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Jamesson Buarque

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


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Rubens, Julgamento de Paris

 

 

 

 

 

Jamesson Buarque




Bio-bibliografia


Poeta e mestre em Estudos literários pela UFG – Universidade Federal de Goiás –, com a dissertação Canto dos deuses: leitura de poesia épica contemporânea do Brasil, pela qual organiza uma orientação para leitores iniciantes, considerando Martim Cererê, Invenção de Orfeu, Livro sobre nada, Os peãs, Sísifo, O campeador e o vento e A juventude dos deuses, respectivamente de Cassiano Ricardo, Jorge de Lima, Manoel de Barros, Gerardo Mello Mourão, Marcus Accioly, Carlos Nejar e Alexei Bueno.
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Nurture of Bacchus

 

 

 

 

 

Jamesson Buarque



Emmanuel Nazaré ou O tecelão de parábolas


1 – Fundação do mito

À noite desce um sonho de cárcere e desejo.
Há olhos o concebendo, olhando para si em desespero.
As íris deles são damas vestidas de preto e sem vozes.
Seus olhos são luas outras luas de si mesmas.
Os cílios nascem cúmulos nímbulos à escuridão
Da noite
O sonho é uma rede de mitos cegos a cantar.
Seu cárcere, a idade do Tempo repetindo aniversários.
O desejo, atravessar fronteiras sem deixar seu espaço
À noite.

Desfiando um tecido de sua paisagem em parábolas
Um oráculo o sonho desce a fundar raízes.
De afirmarem seus corpos há crianças bafejando ópio,
Crianças despidas de gênero e de sexo também,
Crianças de faces registradas pelo fogo do Inferno
Ao sonho
O tecido é um cordão de antigas novidades.
Do sonho, ainda a paisagem escuridão, à noite.
As parábolas, metástases de um tecelão que atende por Emmanuel
Em sonho.

Agora ali há o tecelão, à noite num sonho Seus olhos.
De letras, Seus passo e cantar arredios de troças ou não.
Sobretudo em Sua voz, uma flor e talvez espinhos completando-O.
Seu túmulo será de autoria um preâmbulo novamente
Agora ali que à noite o sonho e Seus passo e cantar são
Para beijar aquela naquele, em desespero a Suas íris
Porque as letras vivem de nudez, há estro nelas,
Se Seus passo e cantar são obra literária,
De voz afora, a flor (uma intenção), espinhos (gozos)
Preenchendo Seu juízo para a lápide afinal.

Amainando Seu corpo, possivelmente hediondo, senão santo
Nasce pássaro, um instante, à noite no sonho
Se vestindo de cúmulo e nímbulo como criança,
Água límpida e candura obscura que não se comensura
Amainando Seu corpo
Que ser hediondo apaga os olhos
E ser santo acende a alma,
Que ser pássaro é ser tecelão de ninhos
Para amainar o corpo.

Tem uma aurora, é março a noite e Nazaré o sonho.
Aplaca Seus nascimentos levantando paredes em silêncio.
Prorroga o pensamento no intervalo dos tijolos
E acorda ladeando uma calçada em diálogo com o acaso.

1.1 – Da cabeça Dele poeta

Quando nasce a cabeça sempre gira,
A Dele é de coruja que insulada
Escorre em fios de postes, sua massa,
E de aroeira, galhos temperados
Conduzindo a idade dos horários
Pela eletricidade que há nos dias,
Decerto é deformada ou de poeta
(Outra ave de queixume só quasímodo)
Agourando talvez, em domicílio,
Provérbios ou parábolas de mimos
Desde cedo na Grécia antiga vultos
Na memória dormentes ou esquecidos,
Mas é de quem fabula mundo e mito
Piando sua voz e tempo e sonho
Na garganta, suspiro e raciocínio.

