode ser culpado. Goethe não induziu ninguém ao suicídio com Werther. Como poeta, está tocado pelo sagrado. E santos os que pereceram. A perdição do poeta é colocar o corpo imoral a serviço do corpo mortal: os grandes crimes que o digam. O corpo mortal deve estar a serviço do corpo imoral, imortal, reunindo no compasso cósmico – vide Soares Feitosa – as musas regentes da epopeia humana. Somente o poeta que coloca o corpo perecível a serviço daquel'outro tem autoridade para dizer: “O bem é o mal — vestido de bem; e vice-versa”. Afinal, o que é o sumo bem diante da pequenez humana? A única salvação do poeta é a epopeia. A tragédia humana é a argamassa que reúne justos e injustos. Por isso: — A Arte, só a Arte!

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ANA CABREIRA: Mas que coisa é a Arte, não? O senhor vai lá, amontoa umas palavrinhas – aquelas mesmo que, tão comportadinhas na fila do dicionário, nem dão piado – e transforma tudo num rio revolto, aluvião, remoinho, belezura... Tudo tão bonito, tchê! Aí está o que chamo de Arte: aquele estranhamento que agudiza nossa percepção do real. Agora quero mais…

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ANA PELUSO: Tua obra é uma arte. “Nisto, a arte, meu caro senhor monge Jorge! Porque só a Arte tem o legítimo...” Poder da verdade enredada em cantos que o Feitor faz e nela cremos. E lá fui eu crendo na primeira narrativa e quando vi Alídio me aludia a Vera de remorsos, olhando o Pai. Ah, ele me paga, viu, Coronel Feitor? E vais tecendo a história como tear de mentiras, que é o que faz um verdadeiro/bom escritor (e vai saber se das mentiras, algumas verdades?) e quando vemos, levamos uma bela rasteira num “bordado madrigal”. Te ler é ler poesia em forma de conto! E te aplaudo, te beijo e me benzo, porque não é sempre que Djalma, o bibliotecário, entra em cena e se contenta com as interrogações. Ou será, vi demais? O que fará ele com o que viu, ouviu, presenciou e participou (magistralmente bem agarrado sem direito a dizer sim ou não: tascado lá feito testemunha de Salo que vem pra frente, intuo eu), só o próprio Salo sabe. Eu aguardo. E guardo os momentos que vi a vida sendo feita. Ah, Feitor, o que me fazes?! Hoje segue um pedaço de meu coração pra ti. Isso sem contar que dependendo de quem conta uma história, ela pode levar um tipo de recado. E a memória da humanidade anda suja à beça. Apesar dele ter dado o tiro em Vera na cara (exata) dura, eu prefiro imaginar que as luzes que se cruzaram são as culpadas dos dois (in)distintos cavalheiros trocarem a gentileza de se revezarem diante do túmulo da Vera de muitos, casada com o Pai das três Veras e tantas, uma infinidade: Marias, Antônias e Franciscas.

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ANTONIO CICERO: Caro Soares Feitosa, obrigado pelo conto, que é muito bonito e misterioso. Boas festas e um feliz ano novo! Antonio Cicero

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CARLOS FELIPE MOISÉS: Gostei muito da multiplicação de vozes no relato do Alídio, que reconta ao leitor a história contada pelo pai, a mesma história antes recontada, pelo filho, ao Coronel, que teria introduzido alguns acréscimos, e por aí vai. Gostei muito do contraste entre a rudeza dos eventos e a delicadeza do palavreado sutil (Entendi bem?). Se entendi, acho que de confusa a história não tem nada, é até muito simples. A técnica do relato é que é elaboradíssima; como toda boa literatura, não é para leitor qualquer. Taí o que o texto tem (a meu ver) de melhor: induz o leitor a se julgar mais perspicaz do que é. Em suma: beleza pura, o prazer da escrita e o prazer da decifração da escrita.

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CLEBERTON SANTOS: No tom dos “bons e velhos” causos do sertão, sua narrativa é instigante/intrigante, prendendo o leitor ao desejo da leitura e ao desvendamento do episódio que se passa com o comerciante. Traços de lirismo acompanham o fluxo da narrativa. A transformação de uma estória popular pela voz do narrador/clássico em arte ficcional é fabulosa. As interrogações durante o diálogo me chamaram bastante a atenção. Acredito que este recurso deu um efeito de imagem muito representativo para a narrativa (chego a visualizar uma das personagens do diálogo apenas com o ar de interrogação e movimento a cabeça). Bem, desculpe pelas bobagens que acabo de dizer, pelo menos tento ser sincero quando escrevo sobre algum trabalho literário. E quando não gosto, silêncio. Estas são apenas impressões de leitura de um jovem poeta e entusiasmado pesquisador da literatura nacional.

