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Rafael Montandon

William Bouguereau (French, 1825-1905), A Classical Beauty

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Alguma notícia do autor:

Rubens_Peter_Paul_Head_and_right_hand_of_a_woman

 

Michelangelo, 1475-1564, David, detalhe

 

 

 

 

 

Titian, Three Ages

 

 

 

 

 

Rafael Montandon


 

Bio-Bibliografia


Rafael Montandon nasceu em 1981, em Belo Horizonte, MG, onde vive até hoje, e é estudante da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. Começou a fazer poemas aos 16 anos, após a leitura de Eu, de Augusto dos Anjos, e está em busca de quem edite seu livro “Monólogo na Cruz” (título provisório). Incapaz de suportar a própria animalidade, suicidou-se em efígie, em Cemitério dos Não Nascidos (inédito). Hoje, ressurgido das cinzas dos próprios versos de adolescente, canta as agruras de ser carne desalmada.

[Texto do autor, mar/2002]
 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

 

Rafael Montandon


 

“Inertes, lívidas, serenas moças,
Musas azuis das porcelanas lusas,
Abiotas, castas, sacrossantas musas,
Moças vermelhas das chinesas louças...”

Azarias Menezes
 


I
Ó, musas rijas de um rigor anato,
Em pedra e bronze, virginais, reclusas,
Feitas da inércia no Absoluto, musas
Imputrescíveis e álgidas ao tato...

Musas azuis das porcelanas lusas,
Mudas e cegas, carentes de olfato,
Santas Teresas de um palor abstrato,
Na imutabilidade das recusas...

Musas contritas, lívidas, hieráticas,
Seguem vagando em procissões estáticas,
Empedernidas nos relevos pulcros...

Fantasmas pétreos, incorpóreas, fátuas
Estátuas, mortas, tétricas estátuas,
A ornar as lajes rijas dos sepulcros...


II
Moças de pedra, em cima dos lajedos
Empoleiradas como aves austeras,
Imperturbáveis, a visar esferas,
Na atra quietude, a decifrar segredos...

Moças de bronze, sobre os túm’los quedos,
Num’staticismo eterno, alheio às eras,
Empedernidas nas friagens severas,
Imaculadas dos humanos dedos...

Moças de carne, dentro dos caixões,
Na orgia horrenda das putrefações,
Intumescidas, rebentando as dermes,

Vão imiscuindo ao lodo a carne nívea,
Como que n’último estro de lascívia,
Como um rosal desabrochando em vermes...
 

 

 

Ticiano, Magdalena

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Adriana Zapparoli

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Picador

 

 

 

 

 

Rafael Montandon


 

Elogio da Insalubridade


Pobre de ti, ser crédulo e ignorante,
Que o sabonete ilude e em vão destilas,
Nas pequeninas grutas das axilas,
Litros e litros de desodorante!

Lutas em vão contra inimigas filas
Que se refazem sempre, a cada instante...
Da ubiqüidade da imundície diante,
Mais vale a fleuma asceta dos gorilas!

Por que te esfregas diariamente, a esmo,
E a tua tesoura altiva embalde empunhas
No cotidiano embate contra as unhas?!

Não há vitória! Tu verás, té mesmo
Quando o teu corpo se tornar caveira,
Há de avultar esta tua cabeleira!
 

 

 

Leonardo da Vinci,  Study of hands

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Adelaide Lessa

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

Rafael Montandon


 

A ubiqüidade da imundície


Quero ser limpo! É Deus que não consente?!
Água, sabão, talco - tudo é baldado;
Inevitável como o próprio Fado,
A fedentina volta diariamente!

Por toda a vida hei de banhar-me, enfiado,
E a morte há de vencer-me, finalmente,
Que não existe banho assaz potente
Para tolher o cheiro de um finado...

É, pois, embalde o esforço do combate
Se os resultados dos prélios - perenes,
Já vêm inscritos lá nos nossos genes...

Só não é embalde o asseio do castratti,
Que, no exagero heróico das higienes,
Arranca fora, a faca, o próprio pênis!
 

 

 

Ticiano, O amor sagrafo e o profano, detalhe

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Camilo Martins Neto

 

 

 

 

 

Poussin, The Judgment of Solomon

 

 

 

 

 

Rafael Montandon


 

Amor e náusea


Ah! Vida - enigma alquímico de nojo,
És como a tênia gorda de ojeriza
Que a minha entranha absconsa vampiriza,
Que eu amamento no meu próprio bojo!