Cabeça é vela, acende cada noite
Hipocrisia, surto, algo demente
Sob persona vil que se sabe abrupta
Quando povoa acéfalos ou néscios,
A cabeça é a esfera do abandono
De idéias pertencido e de lembrança
De conselho tomada sem acerto,
Bojo de perceber quando há conceito
Obscura a cabeça é porta de selva
Que própria se comporta pensamento
Na hora que é ser herói toda mentira
Desde erguer à vontade sua espada
Como estandarte cego navegando
Idiotice e força até o Inferno,
Turba de seus neurônios em seu cérebro.

Saber todos os dias o poeta
A cabeça completa e deformada
Desde estética à idade, sempre sabe
Para dependurar as peças íntimas
Enviando missivas a jornais
A ledo passo e graça de metal
No silêncio pairado de um riacho
Todo em uma clepsidra reservado,
Sabe qual santuário uma virtude,
A cabeça repouso, uma montanha
Para diversas aves, mas também
Seu medo solitário, outros bichos
Sejam aranhas, cães, caraminholas
Vividas em juízo de pergunta
Socorrida em memória por ninguém.

Dele a cabeça é nua e se alimenta
De inviabilidade acompanhando
Ou quando há desperdício nos horários
Ou gravidez de livros em Seus lábios,
Na boca, na saliva, até na voz
(Mesa) onde (de poesia), só, serve-Se
Uma paisagem, bêbado ou cabana
Que resida medíocre Sua vida
(Criatura vadia) uma resposta
Se comportando dúvida e doença
Dentro de seu estômago ou da coxa
De parir com prazer filosofia,
Silêncio, uma garrafa de silício,
Estátuas de costela, talvez barro
E uma igreja sem deuses ou paredes.

1.2 – Da cegueira Dele ateu

Aos olhos Dele, de íris duas damas
Que de preto vestidas há sem voz,
Há um deserto e floresta declamando
A Ele a costa um tesouro ad æternum
Dentro de vãs vontades um desgaste,
Deserto que real é realidade
Que no mundo se tem em criatura
Mundo de um absoluto retravés,
Floresta onde se soergue doenças
Daquele mundo todo criação
Há a Ele como visita de vizinho
Ódio já endurecido antes da aurora
Dele quando em silêncio aplaca-se
Levantando paredes no presente
Sem justiça nos brilhos tantas luas.

O que se dá barato não enxerga
No deserto clamares O evocando
À oferenda de um império sempiterno
Co’odaliscas, muito ópio sob delírio
E um Seu dedo apto para o caos
(Gozo das luzes, trevas e vazio),
Deixa-Se à toa, digno de abandono,
Mendigo que ditoso segue plácido
Sua ausência de quando nunca foi
Embora haja um oráculo de pó
Avisado Ele pássaro bendito
Nas vozes de animais, pedras e palha
Que enxergam sem haver íris e singram
Todo verbo em perfeita semiose,
Seja náusea ou suspiro que O relaxe.

Cegueira, desgraçado vão vício
Que O acompanha ouvidos cada lado,
Sabe o Feitor de luz uma linguagem,
Graça, antes Dele mito, mesmo lado,
Seja-Lhe solilóquia uma homilia
De heróis, de carne, até de alguma crença,
Seja-Lhe santuário algum problema
Que resolva virtude conduzida
Para riqueza, espada (uma ventura
Cujo ratio advém cérebro sorrindo),
Outrossim equação, para abertura
De bodes, coelhos, vacas e raposas
Como o inimigo as víceras espirra
Do ventre se almejado pela fé
De alcançar com os olhos amplitude.

A cabeça lavrada sem palavra
Dá morte, malventura, até vergonha,
Uma lágrima em sangue proferida,
Senão em sacrifício, num ungüento
De breu, puro pecado abençoado
De câncer, poesia e hibridismo,
Sequer uma parábola profunda
Multiplica a visão quando desértica,
Seja o Feitor de luz ou não juiz
Para outorga missiva da desgraça,
Mas jamais Emmanuel enxergou tanto
Em ato de fé eterna de alegria,
De língua sob gramática liberta,
Sem profanação dia-a-dia, plena.