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CLIVÂNIA TEIXEIRA: Grata surpresa numa data especial! Retribuo com todo este calor que toda prosa e poesia possam revelar. É muito bom escrever só para desfrutar de espaços com pessoas como você. Seu texto? Magnífico, criatividade a toda prova de BALA! É para quem SABE escrever e para SORTE dos que o leem. Um grande e fraterno abraço. Clivânia

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DIATAHY MENEZES: Don Francisco: Faz tempo que quero conversar com você! E não encontramos tempo. Passei uns 5 dias a viajar. Enquanto isso, fui lendo umas coisas que me faziam pensar em você o tempo todo. Agora, abro o meu correio e, em meio à pletora de mensagens acumuladas nesses dias de jejum cibernético, encontro esse monumento de narrativa: a história de vida à volta de um cronômetro de piscina! Ora veja: que faz esse muiraquitã num sertão sem água e muito menos piscina? Mas o que me toca é o modo próprio de dizer, algo que, mesmo se não houvesse narrativa, confusa ou de simplicidade banal, este algo nos transportaria ao universo transfigurado por essa estética do inesperado, com seu perdão a posteriori. É a fala que é arte aqui, é ela que tem a força de transmudar o mal em bem, o hediondo em hierofante e assim por diante. Eis por que o Bode preto é belo e sereno!

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EDSON ALVES DAMASCENO: Poeta, o verdadeiro homem é o desarmado! Sua arma é a palavra. A bala do terceiro tiro foi mais rápida que o arrependimento. O pai do comerciante ao alinhar o olhar com o de Vera... Veio o perdão, mas a bala foi muito mais rápida. Poeta, o texto está estupendo, incrível e lindo, comparável aos demais escritos do grande poeta Soares Feitosa.

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ELIZABETH LORENZOTTI: Que bichinho arretado esse seu bode. Achei um tanto difícil de entender no início, mas depois, como sempre, amei. Fiz uma entrevista recentemente com o cineasta Ugo Giorgetti, que entre outras coisas boas filmou “Boleiros”, um filme sobre velhos jogadores de futebol. Ele está terminando um documentário sobre uma usina falida no interior de São Paulo, da família Morganti. O documentário, na verdade, é sobre a capela, que foi pintada pelo Volpi. A indústria está em ruínas, a arte na capela sobrevive. Comentei com ele sua máxima – só a arte fica – e ele disse que você certamente gostaria de ver esse documentário. Eu também acho. Eu acho, como já te disse, que a arte salva, sempre.

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EMERSON DAMASCENO: Espasmos. É essa a conclusão a que chego em meio às divagações noturnas do último dia do ano. As reminiscências do passado me provam de forma insofismável que somos pequenos átimos de luz na história. Percebo que um punhado de anos são somente dias atrás. Fatos acontecidos há algumas décadas parecem-me semanas apenas. Tudo tão vívido e próximo. Imerso nessas reminiscências nostálgicas. Vidas que transcorrem em alguns meses. Frágil tempo, o que dizer-lhe colosso? E nessa ode ao passado morto, tão vivo, eu pensava nesse diletantismo notívago, o que dizer sobre o tempo. Eis que recordo da ímpar poesia de Soares Feitosa, mentor do instigante “Jornal de Poesia” amigo e poeta. Um cronômetro para piscinas, onde percebo que a arte liberta! Talvez mais do que o desabrochar dos grilhões que nos solapam os devaneios. A arte materializa o encontro que não tive, os caminhos que não percorri, este beijo que eu não te dei. Nesse ambiente cujo ilogismo é concreto, o tempo se arrasta sofregamente. Um cronômetro para nossas vidas, o tempo nem sempre rege a razão no que a arte não lhe permite. A arte não cria, apenas materializa ao agregar letras, a dor lancinante do poeta. E dor é também o prazer infinito, como diria Schopenhauer. E percebo que quando o Poeta Feitosa estava a agrupar as letras que deram causa a “Um cronômetro para piscinas”, no alfarrábio de sua escrivaninha, trazia consigo um sorriso nos lábios, murmurando à cumplicidade alguns arremedos que lhe ditava o Coronel, que balançava-se sentado na cadeira de balanço ao seu lado. E quando lhe faltavam palavras era ajudado pelos seus cúmplices de poesia. E vejo que o Poeta fazia do imaginário esse mundo maravilhoso que só a arte liberta. Assim vivemos no Século Cem de Ésquilo. E agora enquanto digito estes últimos suspiros de palavra, o Coronel me chega e brada, açoitado com a paráfrase – eu ousaria chamar licença poética – desautorizada, um plágio esdrúxulo dum fato que nunca se deu, mas antes que puxe o gatilho da Lugger que sacara da bainha dos algozes da cultura, ele sorri com os lábios cerrados e me diz: “É, doutor, só mesmo a Arte, só ela...”.