Tu, cuja pele a minha mão alisa,
Se eu sei-te tripas, vísceras - espojo,
Não será mórbido atiçar-me o entojo
A carne que há sob a tua pele lisa?!

Sanguínea trama muscular lasciva,
Meu coração palpita atroz, medonho,
Órgão sem pele, feito em carne viva,

E, em vão, desejo e engulho e me envergonho,
Sem nem saber se esta ânsia que me criva
É amor ou náusea ou fome ou sanha ou sonho!...
 

 

 

Alexander Ivanov. Priam Asking Achilles to Return Hector's Body

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Sérgio Castro Pinto

 

 

 

 

 

Poussin, The Exposition of Moses

 

 

 

 

 

Rafael Montandon



Entojo


Embate trágico é o que nos comanda:
Sempre que Amor o peito nos espeta,
A Náusea contra-ataca - austera asceta -
’Spetando-nos o estômago, nefanda!

Vê’sta mulher que pelas ruas anda:
Olhando-a, bela, a mácula secreta
Nem se suspeita, que também tresanda
Intimamente, que também excreta.

Olhando-te, ó mentira, olhando a ti,
Quanto se nos excita a atroz lascívia,
Por sobre a rubra carne a pele nívea...

Mas, se da mente o abstrato bisturi
Te desmascara, quanto nos repele
A carne rubra sob a nívea pele!

 
 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Rinaldo e Armida

 

 

 

 

 

Rafael Montandon


 

Desilusão


Ah! Emanações narcóticas de fêmea!...
Perfumes mornos, olhares oblíquos,
Sorrisos, vozes, charmes, maquilagem,
Palpitações de carnes abundantes,
Promessas instintivas de volúpia...

E após o coito, e após a lida insana,
Onde os castelos de ar? Onde a ventura?
Arfando sobre a cama suja, apenas
Dois símios bobos, meio envergonhados,
Fedidos, empapados de excrescências...

Por que vós me mentistes, meus hormônios?!
Por que vós, justamente, que eu julgava
A parte mais honesta de mim mesmo,
Desde quando a alma revelou-se embuste
Naquele abril, dia primeiro, em escárnios?!

(Mas a maior desilusão que eu tive
Não foi ao ler que falecera Deus;
Foi quando eu soube que Augusto dos Anjos
Fazia, a soldo, versos p’ro comércio,
Prostituía a musa por trocados!).

 

 

William Blake (British, 1757-1827), The Ancient of Days

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Majela Colares

 

 

 

 

 

Goya, Maja Desnuda

 

 

 

 

 

Rafael Montandon


 

Invocação aos prédios


I
Ó prédios altos, prédios gigantescos,
Íd’los grandiosos de vidro e concreto,
Colossos rígidos, titãs grotescos,
Cujo perfil, tão laminar e reto,
A natureza tumultuária insulta,
Na vossa inércia indiferente aos anos,
Que a minha lira digital exulta,
Compadecei-vos, ó deuses urbanos,
Dos órfãos tristes do Sol e da Lua,
Dos que, descrendo de hóstias e de salmos,
Têm de invocar os prédios frios da rua.

Podeis ouvir meus gritos, monstros calmos?
Do alto, escutais criatura tão pequena?
A vossa face, grito algum conturba,
Lúcida e plana, austera mas serena,
Nem mesmo o intenso murmurar da turba -
Permaneceis impávidos, terríveis;
Que a minha súplica, com esta cantiga,
Possa ascender través os vossos níveis
Mais elevados, que o olho não lobriga:
Ah! Apiedai-vos, grandes edifícios,
Dos aborígenes dos precipícios!

Subi, subi, mais alto que a montanha
Mais colossal que os horizontes risca,
Do Olimpo audaz que o firmamento arranha,
Ultrapassai a culminância prisca,

Ide atingir além dos próprios astros,
De onde se avista a Sina dos mortais,
E iluminai, de lá, os nossos rastros,
Com as vossas luzes artificiais!