1.3 – Da morte Dele homem

De Sua voz loquaz dita nas ruas,
Bêbado em sala-de-aula, sem loucura
Ele esvazia súplica e suspiro
De dor, sim esvazia mas a alguém
Uma alta quantidade de saliva
Dele homem, ouve a culpa Lhe alcançar
A personalidade de homem, ser
Transeunte e lateral a perseguir
Alguns, alguém, a Si suor e veia
E língua e lábio e lágrima de novo,
Pouco de pensamento, uma migalha
Nas paredes latindo, reboando
Aliás, pelos cantos a outros cantos
Por Deus ou por ninguém, ungindo os dedos
Co’a baba da miséria de seu fôlego.

Ele homem, nu, panela sem comida
Passeia indiferença a interpretar
Estrelas, porque sabe os dias noite,
Desespero, estilhaços, senão lástima
Dele em sonho, sonâmbulo também,
Gestante do vazio e deficiência,
Seleção social doada aos vermes
Em tempo de aportar outro terreno
Onde o acaso O coma pretensões
Bojadas de intenção, civilidade,
Conquista conduzida em região
De haver algo melhor ou gentileza,
Disposto estará lúcido ou além
Quando o pulso descansa, habita flores
E chora mais tranqüilo, vaticínios.

A guerra, o interlúdio e a mimese
Seguirá sua voz quando for éter,
Que é defunto suposto cada dia
E vomita secreto o que se lembra,
Bem pouco agüentará seguir vivendo
Porque se olvidará da poesia
Que Lhe insulou a cabeça de criança
Quando descreditou o Feitor de luz,
Não vale a pena ser Sua existência
Se não congratulado em crucifixo
Para a bruma dos mitos mais antigos
E outra religião em que parábolas
Não seja o mais divino dos milagres
Em Seu nome em qualquer língua do mundo
Depois de sacrifício e redenção.

Ele homem não será totem jamais
Nem alcançará a mais alta deidade,
Não será demiurgo tempo algum
Nem íntimo serão a Ele os pretéritos,
Hospitais não serão sob Sua imagem
Clientes ocupados de esperança
A uma sorte benigna e tão medonha
Dele homem, e portanto seja a morte
Sanha certa, uma achega ad æternum
Porque sanha comporta só derrota
E nenhuma sentença de poder
Que planta ou animal Ele possua
Em Seu completo espírito quão seiva
Para tenras memórias O guardarem
Sobressegredos lícito de fé.

2 – Evolução do mito

I.

Ele lança uma semente na Terra e fecunda um jardim
Inexistente de amor sob gotas de arco-íris
Um dia que foi ausência
Viçosa a Terra pare um comboio de artérias
Verde que evoca um crepúsculo
Depois de hibernar sua cor e seguir passo e cantar
Dele como um tronco vasto de aroeira
Vingando espáduas vegetais
Soldados brotam de outros troncos à Sua companhia,
Soldados vestindo suor e sangue em galope horizontal
Formando elencos fitossintéticos
Necessitando pétalas
Singrando beleza em faces de epidermes
Realizando uma corola larga
De desenhar um leque e de invadir auréolas de deuses
Daqueles já descreditados depois da crucificação.

II.

Há a ver insetos, Ele, na garganta,
Paredes, silvos, silvícolas de pinha
no peito
Um enxame de abelhas sem ferrão há agora
Ali como em três lugares
numa nação
E uma lembrança à distância
De pássaros, outros silvos, insetos natais
Como raízes e autóctones
nas paredes
Colunas proliferando três andares
De morar alguém nativo outra idade.
Há imaginação
em alguém
Depois mais um pássaro,
Tudo totem semeando mais
Para alimentação de cultura, a cabeça prenha
Há a ver direção e culto
no cultivo
E um equívoco de religião consagrando ancestrais.
A nação canta dores às unhas de apodrecerem semeando perdão.
Ela há sendo achado
num oceano
Largo atravessado em mapas de horizonte em horário vário,
Romanices, deuses perdulários,
Pedro, Clea, suas paredes,
Alguma fé
no sacrilégio
E caravelas empalhadas em memórias e corações.
Os autóctones, ninguém.
A Literatura, prolongamento de um braço ramificado.
Tantas vozes
na pinha
Mas nenhum império
À fruta na parede crescendo hera,
Helenices, filosofias germãs,
Um totem mesmo
na pele
Como a cor de buzinas e fumaça
na arquitetura
Casas de alvenaria, móveis de madeira envelhecida,
Cerveja, cachaça,
Um arroz com feijão que “não dá pra nada”.
Ali uma varanda
na rua
A manguezais descendo uma estrada,
Um rio,
Cão namorando urubu, outro totem.