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ERORCI SANTANA: Feitosa, caríssimo, gostei do conto e do bode. E acho que a gentileza do convite ainda renderá um poema, que vai principiar mais ou menos assim:

“Quando vens ao Ceará?
Tens um amigo aqui: eu.”
E de pronto construí no pensamento
mais esse Paraíso
pra guardar como reserva
no meu vasto coração,
com simplicidade e realeza:
um bode majestoso, um sol ardido,
ao qual chamaram inferno uns flagelados
e uns turistas chamaram arrebol.
Mas Paraíso, sim, que é lugar de eleição:
Um Siarah com poetas Feitosas, Tufics,
Dimas, Florianos, tuaregs,
sustos e suspiros, promissões e rezas,
em que a esperança seja um verso só,
seja um fio d'água no sertão, jangadas,
engenhocas de pau pra marinar
como aquelas talhadas pelos anônimos
homeros de Derek Walcott,
uma palmeira debruçada na marinha
farfalhando sob o vento, uma cantata se elevando
ao céu muito do azul.

Archiabraço amigo do Erorci Santana

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FAGUNDES OLIVEIRA: Exuberante! Há que ter visão dos valores metalinguísticos. Da dimensão das ideias. Do calor vocabular. Do expressionismo sustentador do nível autorial. Na minha linguagem: Esplêndido. Bode deste porte ornamenta minha pasta de guardados-relíquia. Obrigado pela oportunidade-presente E este bode com cheiro de gente, trabalha em que grau? Exuberante! Há que ter visão dos valores metalinguísticos. Da dimensão das ideias. Do calor vocabular. Do expressionismo sustentador do nível autorial. Na minha linguagem: Esplêndido.

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FRANCISCO PERNA FILHO: É, de fato, uma bela “história”, a trajetória de um Alídio, cheio de alumbramentos, dando-se a conhecer pelos remendos da memória de resgate, num magnífico ensaio sobre o fazer ficcional. Reafirmo a sua capacidade criacional e o seu compromisso com as letras, além de apreciar a sua inventividade artística e o seu engenho linguístico.

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GISELE LEITE: Só a arte pode fazer comédia de uma tragédia, ou transformar uma tragédia numa comédia. Gostei muito, parabéns... Você é o melhor contador de histórias que já li... Principalmente pelas entrelinhas...

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HERALDO AMARAL: Sim, você me é caro pelo que a beleza da tua obra me causa – e eu teimo em imaginar tal beleza aparentada contigo, a quem, em verdade, não conheço! Te digo com muita objetividade – já que não há site ou página para você saber de mim: sou meio médico, meio monstro, ou seja, funcionário público – engenheiro sanitarista concursado pela Prefeitura de Divinópolis (MG) – e artista – escritor bissexto, compositor e músico. Componho canções com alguma assiduidade – esse ofício termina por me fazer também algum poeta –, estou preparando um CD e terminei há pouco a revisão de meu primeiro conto, que estou te enviando anexo. Creio que uma obra de neófito mereça quase sempre algum tipo de crítica, do tipo “vá em frente, você leva jeito” ou “desista enquanto isso ainda está entre amigos”. Fique à vontade. Louvo Machado de Assis quando afirma de nada valer sobre o quê escreve um escritor, mas como escreve – estética é tudo. Amo o Ceará, onde estive há dois anos conhecendo Fortaleza e Jericoacoara (passei por tua cidade natal, colada em Fortaleza, não é mesmo?) – seria a Via Catuana a estrada que liga uma a outra? Lembro-me de carnaubais e cajuais sem fim ao longo desse trajeto. Tenho um grande amigo músico que é professor da Escola de Música da UFC. Chama-se Márcio Resende – um saxofonista/flautista genial. Perdi o seu paradeiro, e ando atrás do telefone da UFC para um novo contato – tenho planos de gravar em Fortaleza. Belíssima a estória do pai do comerciante! Contada com um estilo fascinante, ofereceu-me enorme prazer. Prefiro-a, por enquanto, aos poemas – igualmente lindos, de fôlego criativo descomunal – precisamente por saber o quanto tenho ainda que explorá-los, ao passo que a estória já se consumou de pronto, singrando de uma margem a outra no lago brumoso e tranquilo das minhas veleidades matinais desta 2ª-feira modorrenta. Grato por fazê-la melhor!

