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            Eleuda
            de Carvalho entrevistando Soares
            Feitosa 
 ENTREVISTA
 O 
                        homen duplicado
 
 Soares Feitosa é o homem 
                        à frente do Jornal de Poesia, o site mais 
                        completo sobre autores de língua portuguesa, que abriga 
                        ainda a revista literária Agulha e a 
                        Banda Hispânica - porta aberta aos poetas 
                        da América Latina. Eleuda Carvalho
 
 
 
                          
                          
                            |  |  
                            |  | SOARES 
                              FEITOSA: ''Moro dentro do computador''(Foto: 
                              KLÉBER GONÇALVES) 
   |  [15
                        
                         15h15min 2005]
 Faça o teste, caro 
                        leitor. Digite, num buscador qualquer na Internet, o 
                        nome de um escritor de língua portuguesa, contemporâneo 
                        ou não. Imediatamente, você vai ser enviado ao 
                        Jornal de Poesia. Na rede há quase uma 
                        década, o JP é invenção do poeta cearense 
                        Soares Feitosa. Na entrevista feita popr e-mail, ele 
                        fala como nasceu o site e acrescenta outros dados de sua 
                        biografia, que apresento logo. ''Idade, beirando 61: 
                        19/1/1944, auditor fiscal aposentado e advogado 
                        tributarista militante, com artigos na imprensa 
                        especializada. Casado com a mesma mulher há quase 40 
                        anos''.
 
 Por conta do sobrenome, perguntei se ele 
                        ainda visitava o chão de seus antepassados. Ele digita: 
                        ''O sertão? Eu nunca saí de lá! Mas não volto: todos 
                        morreram ou se mudaram para a cidade grande''. E 
                        completa: ''Se eu sou um matuto? De forma alguma! Bote 
                        praciano nesta história, por favor. Mas sou matuto, com 
                        certeza''. O Jornal de Poesia é também a 
                        casa da afiadíssima revista Agulha e da 
                        Banda Hispânica (intercâmbio entre autores 
                        latino-americanos). E o que não está nesta conversa mas 
                        recebi, como alvíssaras, depois: uns exemplares das 
                        Edições Cururu. Cria em papel de 
                        divulgação da Biblioteca Cururu, mais uma novidade 
                        incentivada pelo JP.
 
 Quem quiser, 
                        pode doar livros à biblioteca, aos cuidados do 
                        Jornal de Poesia. Etiquetados, com o nome 
                        do doador e a chancela do JP, eles vão 
                        estar disponíveis, grátis, aos sedentos de leitura, nos 
                        centros culturais da cidade, universidades e escolas. 
                        Livros em circulação, é a idéia, em prática desde agosto 
                        do ano que passou. Bem. Agora, desfrute a prosa, as 
                        aventuras deste homem duplo - o poeta Soares Feitosa, o 
                        tributarista doutor Francisco Feitosa, que respondeu 
                        assim à derradeira pergunta que lhe fiz: - Do que mais 
                        você sente saudade? ''Saudade de tudo, de ontem, de hoje 
                        e do futuro também''. (Eleuda de Carvalho)
 
 O POVO- Você é do clã Feitosa, dos 
                        Inhamuns?
 Soares Feitosa- Meu avô era 
                        Joaquim Alves Feitosa, do sertão de Tamboril, sítio Bom 
                        Jardim, da pequena aristocracia rural, daquele tempo. 
                        Mas um irmão dele se assinava como Dionísio Rodrigues de 
                        Souza. Havia, à época, o costume de os pais homenagearem 
                        os amigos colocando o nome deles nos filhos. De modo 
                        que, para ser exato, desconfio que meu Feitosa nem seja 
                        assim tão genuíno. Mas que eram uns cabras valentes, 
                        sim. Meu tio Vicentim, um homenzarrão, dum vozeirão 
                        incrível, foi um dos cabras mais destemidos de que ouvi 
                        falar - e conheci. Ainda do lado de pai, o ramo Souto 
                        Teixeira, do advogado Luiz Souto Teixeira, personagem 
                        meu no poema ''Compadre-Primo''; somos descendentes do 
			famigerado Canela Preta, do Icó. Do lado de mãe, sou 
                        Soares Gondinho, dos sertões da Independência, um pessoal 
                        mais manso, com muitos padres e freiras; cantadores e 
                        violeiros, com destaque ao tio Adaucto Godinho (Gondim), 
			ao primo Juarez Leitão e ao 
                        magistrado Nagibe Melo Jorge. O finado Paulo Petrola, 
                        reitor, poeta, também é primo. Distante, mas é. Nossos 
                        avós são irmãos. Sim, sou de lá daquelas bandas, nasci 
                        no Ipu, a tragédia do pai morto no mesmo dia do meu 
                        nascimento, mas me criei na cidade de Monsenhor Tabosa. 
                        A mãe, professora, parteira, uma mulher disposta, 
                        agüentou o canjirão até os 83 anos.
 