A civilização menor desde o estômago aos pés
Há a ter larvas coaxando
em pedras
Tomos para história
na lição
Como um vizindiário sem lei
Ou a ética de uma garrafa
Que se quebra querelando comédia,
Uma novela de gesta sobre um totem transmutando romã de rodar dicionário até a pouca certeza de ser poeta.
Há a ver sendo ou a ter
Insetos, paredes, silvícolas,
Um enxame de abelhas sem ferrão, uma lembrança,
Pássaros, colunas, outra idade,
Imaginação, cabeça, direção e culto,
Um equívoco, a nação, romanices,
Pedro, Clea, alguma fé,
Caravelas, literatura, tantas vozes,
Nenhum império, hera, helenices,
Filosofias germãs, um totem,
Casa, móveis, cerveja e cachaça,
Um arroz com feijão, manguezais,
Um rio, cão, urubu,
A civilização, tomos, um vizindiário,
A ética, uma novela,
Romã, dicionário e poeta.

Ah, há de haver

nas palmeiras
Vontade de motivos,
Representação, outras maneiras
E Ele – ad æternum.

2.1 – De Sua intenção

Ele quer arder
Como sendo chama
Que intencional
Ou ora ou reza ou roga
Ele quase espaço
Quando quase tempo,
Própria de ser vária
Sua carne sendo
Corpo de desejo.

Ele quer queimar
Como sendo líquido
Cristal sua voz
De ouvido vibrando
Como colibri
Vindo indo vindo indo
De cópula a dentro,
Quer se introduzir
Como faca – chama.

E quer se exaurir
Quase explicitado,
Talvez sem medida
De perfume ou flor
À noite em Seu sonho
Podendo isso, aquilo,
Conforme deseja
Definitivo ou
Não de encerrar-Se.

2.2 – De Sua civilidade

Há a civilidade lenta ou letárgica
Em ciranda de arco-íris promovendo leitura edita
Voraz
Sobre a noite pretendendo Dele os passo e cantar
Ou Lúcifer caminhando em sua sombra.

Os quatro elementos se armam tentando compor cores
Para atingirem os limites de si
Até explodirem fenômeno
Ceifando vidas nascidas de cristal
Como o surdo berro de estrelas
No vácuo
Quando Ele fundando teorias e oceanos
Ou colhendo meteoritos para semear luas em Seu jardim
Cívico
Há peraus que Ele inventa trincheiras
Onde um homem marcha de capa vermelha,
Uma mulher canta amarela
E Ele sorri laranja.

A mulher saca um lenço branco,
O homem sangra transparente
E Ele chora cristal,
O homem veste farda azul,
A mulher segue verde
E Ele aguarda roxo.

(Quando houver a guerra será em terreno marrom.)

O homem disputa a mulher.
A mulher disputa o Tempo.

Ele, homem ou mulher
(Civilidade toda presente),
Quem saberá são as cores
Se a guerra não terá fim.

2.3 – De Sua conquista

Excedem calores frios tomando Seu corpo de saber haver a guerra.
A noite continua descendo
Agora uma fome pretensa de fazer tudo quedar desértico.
As estrelas disfarçam as genitálias
E o Sol se deixa vermelho na paisagem.