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IZACYL GUIMARÃES FERREIRA: Só a ARTE, meu caro Feitosa! Só a ARTE, como a sua, seu philosófico cinematógrapho de um sertão maior que o mundo, nos salva da mesmice generalizada ao redor (ressalvadas umas quantas exceções, pois claro). E vai o abraço natalino. Izacyl

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KATIA MENDES: Feitosa, chegou como um presente de Natal. Dia 24, quase meia-noite. O único e-mail do dia. Obrigada pela lembrança, estória, o tempo de se perceber o olhar, o tempo de saber quanto foi dito em tão pouco tempo. Antes do tiro. Coisa da arte da poesia. Coisa de um poeta Noel. Feliz Natal!

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LAETICIA JENSEN EBLE: Li com carinho seu presente (“Um cronômetro para piscinas”), extremamente criativo e que me deixou muito curiosa para ler o resto de Salomão. Não tenho muita experiência em analisar textos, mas me sinto à vontade para tecer alguns comentários que me chamaram a atenção: 1. a presença ideológica machista, tipicamente cultural brasileira, em que o pai de Alídio podia manter relação com várias mulheres ao mesmo tempo e isso era plenamente aceito, porém ao menor deslize de uma delas (Vera), esta mereceu um tiro mortal. E ainda a “compreensão” alegórica e interesseira do coronel com o fato, dá a entender que se fosse ele teria feito a mesma coisa, reforçando a ideia machista. 2. aquele recorrente “— ?” é genial. Abre um espaço em que o leitor se projeta, faz ele mesmo os questionamentos acerca dos absurdos que o comerciante conta. O leitor ali entra e se instala como personagem da cena, é onde ele se identifica. 3. e a citação em que diz "só a Arte tem o legítimo poder de transformar o puro em imundo", aproxima a arte de todos nós. A arte é um fingimento, e nisso todos somos experts. Quem nunca se viu fazendo o mesmo que o coronel? Enfeitando e ornando uma verdade, lhe acrescentando significado em favor próprio? A meu ver essa citação do monge (?) coroou o capítulo e deu um colorido especial ao seu conteúdo, foi o “fecho de ouro”.

