Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Jorge Tufic


 

Sáfaros bosques


A luz empoçada
imita os vagalumes.
 

A música das folhas
pesa nestes ares.

Sáfaros bosques.

Navegantes do luar,
tumbas da noite.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Maja Desnuda

 

 

 

 

 

Jorge Tufic


 

Antologias


Poetas e girassóis
estão sendo moídos,
 

E o pó de seus dedos
clareia os moinhos.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Jorge Tufic


 

Deslavra


Passei anos e anos a olhar
para as coisas que se destroem.
Muros de pedra,
casas antigas,
alpendres estrangulados
pelo cerco do musgo e das lianas.
 

 

Mas nunca pensei que tudo isso
também fosse passando,
devagarinho,
para os donos do lugar.
Nem que o lugar
se tomasse de ruínas;
nem que as ruínas pudessem ser vistas
como um ricto necessário
da paisagem senil: nódoa apenas
do trauma silvestre.
 


Este som que nos guarda.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata, detail

 

 

 

 

Jorge Tufic


 

Búzios


Por que se fala tanto
na solidão dos relógios?
Ainda mais solitários
são os búzios, que guardam
nas aurículas de cálcio
os estigmas da terra
os rumores do caos.
E assumem a contagem regressiva
do éter e do granito.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

 

 

 

 

Jorge Tufic


 

Da infância


Fui deixando cair as petecas
que guardavam meus peixes.
Fui vendo escapar as moedas
que niquelavam os domingos.
Fui perdendo meus dentes-de-leite
e o gesto de fazer borboletas.
Entretanto, ainda estou a caminho
daqueles garranchos de chão.
Qualquer coisa que entala de branco
e machuca sem voz.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

 

 

 

 

 

Jorge Tufic


 

Calendário


Calendário
vida,
ainda se fosse possível
compreender esses códigos
gravados na cripta
dos teus avessos.
 

Então
as palavras já nasceriam
feitas,
a lã
não teria seus pastores,
nem os pastores
seus montes,
nem as montanhas
suas grutas de rapina,
nem o chão da terra
os rastros da serpente.

Nem os maus seriam chamados
para mudar o caminho
da história;
nem os bons haveria
porque a bondade
e o martírio
jamais se banham nem se repetem
nas águas do mesmo rio.