Seu corpo nu está límpido de sal, sangue e água.
Desapercebe-Se da noite nascendo lento segredo em Seu peito –
Parece que Ele é um rebento do próprio sêmen.
As tantas luas pingam luzes sobre Seus olhos
Até que resta apenas vento.

Prepara um obus
Enquanto pensa, “Há medo nunca tormento”,
Porquanto ainda o Mesmo.
Sente vontade de subir pelas paredes
E sobe,
Mas Suas pernas estão arqueadas
E os braços, não sabe por que cargas d’água cansados.

Seus olhos ficam opacos,
Mas as paredes nos mesmos lugares.
Nasce uma ilha que há guardada em Si.
Na ilha Ele é poeta, ateu e homem
Balançando inscrito num coração
À guarida da primeira batalha para a conquista.

Mostra os punhos ao Tempo e há rumores.
Muda o nome da paisagem.
Despe-Se.
Passeia – o mapa da ilha é vertical.

O coração palpita – guarda os punhos.
Volta o nome da paisagem
Na ilha onde é poeta, ateu e homem.

A guerra não chega, mas se condecora público.

3 – Sedimentação do mito

Ouve uma turba da passos sem fila,
Um auxílio sempre porém, há
In nomine Domini, que diversificado
É nas alturas a tez parda,
Terra ou barro, de cabeça insulada
Todos os dias
Oferecendo fígado acebolado, se puder,
Em frigideira,
Pelo conforto de dar bênção, ou pessoalmente,
A pessoas, um outro
Conforto mantido por gente feita de labuta
Movida a desodorante
(uma misericórdia)
Que, de gente dessa, o coração estendendo esmola, salva,
Outro sofrimento tira o proveito,
Tira o proveito espírito e corpo
(uma homilia).

Talvez sempre à vontade
Que é carne,
Essas tantas pessoas nas enxadas ou ruas
Para lá e para cá
Oram, rezam, rogam
E dão pão e a casa e cerveja
(um quartinho também)
No(s) copo(s) americano(s) sentadas em metal,
Breve metal em silêncio, sem combustível,
Sem existir, aliás,
Agradecidas nos votos, doentes, de esperança.

Oh, consolo de barriga cheia de vermes,
Dói, como diminuir ao Sol lascando,
O frio da madrugada que também lasca,
Oh, saúde, compaixão extensa de sede
No tronco aroeira de abdômen inchado
Sob a bênção Dele, ouvindo os passos sem fila da turba,
Pejada vociferando a Ele,
Vociferando um benefício de amanhã ser menos pior
A dor, in nomine Domini
qui fecit Cælum Terramque,
in nomine Domini Filique Spirictique
quod sancta sunt
Sejam assim os passos sem fila,
Oh, mas haja um punhado de comer,
Permaneça, aliás, sempre esteja dentro da barriga
Enquanto se executa ser gente
E possa haver visita, mesmo miserável,
Essa gente “faz a casa”, haja penúria,
Pecúnia nenhuma, que já não há bolso
Desde De gesti Mendi Saa,
A execução, pois, povoa esse povo sem pátria desde século e século e século e século e século e o pretérito-mais-que-perfeito de Oriente-Médio, África e Europa.

Ah, doentes, pedis perpetuação?
Sentai-vos, de joelhos, em grão-alho,
De milho (de pipoca),
Povo à muralha de matas devastadas
oh, Atlântica
oh, Amazônica
oh, Pantanal
oh, Goiás
Edifícios de outrem, catedrais
ubi Petrus est,
ubi Christus est,
ubi Iaveh est.

Sabe-se que a dor vale a pena
Que serve a comunhão do sangue
Convertido suor na ausência da carne
Mas dentro do estro das cadelas,
Dos gorilas, missionário estro nas esquinas numerosas
Onde vermelha se faz a luz e os vestidos até o cós,
Faz-se calças de machos dedicados aos dotes
De camisas guardando sêmen gratuito nos hospitais públicos.