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LUCIANO BONFIM: Caro poeta, este bode dá bode... E como existem deles nos sertões de Crateús e Inhamuns. Mas antes, surpresa me causou, e das boas e de vera, não a do coronel, nem a vera nem a surpresa, ao acessar e encontrar e ler as mensagens do/no correio eletrônico, aquele SF, e me surpreendi ainda mais com o pai de chiqueiro... Após a leitura, fico a imaginar, pensar, cogitar sobre o restante, o já existente e o vindouro, do bode, digo, do cronômetro para piscinas, e por passo à frente, no “Salomão” (conto? novela? romance?), aguardo o convite para o lançamento, mas antes deste acontecimento, gostaria de outros pedaços deste churrasco de bode, não amarre o bode... Algumas palavras e expressões, tão nossas, talvez causem estranheza aos de fora ou aos de dentro que estão fora ou que se sentem como tal (O que é ser cearense? É nascer, crescer e padecer por aqui? Ou não nascer por aqui e padecer por causa, a favor daqui? Não apenas padecer, pois isto é muito cristão para o meu (anti)gosto... Indo além, ou aquém, por exemplo, literatura, o que é literatura cearense, a que é feita por aqui e não nos diz nada ou a que é feita “fora” e nos é tão próxima? Não apenas pela geografia ou pela vizinhança ou por ser compadre ou... A sua consegue nos fazer encontrar o Ceará e a sua literatura, “consigo mesma”, é por dentro, sem contudo, mas com tudo. Contudo, não captei, ainda, depois de algumas leituras, por exemplo: a Monalisa integrando o corpo do texto, será ela o resumo de todas as Veras, Marias, Antônias e Franciscas e Zuleicas e Kareninas e Btatvaskis e Bovarys e Lolitas e... De Salomão ou do pai de Alídio ou do próprio, ou do coronel, por que não do monge? Existem tantos escândalos na história, e recentemente então… Mesmo sendo sobre o sertão, ou como você diz “das brenhas dos sertanejos” só me lembrei de G. Rosa, quando te referes ao “garanchal” e a palavra o trouxe a mim,... creio,... que esta voz do texto, é a tua, própria, diria, a tua própria e particular, agora socializada, e como isto me deixa feliz, pois estou farto de pessoas falando com “línguas” que não são suas. Há um trecho, perto do final, quando surge a fala do/de (um) narrador, que não esta claro para mim a sua “intromissão” no texto. Outro, onde estava o monge, até a sua fala? – sobre a fala do monge, questionando o direito do coronel de enfeitar a versão contada, pergunto, para além do texto, ao autor: a religião não suporta a arte? Nem o conhecimento? Neste momento me lembro de Nietzsche no nascimento da tragédia e na Genealogia da moral, mas essa ideia de colocar um personagem modificando dentro do próprio texto o próprio texto é de esbagaçar as bandas, não a do bode. São duas ou mais possibilidades de contar uma mesma história, é uma “oficina”, um ofício, um estudo, Metalinguagem ou meta linguagem e com calma(risos)... lembrei-me de Fantoches do E. Veríssimo, não pelo conteúdo ou pela forma, mas porque eu lembrei mesmo, é isso e só. Não fiz revisão de nada. Neste caso a dispersão e o sentimento trazido pelo texto com método, nestes casos: Bode revisto é cabrito ou cabra, e não é da peste. Soares Feitosa, parabéns pelo seu incansável trabalho em prol da literatura e da vida, e da arte, que modifica a vida e a própria arte e a arte dos gregos..., mas “onde se lia o mal, leia-se o bem!”.

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LUIZ PAULO SANTANA: Li e reli os textos. Reli o poema “Salomão”. O poema é impressionante, é uma vertigem, comparado com a relativa calma, assim mesmo relativa, da prosa de “Um cronômetro...” e “A prova do fogo”. No poema a atemporalidade se destaca como em tempestade: a cada clarão, um tempo, ou mesmo vários tempos, o que relampeia, o que troveja, o que chove, o que corre pelo chão, tudo em fúria. Na prosa a mesma atemporalidade. Mas os ritmos, as velocidades, são diferentes. Ou por outra, viajam em mais palavras. O caminho é mais longo. O fogo atravessando os tempos, desde Prometeu, passando pelos navios negreiros, pela senzala – a gravura de Rugendas – o Coronel aprendiz, as frutas, que o monge cego disse não conhecer, e que a mãe do Coronel prometeu servir ali, naquela horinha, como se fosse ontem, como se fosse hoje, como se fosse sempre. E o inusitado cronômetro, mais um sinal dos tempos. Que marca pedacinhos do tempo, recortes. Na cabeça do narrador ampliando, como uma lupa, o instante fatal, o momento em que tudo pode acontecer para o bem ou para o mal. O cronômetro, uma vez disparado, pode ser detido? E nós sempre procurando auxílio num deus cronômetro. É assim mesmo. Somos pequenos mas não desistimos. É curioso não é, senhora Liberdade, senhor Livre-Arbítrio? Não, nada disso, desconfio. É que não podemos. Tomara que você consiga concluir o seu livro nesse 2003. E que ele lhe seja tão bom quanto. Mando-lhe, já, já, um outro e-mail (em resposta ao que você me enviou, falando do bode — que não acredita em horóscopo — em que você me pede que fale de meus escritos, de minhas leituras e de minha distinta (sic) pessoa. Farei isso já, já.