II
Prédio que irrompe da aridez da rua,
Para obstruir do sol os mornos brilhos,
Cuja alta antena, ultrapassando a lua,
Vai lancetar os astros nos fundilhos,
Babel de vidro audaz que os céus perscruta,
E as altitudes desta Terra apouca,
Bastante inerte p’ra ser absoluta,
Bastante lúcida para ser oca,

Prédio, a ti rogo, tu que fende os ares,
Da pequenez que habito, me captura,
Rapta-me, eleva-me, por teus andares,
Até a tua supra-empírea cobertura,
Onde não se ouça o ronco das buzinas,
Ou os motoristas trovejando acintes,
Onde não se hauram mestas fedentinas,
Onde não soe a nênia dos pedintes...

Lá, erguer-se-ão marmóreos chafarizes,
Árvores, plantas, flores, cogumelos,
Que eu povoarei de dríades felizes,
Faunos flautistas, duendes amarelos -
Uma abundância de fantasmas fúteis.
E os dias correrão sem empecilho...
Absolver-se-ão os telefones, úteis
Para pedir comida a domicílio.

O Feio abolir-se-á da minha ermida,
Com ele a Dúvida e a Destemperança,
Tudo será sossego e paz... e a Vida,
Hei de assisti-la, externo e em segurança,
Devidamente aplainada e angular
Por trás do vidro da televisão,
E quando o sono vier, basta apertar,
Como num anti-Fiat!, um botão.

Faz com que eu possa, Prédio sobranceiro,
Alçado à tua culmíada medonha,
Fugir da Luta, que eu não sou guerreiro,
Eu sou um poeta, que não se envergonha
De sua fraqueza e falta de coragem,
Que o impediria mesmo de matar-se;
Lá, viverei, mas de ócio e de miragem,
E, cá embaixo, o mundo que se esgarce.

 

 

Soares Feitosa, dez anos

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Luís Manoel Paes Siqueira

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

Rafael Montandon


 

Lembro-me bem do meu jardim-fantasma


Lembro-me bem do meu jardim-fantasma,
Que eu construí de cisma e de rancor,
A bons trilhões de graus de Longitude,
No ponto antípoda do Aqui-e-Agora.

Quis ficar só p’ra não sentir-me só,
Que é como sinto-me na turbamulta,
E repudiei os trâmites da Vida,
Desconhecendo o pormenor da lida.

Lembro-me bem das flores inodoras,
Feitas de bruma e de papel-crepom,
Desabrochando da terra inorgânica,
À luz da lua, à margem dos caminhos,

E os avejões que nestes passeavam,
Monologando, graves, entre si,
Entusiasmados, muito comovidos
De uma amargura delicada e altiva...

Por sobre estátuas, pássaros noturnos
Assoviavam Fugas complicadas,
Mas o silêncio era solene e denso
Nas labirínticas bibliotecas,

Em cujo fundo hermético, os doutores
Da Alta Dialética Especulativa
Longas palestras proferiam, sérios,
Sobre a feição dos corpos femininos,

E gigantescos telescópios grossos
As siderais distâncias devassavam,
O orbe dinâmico chamado Terra
Investigando com volúpia e nojo.

E, em meio a tudo, eu, convertido em sombra,
Magro e feraz, pregando reticências,
Filosofava à sombra dos ciprestes,
E soluçava em forma de soneto.

Um dia, pábulo da nostalgia,
Eu quis rever o meu jardim-fantasma.
Parti, portanto, em viagem de excursão
Ao ponto antípoda do Aqui-e-Agora.

Cheguei nas bordas da muralha grossa,
E espionei nas frestas do portão:
Lá estavam as almas dos desiludidos
E as dos poetas mortos ainda jovens.

Toquei o sino e eles vieram, sóbrios,
Por receber-me, numa procissão.
Porém, tão logo viram-me, anafado,
Tão mais corado e tão cheirando a Mundo,

Muito ofendidos, me xingaram todo:
“Pois leste Nietzsche?! Andaste com mulheres?!
Não jejuaste, Sexta-Feira Santa?!
Não te mataste?! Fazes versos brancos?!

Ah! Aqui já não há mais lugar p’ra ti!
Nós repudiamos nosso antigo rei!”
E, assim, batendo-me o portão na cara,
Repenetraram seu Nirvana abstrato.

 

 

Octavio Paz, Nobel

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Ana Peluso

 

 

 

 

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