O país desse povo Dele
(cada cidade, cada família)
É um bojo, seja ou haja um zelo,
De pavores e de graças
dez graças ou
desgraças,
maybe, babies?
Sim, porque as trustes dos anglões, Samtos Yankees
Bastardos de bretões alheios, pseudo-protestantes,
Congregados, seja dito, promovendo piedade,
Alguma inflação, cash and trash, consolo
Ou a imploração, a certeza de restituir,
Para a concessão de anseios,
O sofrimento, enfim.

3.1 – Da guerra

Sem um lapso, a guerra
Não contém artérias
Nem aorta ou veias,
A guerra é silêncio
Mas vibra (mas pulsa)
Instabilidade
De nascer da intriga.

A guerra sem sopro
Foge com o vento
E sem sorte alguma
Não profere a dor
Que sente no Tempo
Porque nunca fala
Sua cor e gestos.

A guerra é só guerra
Somente sozinha
Porque assim não sendo
É comboio ou arma,
Que a guerra caminha
Conforme uma fé
Oblíqua dos olhos.

A guerra Dele então
Ou guerra apropriada
Ou somente guerra
Não é guerra apenas
É antes a parábola
De tantas crendices
Na faca dos lábios.

A guerra é elemento
(Terra, água, ar e fogo),
É o templo das gentes
Deitadas na história
Dos deuses ou outros
Como Ele igualmente
Nos cortes do espaço.

A guerra se planta
Nos signos zodíacos
Fundando alabastros
Concretos e abstratos
Qual Dele a metástase
Da parte e do todo
Unindo contrários.

Há na guerra, eterna
Alguma memória
Que se instabiliza
E arrola pecado
Na vez dos sentidos
E do raciocínio
Agentes dos vivos.

A guerra promete
Trazer liberdade
Preenchendo no peito
De cada guerreiro
A fome de flâmula
Por uma conquista
De civilidade.

Está marrom, pois,
O terreno agora,
Ele não é homem
Nem mesmo é mulher,
Feneceu poeta
Nem mais ateu,
É mito do povo.

Ele tem quatro vias,
Ou existe fábula
Ou para o Governo,
É um ator lendário
Ou explicação,
Porque resta dúvida
Sobre Espaço e Tempo.

Guarda para sempre
Que a guerra prossiga
Sustendo cadáveres
Em Seu nome sacro,
Que é imperador –
Espera deserto
As terras do mundo.

Talvez para nunca
Aguarda da guerra,
Que eclode em calores
E tece parábolas
Enquanto metástases
Por e para todos
Com digno segredo.

Ele sim é a dúvida
Que povoa o Tempo
Em todo lugar,
Recebe oferenda,
Denota-Se em paz
Mas sorrindo os olhos
Patrocina a guerra.

3.2 – Do interlúdio

Quando a noite finalmente desce
Acredita-Se um mito cujo conceito não se discute
Sintetizado em observações dentro do pensamento
A par de conclusões que encerram Sua maturidade.

Agora Seu crédito é largo e sempiterno mesmo,
Diversamente reservado para revelação
De um conceito cujas linhas não se alcançam
E densidade que não se mensura.

Cede, pois, completamente público
De tanta atividade para exercício divino
Que Suas parábolas se sacramentam
Inferindo acerca de tudo existente.

Não busca fluir mais de modo algum,
Seu fluido é a própria vida
Sem interrupção sequer de um intermitir de pálpebras,
Porque seu sonho é a realidade.

Não Lhe há por que discutir com a decisão alheia.
Não Lhe há por que se vestir de objetividade.
Não Lhe há por que sentir nódoa ou limpidez,
Porque é carne e alma em todo plano.

A noite desce Seus sortilégios e desvelo
Tanto que não Lhe há estratégia ou desejo
Nem precisa mais tecer parábolas
Ou Se permear de poesia.

Enfim Se encontra demiurgo das gentes,
É capaz de lágrimas para semear nações,
Seus olhos ocupam todo Espaço e Tempo
E participa o Silêncio dessa conquista.