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MANTOVANNI COLARES: O enigmático texto “Um cronômetro para as piscinas” – que já reparei ser da sua essência lançar enigmas, como nos faz a vida - me levou a uma viagem que tem a ver com mulheres e nossa eterna incompreensão do universo feminino. Até porque – e isso não me escapou – você usou a trindade como ponto de equilíbrio: três tiros, três cálices de uísque; e a passagem mais bela do texto, os três personagens/vítimas unidos no cemitério, a ponto de um aguardar o outro, exatamente para formar a tríade do traidor, do traído e da falecida. Somente a oração por sobre o túmulo foi capaz de unir aquela tríade em cumplicidade. Pesquei lá no fundo o triângulo amoroso que permeia a trajetória dos grandes romances, valendo só para citar o maior de todos de nossa terra, o “Dom Casmurro”. Belo texto, sensações de estarmos também perdidos na compreensão da volúpia feminina, que não aceita as regras do jogo (Vera sabia ser uma dentre outras, mas não tinha o direito de pretender fazer de seu protetor um a mais dentre outros), e que nos remonta a uma das mais instigantes cantigas de roda, onde a Terezinha de Jesus deu a mão ao terceiro – olha aí a tríade de novo – recusando a de seu pai e irmão, pois afinal o coração da mulher um dia rompe com suas raízes e se entrega ao terceiro que passará a ser o primeiro.

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RAFAEL MONTANDON: O texto sobre o cronômetro de piscinas se sobressai entre os demais; é um dos melhores que já li de sua autoria.

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RICARDO ALFAYA: Vi a caprina história assim: “Cabra” é uma das chaves, jogo da imagem “cabra” com “cara”. Refere-se sobretudo ao personagem principal da história, o pai que cometeu o crime. Quanto ao assassinato, trata-se de episódio talvez simples, seco e direto, que foi todo ornamentado. Três Veras. Vera é verdade. São três os tiros e, a despeito da confusão, são pelo menos três versões (três verdades / veras) as que sobressaem: a do pai (o cabra); a do filho (comerciante); e a do coronel. Patativa, literato popular homenageado que ornamenta os acontecimentos com o uso da palavra. Aqui, sinônimo de arte. Você, escritor de formação intelectual, que ornamenta o acontecimento com o uso da palavra. Aqui, sinônimo de arte, também. Por outro lado, as fotos dos dois ornamentam agora a palavra. Há um jogo de ironia aqui. Monalisa é Vera na janela. Porém, mais do que isso, simboliza o enigma do texto. O famoso “riso enigmático” de Monalisa, de quem se diz representar o próprio riso de Da Vinci. Parece-me que a modelo que pousou para o quadro era uma pessoa comum da época. Ornamentada pela arte, tornou-se grandiosa e eterna. Decifra-me ou te devoro. As interrogações vão descendo pela página. Interrogações, Monalisa, Cabra, sua foto, Patativa, assim como o próprio texto em si. O texto parece querer chamar a atenção do leitor para o fato de que ali existe um enigma. Só que, contraditoriamente, os recursos para revelar a existência do enigma, terminam eles mesmos acrescentando enigmas ao enigma. Até mesmo a “Moral da História”, que surge na possível fala do monge (nada parece palpável na narrativa) possui um caráter ambíguo, de crítica e de elogio, ao mesmo tempo. Por certo há outros enigmas, outros detalhes. Como bem já observou Yêda Schmaltz, na opinião anterior, há uma “discussão do discurso dentro dele próprio”. Esse é um dos pontos, ou talvez mais precisamente o ponto: na dimensão em que vivemos, a verdade é formada por múltiplos discursos que se intercalam, sendo fugidio, talvez impossível, o conceito de verdade absoluta. Isso me faz recordar alguma coisa que li em Michel Foucault a respeito. Para encerrar, diria que ocorreu, enquanto escrevia essas palavras, uma espécie de “visualização espontânea”, na qual apareciam três folhas em branco suspensas no ar como plataformas. Em cada uma delas se moviam os acontecimentos das três diferentes versões. Talvez adotar como verdade todas as versões fosse uma solução para o problema. A versão, afinal, é sempre maior que o fato. E toda versão (todo “boato” como talvez preferisse Uilcon Pereira) tem um fundo (falso?) de verdade. Por outro lado, se fôssemos proceder assim no cotidiano, isto é, aceitando todos os discursos e versões como verdadeiros, terminaríamos sufocados ou perdidos pela impossibilidade de compreender com clareza até mesmo os mais corriqueiros fatos, tal como, até certo ponto, sucede tanto aos personagens envolvidos na deliberadamente confusa história, como com todo aquele que a lê. Talvez resida na constatação e na proposta desse fenômeno o principal objetivo da narrativa. Será que a minha versão chegou perto da “verdade verdadeira” a que se propõe o texto ou fui devorado pela Cabra-esfinge-da-peste?