 OP- 
                        Li na entrevista sua ao Floriano Martins, na 
                        Agulha, que você era funcionário público e 
                        também dono de uma rede de açougues, lá pela Bahia. 
                        Conte esta história e também como embarcou nesta 
                        fabulosa aventura das letras.
 Soares Feitosa- 
                        Muito novo, vim para a cidade grande, Fortaleza. 
                        Repórter inicialmente da Gazeta de 
                        Notícias. O chefe de reportagem era o Tarcísio 
                        Holanda, um amigão. Os companheiros daquele tempo 
                        morreram quase todos: César Coelho, Edmundo Maia, Durval 
                        Aires, Nelson Lessa e Dorian Sampaio, que era o diretor. 
                        Concurso para Fiscal do Consumo, aprovado muito novo, 
                        aos 20 anos, num tempo em que não se exigia diploma de 
                        curso superior, mas um concurso muito difícil. Os filhos 
                        crescidos, no Recife onde morei 15 anos, a família 
                        meteu-se com açougues. Quebramos. Mais quebrados do que 
                        arroz de terceira. De cabeça erguida porém porque 
                        conseguimos pagar tudo. Por isto, quando dizem que 
                        alguém quebrou e ficou liso, eu acredito, porque foi 
                        assim que ficamos. Fui transferido para a Bahia, onde me 
                        aposentei e retornei para cá, com uma mão na frente e 
                        outra atrás. Ainda bem que o esmorecimento não me pegou. 
                        Aposentado, aproveitei a experiência de 35 anos de 
                        auditor fiscal, e abri escritório de consultoria 
                        tributária. Diria, como dizemos lá pelos matos quando o 
                        pé de milho está com duas folhinhas bem pequenas: ''Está 
                        bem sabidim meu milharal''. Mas no escritório, creia-me, 
                        ninguém acredita que eu seja poeta, sequer os advogados 
                        que trabalham lá, nem meus funcionários. Aliás, vão 
                        ficar muito espantados quando lerem essa matéria. Lá eu 
                        sou o advogado Francisco Feitosa... nada a ver, 
                        portanto, com o Soares Feitosa. Vão comparar o retrato, 
                        com certeza. Quero ver a cara da telefonista, a 
                        senhorita Cristina, o que ela vai dizer. Vou dar um 
                        jeito de botar o jornal em cima da mesa dela sem dizer 
                        nada. E a doutora Manuela também.
 
 OP- 
                        Sim, o JP. A internet ainda nos 
                        cueiros, lá pelos idos de 1996, há quase dez anos. E 
                        você cria o Jornal de Poesia. Como é que 
                        você se encontra com as possibilidades deste meio novo?
 Soares Feitosa- Sou um ótimo tirador 
                        de leite, espichador de couros, curtidor, seleiro, 
                        sapateiro, açougueiro (desmancho um boi em poucos 
                        minutos...), gaioleiro, piãozeiro e mais uma centena de 
                        pequenas profissões sertanejas. O computador? Eu fico é 
                        com muita pena dele! Sem problemas! Mas ele me deu o 
                        troco. Estou aleijado das duas mãos (LER). Também passo 
                        o dia amontado no meu, de espora e brida, de dia e 
                        de noite! Assim que chego em casa, ligo o de casa. Posso 
                        dizer que vivo dentro do computador. Afinal, no 
                        escritório de advogados, tudo é informatizado, inclusive 
                        consultas processuais e compêndios de Direito.
 
 OP- Mas o que fez você criar o 
                        Jornal de Poesia? Como é que foi 
                        concretizar este passaporte (gratuito, gente!), a 
                        escritores de A a Z? Você mesmo chegou a digitar os 
                        poemas de Pessoa, de Camões...
 Soares Feitosa- 
                        No meu tempo de jornal, a Gazeta de 
                        Notícias era a célula local do concretismo. 
                        Eusélio Oliveira mantinha um suplemento. Alcides Pinto e 
                        os nomes de então freqüentavam a redação. Mesmo assim, 
                        nunca tive maior ligação com a literatura. Nenhum 
                        soneto, nada, absolutamente nada. Mas não vou dizer que 
                        me mantivesse distante da cultura em amplo sentido. 
                        Leituras. Muitas leituras. Na área técnica também, de 
                        tributos. Foi assim: estava eu no meu cantinho, bem 
                        sossegado, quando, um certo dia, de manhã bem cedo, 
                        tendo ido buscar minha mulher na estação rodoviária do 
                        Recife, ouvi no rádio a notícia de que Caruaru, uma 
                        cidade muito maior do que Sobral e Juazeiro juntas, 
                        ficaria dez dias sem água para um com água. Era a Seca 
                        do 93. O repórter fazia um paralelo cruel com a história 
                        de um canal que se construía por aqui. Então, no 
                        caminho, o ''bicho'' me atacou. Vinham imagens. Não 
                        parei para anotar nada, nem saberia o que anotar. Minha 
                        mulher me achou diferente. Retomamos a kombi (do 
                        açougue) e o bicho me atacou novamente. Só deu tempo 
                        chegar em casa e escrever de um jato um poema imenso, um 
                        texto forte, inédito até hoje, ''Siarah'', em que faço 
                        referência a Demócrito Rocha, Wilson Roriz, Conselheiro 
                        e ao sertão. A partir dali, 19/9/1993, nasceu outra 
                        pessoa, o Soares Feitosa. O Francisco Feitosa, o 
                        auditor, hoje advogado, permanece. Um convívio bem 
                        harmônico, mesclados. Por isto mesmo é que nem o 
                        trabalho (advogado) me cansa nem o divertimento (poesia) 
                        me aborrece. Hoje, tenho certeza de que o poema 
                        ''Siarah'' com a divulgação que deveria ter tido, o rio 
                        São Francisco já estaria correndo na praça dos Mártires 
                        onde a epopéia termina... lavando os sangues dos nossos 
                        heróis.
 