Não há de valer-Se mais daquela retórica
De quando poeta, ateu e depois homem,
Não Lhe valem consumo nem moda,
Que é a própria Natureza se expressando.

Cala Seus lábios com a face premeditada,
Não sente mais se apresentar em sonho,
Há contentamento extenso em todo Ele
Que não há mais dúvida entre medo e tormento.

É a transmutação em deidade clara
Que diamante nenhum acende,
Encosta, pois, talhadeiras que tenha,
Que já não é artesão laboramente.

Decide se aquietar para sempre,
Tanto nu e tranqüilo está
Que atende em altares sem paredes
Àqueles que Seus vaticínios merecem.

3.3 – Da mimese

I.

Óbolos esvaem, de areia, de uma sua mão
Um alísio sopra em minha pele aluvião,
Parece-me dunas nascendo um deserto
Não fossem um lago e aléias balançando a céu aberto,
Ou não houvesse eu a cada passo que medro
Ou aquele sopro de grãos de modo poliedro
Reboando feitos pássaros perdidos numa feira vazia
Como uma cigana lendo em M alguma poesia
Ou deuses desacreditados insistindo seu nome
Aquéns dos humanos à fúria, doenças e fome.

Aquiesce minha língua, cantar uma palavra
Quisera uma musa que a esse engenho lavra
Gotejando húmus e prosápia de sua vulva
Como eirada em pele rasteira desfila uma pouca saúva
Crisálida a tecer na umidade das trevas asas
Ou tufos de saliva crepitando em brasas
Uma deusa lapidada, que ainda existe em vária face
Pelo nome dessa (quase) musa, que nasce
Em nome da história de mim poeta
Que num ermo vale a liberdade veta.

Fosse ontem os óbolos seriam de dracma
Do Vesúvio fluindo um cheiro de magma
Ou patacões cuja idade memora o riso
Uma dor que singra seus ouvidos e olhos segundo friso
Uma pena ao lago e às aléias, como presente
Que a musa, deusa, agora borboleta rente
A minhas veias, passando da paixão ao amor, permite
Sem deixar sumir a cor do cheiro que emite
Seu orvalho de suor como fécula de pólen
Deslizando na linha de sexo de seu abdômen.

Ai palavra que descesse para me beijar
Quando eu morto agora enterrado no mar
Deixando-me um demiurgo de fama e anônimo
Como dentro do flagelo do ser humano há sempre um demônio
Um zelo vadio de manter àquele roto
Sem purgar seu desprezo antes de dá broto
Onde a humanidade ainda arrasta uma sombra quase sem Graça
Porque fécula de pesadelo nunca passa,
Ai seja palavra de eu ensinar a verdade certa
Permitindo que de paz toda via seja aberta.

II.

Então óbolos, vento, deserto e pássaros,
Uma cigana, um nome e minha língua,
Húmus, saúva, trevas e tufos de saliva,
Uma deusa, musa, borboleta e eu poeta,
O Vesúvio, patacões, dor, ouvidos e olhos
As aléias, minhas veias, paixão e amor,
Orvalho, fécula, sexo e abdômen,
Palavra, o mar, eu demiurgo e um demônio,
Zelo, a humanidade, uma sombra e paz

Sejam para mim o futuro de minhas parábolas
Fecundadas como um testamento sacrossanto,

Um igreja que se constrói com sangue
Da areia de duas transversais
Como um sopro de juízo e pecado
Decanta o gene de mim demiurgo
Morto na consciência da memória
Como mofo num cálice de uva
Assenta o álcool para uma sorte de parábolas
Que hajam de paredes segundo seus alicerces
Como monges cuja experiência e espírito
Desfilam atitudes de ventres largos
Para Graça de um congresso de anciãos
Como deuses cansados de permanecerem atentos
Pelo meu tecido para toda a eternidade,

Porque eu teço parábolas como o perdão me tece

[Jamesson Buarque in “Novíssimo testamento”]
 

 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), girl

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Lauro Marques

 

 

16/01/2007