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			Nelson de Oliveira 
   
            Miniconto: melhores (?) momentos
 
            
 
 
              
            Aonde querem nos levar os 
			minicontistas? Ao silêncio pré-cambriano? Afinal o que querem os 
			minicontistas? Reduzir a prosa a pó? E depois? Que faço eu com as 
			centenas de páginas de Guerra e Paz, Em busca do tempo perdido, O 
			tempo e o vento? Aviões de papel? Uma esquadrilha inteira? 
			Disparates! 
            Cuidado, vocês, não baixem a guarda! 
			Dentro de todo romancista existe sempre um minicontistas pronto para 
			desabrochar. Quando menos se espera, zás! Vocês já eram. Eles andam 
			sozinhos mas atacam em bando. Não respeitam crianças nem idosos. Em 
			suma: não têm dignidade. 
            Algo, nos minúsculos relatos que nos 
			impingem, tem o poder encantatório das fábulas de Esopo e La 
			Fontaine. Minifabulistas! Muitos deles têm o desplante de botar no 
			palco bichos que falam! Por isso nos cativam tanto. Voltamos a ser 
			crianças nas suas mãos.Kafka, por exemplo. É, o tuberculoso de Praga. Advogado, filho 
			exemplar (o pai que o diga…). Um inseto, um grilo falante, isso sim 
			é o que era. Logo que lhe emprestaram pena e papel, que é que o 
			sujeito fez?
 
 Pequena fábula
 
 
            “Ah”, disse o rato, “o mundo torna-se 
			a cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava 
			medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que 
			finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas 
			essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra, que já 
			estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a qual eu 
			corro.” “Você só precisa mudar de direção”, disse o gato e 
			devorou-o. 
            Brecht também aproveitou a brecha. 
			Para expressar suas experiências morais, inventou o sr. Keuner. Ou 
			terá sido o sr. Keuner quem inventou o sr. Brecht? Tanto faz, o 
			estrago já está feito mesmo. Por que esses dramaturgos não respeitam 
			o efeito de distanciamento e não ficam longe da prosa?!
 O reencontro
 
 
            Um homem que o sr. Keuner não via há 
			muito o saudou com as palavras: “O senhor não mudou nada”. “Oh!”, 
			fez o sr. K., empalidecendo. 
            E Cortázar?! É, o gigante do Jogo da 
			amarelinha. Mais de quinhentas páginas para nada?! Num planeta de 
			pigmeus, quis o destino que ele fosse o Pantagruel rio-platense: 
			cabeça e membros hipertrofiados. Doença? Sim e não. O futuro 
			decidirá. Que fez Julito com o dom que recebeu? Um livro inteiro de 
			firulas, meus amigos. De firulas!
 Progresso e retrocesso
 
 
            Inventaram um vidro que deixava passar 
			as moscas. A mosca chegava, empurrava um pouco com a cabeça e pop, 
			já estava do outro lado. Enorme, a alegria da mosca. 
            Tudo foi estragado por um sábio 
			húngaro, quando este descobriu que a mosca podia entrar mas não 
			podia sair, ou vice-versa, por causa de quem sabe lá que besteira na 
			flexibilidade das fibras desse vidro que era extremamente fibroso. 
			Em seguida inventaram o caça-moscas com um torrão de açúcar dentro, 
			e muitas moscas morreram desesperadas. Assim acabou toda a esperança 
			de confraternização possível entre nós e esses animais dignos de 
			melhor sorte. 
            De lá para cá a coisa degringolou de 
			vez. Os brasileiros entraram na dança (êpa!), a crítica aplaudiu 
			(justo a crítica!?), os jornais abriram espaço (miniespaços, diga-se 
			de passagem, que é o que eles realmente merecem) e agora Esopo e La 
			Fontaine também falam português! Um português arrevesado, irônico, 
			mal-humorado. Mas, enfim, o único que temos:
 Duzentos acertos
 
 
            Ultimamente ando muito ocupado. Venho 
			treinando nos duzentos acertos. São necessários duzentos acertos 
			para que eu esteja apto a defender minha pátria. Há vários dias 
			venho treinando sem parar. Hoje alcancei a marca de três acertos em 
			três disparos. Quando alcançar duzentos acertos em duzentos 
			disparos, irei para a porta da minha casa e ficarei sentado, vendo 
			as pessoas na rua. Atrás de mim estará o parapeito de onde treino; à 
			minha frente, as pessoas passando pela rua. Aí, então, me sentirei 
			satisfeito e descansado, pois estarei apto a defender minha pátria. 
            Armado o circo de pulgas, teve 
			novelista que abandonou o gênero e caiu de cara no haikai. 
			Humilhante! E a imprensa, é óbvio, não deixou o fato passar batido. 
			O haikai, velhote bexiguento — ai, ai —, agradeceu de mãos juntas:
 Haikai
 
 
            — Já reparei, garçom: a segunda 
			empadinha nunca é tão boa como a primeira. 
            — … 
            — Hoje você me traga a segunda antes 
			da primeira. 
            E teve este senhor — quase 
			sexagenário, meus amigos!, pai de família, avô safenado! — que na 
			virada do ano, do século, do milênio, teve a audácia de arreganhar 
			as páginas da puta mais velha do pedaço: o dicionário. Arreganhou e 
			arrombou. O di-cio-ná-rio! O que escapou de lá de dentro não tenho 
			coragem de nomear:
 Afuazado
 
 
            Ainda não morri por artes de berliques 
			e berloques, como diria meu avô; dia desses recebo um trampesco bem 
			dado na fuça, babau; preciso me conter, ser menos impulsivo, ficar 
			sempre de bico fechado, domesticar a minha linguagem chula, 
			patatipatatá; pensando bem, nasci assim, não dou quartel aos 
			inimigos, esses idiotas, bando de seres repetitivos, sem imaginação, 
			pois sempre que se aproximam os atoleimados vão logo dizendo, 
			purutacotataco, dá o pé louro, dá; impossível não responder de 
			chofre, enfia esse dedinho no cuzinho. 
            Cuidado! Repito: cuidado! Os 
			minicontos aqui reproduzidos (a título de alerta) pertencem às 
			seguintes obras: Narrativas do espólio, de Franz Kafka (Companhia 
			das Letras); Histórias do sr. Keuner, de Bertolt Brech 
			(Brasiliense); Histórias de cronópios e de famas, de Julio Cortázar 
			(Civilização Brasileira); Dinorá, de Dalton Trevisan (Record); As 
			laranjas iguais, de Oswaldo França Júnior (Nova Fronteira) e Grogotó!, 
			de Evandro Ferreira (Topbooks). Quando estiver num sebo ou numa 
			livraria, desvie delas.
 
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