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RITA BRENNAND: Monalisa. Coronel, você não prega um prego sem estopa. Na primeira olhada, o indefinido, ambíguo. Qual das histórias ... –? Qual o personagem que –? O monge Jorge defende a lei do sertão? Quem tem muitas mulheres... Em cada uma, as outras... O gemido do aconchego, o cheiro de Vera. O jeito dengoso de uma das Veras enquanto alisa, mesmo que nas mãos, o cheiro de bode requentado {o corisco pela janela}. Alídio contou uma história –? A medida que, no decorrer dela, os enfeites e a história recontada.

Veja bem a fotografia desse gesto. Com as mãos lá e cá, pra direita ou pra esquerda, assim Ó... As mãos como quem mede um porco. Só um gênio, sertão, e Ceará. O comerciante FILHO SÓ de PAI paga em agrados de castanhas a outra questão. Pagará todas. Essa história de bode enfeitado... Em processo... Castanhas, Scotch Whisky. Tem precisão de muita arte e manha. Fico à espera enquanto o bode se defende. Só a ARTE, Coronel! Abro os braços, meu beijo também. Rita

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RODRIGO GURGEL: Acabo de ler a história que me enviou e gostei muito. O momento do tiro na testa de Vera é perfeito. Mas o melhor tiro é o olhar certeiro dela, olhar que prenuncia a própria morte, pede perdão e, ao mesmo tempo, fere para sempre aquele que a molesta. Um olhar inesquecível.

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ROGÉRIO SILVA LIMA:
“Marque o tempo que quiser e repare no ponteiro correndo em direção ao eterno. Que pode ser morte, que pode ser vida, que a diferença é nenhuma. Quem dirá o lado vencedor será sua mão, sua mãe... Assim, ó!...”

Filósofo, permita-me, mas colho o que bem entendo, pois o texto, seu é que não é mais.

Parece um Tiago sertanejo ensinando que a vida é como uma névoa, que repentinamente se dissipa. O tempo corre e não nos espera e nem nos dá trégua. Nossas escolhas devem ser rápidas, caso contrário a vida não nos permitirá escolher coisa alguma.

Todavia, filósofo, sob as bênçãos do Pai pois caso contrário, nossas escolhas serão trágicas. Que o Senhor, por Sua misericórdia, não nos permita jamais apontar o ponteiro! Com o grande abraço. Rogério.

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TERESA SCHIAPPA: Caro Feitosa. Agradeço, além da lembrança, os momentos saboreados de leitura que a reportagem pela Faculdade de letras proporcionou - humor, generosidade com alguma malícia à mistura, não só política... Qualidades cujo "tempero" algo imprevisível encontro também nos poemas: Architetura e Femina estão talvez nos primeiros lugares das minhas preferências, mas o ritmo entrecortado de outros não deixa de seduzir, como é caso da réplica do "If". Talvez pela espontaneidade, por vezes até rudeza, com que obriga a um outro olhar sobre as coisas.

Não sou a única a destacar uma frase de antologia, que me tocou especialmente: "A Arte tem o legítimo poder de transformar o puro em imundo e o imundo em sagrado"; a história de Alidio, com as suas múltiplas nuances (como em tempos a do lobo da fábula...) confirma isso mesmo. Por uma vez, vejo o monge Jorge reduzido a um silêncio sem réplica!

Um abraço grande e grato da
Teresa Schiappa

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YEDA SCHMALTZ: EXCELENTE!!! Eita estorinha confusa...rsssss... E você pensa que o povo sabe o que é oitão da casa? Isto é só coisa de quem, como nós, lida com as peixeiras.

Admirável o seu lidar com a metalinguagem, a discussão do discurso dentro dele próprio, coisa de mestre. Vou guardar aqui para futura publicação no boletim, posso? Obrigada pelo momento de prazer estético. Yêda

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