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Nelson de Oliveira

Titian, Three Ages

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Contos:


Alguma notícia do autor:

 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

 

Astrid Cabral

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Nelson de Oliveira



Bio-bibliografia


Nelson Luiz Garcia de Oliveira, mais conhecido como Nelson de Oliveira ou, ainda, Luiz Bras, Teodoro Adorno e Valerio Oliveira é um escritor brasileiro.

Possui o título de mestre em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), e publicou, dentre outros títulos, Naquela época tínhamos um gato (1998), Treze (1999), Subsolo infinito (2000), O filho do crucificado (2001) e A maldição do macho (2002). Organizou duas antologias de contos da geração 90: Manuscritos de computador (2001) e Os transgressores (2003).

Tem textos (contos e críticas) publicados nas revistas Cult e Livro Aberto (SP), Medusa (PR) e Bravo, e nos jornais Correio Braziliense, O Globo e Suplemento Literário de Minas Gerais, Rascunho (jornal literário) e Folha de S.Paulo.

Em 2012, adotou o pseudônimo Luiz Bras para assinar obras de ficção científica.

Recebeu diversos prêmios, entre eles o Prêmio Casa de las Américas (1995), Fundação Cultural do Estado da Bahia (1996), Melhor Livro de Contos: O filho do Crucificado, Associação Paulista dos Críticos de Arte(2001), Melhor Projeto Editorial: Geração 90, os transgressores, Associação Paulista dos Críticos de Arte(2003), Prêmio Clarice Lispector, Fundação Biblioteca Nacional(2007) e novamente o Casa de las Americas em 2011.

(Texto redigido em 03.04.2023)

 

 

 

 

 

 

 

Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

Um esboço de Leonardo da Vinci

 

 

Nelson de Oliveira

Folha de São Paulo

9.12.2007


 
Copan mon amour

Entre curvas de concreto, aço e vidro, escritor recria o dia-a-dia agitado de um dos edifícios mais famosos do arquiteto

NELSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Chove sobre o Copan, chove muito. Agora faz sol. Calor. Agora chove outra vez. Faz frio. O sol volta, a chuva volta, o calor volta, o frio volta e esse vaivém é parte do plano secreto da natureza que pretende fazer nevar sobre o Copan. A natureza é ardilosa.
Nesse ritmo, logo, logo vai nevar sobre o Copan. Gaúchos, mineiros, cariocas, goianos, pernambucanos, paraenses. Faça chuva ou sol, o país inteiro cabe no Copan. Na quitinete do bloco B cabe o advogado mato-grossense que se separou da mulher e veio para São Paulo, deixando para trás também os dois filhos.
"Todo recomeço é difícil. Não tenho família aqui, mas não dava pra continuar em Cuiabá. As opções eram Rio ou São Paulo. O espaço? Dá pro gasto. É bom. Mas não quero morar aqui pra sempre. Por enquanto vale a pena, o aluguel é baixo. Mas a vizinhança é barra-pesada." A balconista de rosto amassado -mas bonito-, da lanchonete que fica perto da portaria do bloco D, mora longe.
Trem e metrô na ida e na volta, todo dia. O estudante de arquitetura para quem ela entregou o suco de laranja e o bauru conta que roubaram seu carro no estacionamento do edifício. "E as câmeras?", ela quer saber. "Não pegaram nada. A única apontada para o carro estava quebrada."
A movimentação vai ficando mais intensa no térreo. Os restaurantes estão mais animados. O porteiro do bloco B aponta: "Lá vai o senhor síndico". Saindo do elevador, alguém passa rapidinho e desaparece na multidão. Parecia o Plínio Marcos. Mas não era. Estava bem vestido demais pra ser. O porteiro gosta do síndico. "Ele é muito honesto e trabalhador. Sua administração melhorou muito as coisas por aqui."
A amiga do porteiro comenta qualquer coisa, e pelas primeiras palavras percebe-se que ela é baiana da gema. De Mangue Seco, no norte da Bahia. A multidão apressada que freqüenta o Copan não parece moderna nem pós-moderna. Parece sem tempo, eterna. Essa multidão quase sempre assusta. Já a curva de concreto, aço e vidro, essa curva assusta sempre. E comove. E encanta. Curva triste. Curva miserável. Curva sedutora.
Admirando São Paulo do terraço do edifício, o garotão segura a garotona pela cintura, os dois apoiados na grade. Ela pede: "Tira uma foto". Ele se desculpa: "Não dá, a memória tá cheia". A dois metros, mais garotões e garotonas de olho na cidade, de ouvido na batida que vaza dos fones. Vêm de longe, da periferia. Vêm para ver as pessoas do alto: as que estão no topo ou quase lá (logo ali dois garotões de terno comem sanduíche enquanto conversam) e as que podem ser vistas de cima pra baixo. Depois do sanduíche, o baseado básico antes de voltar ao escritório.
Os turistas mexicanos dão risada de qualquer coisa no céu. O casal argentino caminha para o elevador. As paredes não chegam a gritar, mas murmuram o tempo todo. Quando o elevador pára, a fala do edifício faz eco, monocórdia. Só as crianças, na cabine, tentam responder a essa fala que escorre pelo poço do elevador.
O médico de voz rouca, do apartamento do bloco A, enquanto espera seu café -"o melhor café da cidade é este aqui"-, conta o susto que levou semanas atrás no terraço do Copan. O médico também mexe com teatro, sua voz rouca é muito dramática. A atriz e o fotógrafo, amigos do médico, quiseram conhecer o terraço, admirar a cidade, tirar umas fotos, essas coisas. "Só que o cara começou a tirar foto da mulher, e a mulher foi se empolgando, se empolgando, e tirou também a roupa. O segurança do terraço ficou pasmado, sem jeito, abobalhado. Quase que ele cai lá de cima."

Briga
Dois sujeitos de comédia americana da década de 40, um alto e magro, o outro baixo e gordo, brigam em frente à agência de turismo. Gesticulam muito, possuídos pela fúria. O sotaque é carregado. Na verdade, os sotaques: alemão e italiano. Sem legenda. Então, o silêncio: o Copan está pensando.
Na calçada, o jornaleiro e o taxista tiram sarro da cara do porteiro que está indo para casa. Futebol. São adversários, sem ser inimigos. "O pai-de-santo, hein?", o jornaleiro debocha. "Nem com mandinga braba", o taxista ri. "Pelo menos a gente escapou do rebaixamento", o outro se defende. Na calçada, nas lojas, na recepção, nos elevadores, nos corredores, nos apartamentos, todo mundo conversa, comenta, tira sarro, cochicha. Mas o Copan não conversa com o edifício Itália. Nem com o Hilton.
Nem com os outros edifícios vizinhos. O Copan conversa silenciosamente apenas com as pessoas que o atravessam, que trabalham nele, que o habitam, que passam ao largo. Essas pessoas não sabem que são veículos das ruminações do Copan. Ele sussurra no ouvido delas, e elas vão em frente, conversando entre si, espalhando as palavras. Essas pessoas vão para a praça da República, encontram as pessoas que estão vindo do Itália, do Hilton e de outros edifícios, as palavras se misturam. Os edifícios conversam por meio dos homens.
Agora a garoa engrossa, amolecendo essa conversa. Chove sobre o Copan, chove muito. Agora faz sol. Calor. Agora chove outra vez. Faz frio.
Não há como impedir: um dia vai nevar sobre o Copan.
 


NELSON DE OLIVEIRA é escritor, autor de "O Filho do Crucificado" (Ateliê).
 

 

 

 

 

 

 

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