 OP- E como foi encontrar 
                        neste caminho o Floriano Martins?
 Soares 
                        Feitosa- Muito mal falado esse Floriano, mas 
                        descobri a velha história: ele é "santo de casa"! Ninguém 
                        faz mais no Brasil pela integração da cultura hispânica 
                        do que o Floriano. Ele, do bolso dele, numa época em que 
                        não havia internet, mantinha correspondência com os 
                        poetas do continente sul-americano para quem o Brasil 
                        inteiro tem dado as costas. Convidei-o para fazer 
                        a Banda Hispânica. Incentivei-o a fundar a 
                        revista Agulha, hoje uma projeção além 
                        fronteiras. A revista é hospedada dentro do Jornal 
                        de Poesia. Tenho o prazer, eu mesmo, de 
                        colocá-la no ar! No dia em que o Brasil descobrir os 
                        escritores dos países vizinhos, a Agulha e 
                        Floriano Martins (Banda Hispânica) serão 
                        registro histórico obrigatório. Terei, é claro, minha 
                        pontinha nessa história. Não posso deixar de registrar o 
                        reconhecimento ao provedor Secrel-Net que, à época em 
                        que eu sequer podia pagar a assinatura da internet, 
                        recém-falido, hospedou o JP, um arquivo 
                        imenso, de não sei quantas mil páginas.
 
 OP- Você passa quanto do seu tempo 
                        diário navegando?
 Soares Feitosa- Moro 
                        dentro do computador. É verdade! Quando retorno de 
                        tarde, ligo-o. Passa a noite ligado. Levanto-me ao 
                        banheiro obrigatório, mas venho ao computador até cair 
                        de sono. Respondo os e-mails, todos, mais de 50 todos os 
                        dias. De manhã bem cedo, tomo café na bancada do 
                        computador. Leio, no computador, os jornais, O 
                        POVO  obrigatoriamente, que sempre tem 
                        matérias de interesse cultural. Leio também os jornais 
                        técnicos, mas aí quem os lê é o advogado Francisco 
                        Feitosa, este ''outro'' meu colega... e meu amigo! O bom 
                        é que os dois se entendem! Certo dia, queria falar da 
                        integração do sistema jurídico, que não pode ser 
                        interpretado isoladamente sem uma visão de conjunto 
                        social e histórico. O Soares Feitosa prontamente 
                        socorreu o doutor Francisco com um poema de João Cabral: 
                        uma manhã de galos, belíssimo, em que um galo acende 
                        outro galo e todos acendem a manhã. O doutor ganhou a 
                        questão.
 
 OP- O que você pensa 
                        sobre esta ferramenta, a internet? Neste mar de 
                        escolhos, o que a sua rede pesca?
 Soares 
                        Feitosa- Não há mar sem escolhos! Compete 
                        catá-los. O pescador de peixes ornamentais procura 
                        peixinhos que a turma do ''alimentar'' recusa de 
                        imediato. É, por conseqüência, tudo válido! Site de 
                        mulher nua? Tem! De político ladrão? Também tem! Em 
                        suma, é bom que de tudo tenha a mais, ao demais, em 
                        demasia. O mundo, a rigor, é demasiado grande. 
                        Catemo-lo! Viajo no ''google'' e no lombo dos meus gatos 
                        - vide poema ''Habitação'', no Jornal de 
                        Poesia. Se é longa a viagem? Claro que é. Quanto 
                        mais longa, melhor.
 
 OP- Alguém já 
                        comparou você ao Quixote?
 Soares Feitosa- 
                        Sim, gosto disto! Foi um recaminho de renascer. 
                        Faço meu exame e me indago: quebrou-me a poesia ou a 
                        poesia é que me impediu de cair depois da quebra? 
                        Desempato em favor da poesia. Muitos amigos que jamais 
                        fizeram uma quadrinha quebraram. É essa mania que temos 
                        de achar álibis.
 
 OP- Qual a maior 
                        alegria que o JP lhe deu, nestes quase dez 
                        anos de existência?
 Soares Feitosa- A 
                        correspondência do JP é absolutamente 
                        ligada no passional. Ou melhor, no sacerdotal. Acho que 
                        eu devia pagar por fazer o Jornal de 
                        Poesia, de tão premiado que tem sido, de tanto 
                        reconhecimento.
 
 OP- Por que até 
                        agora o JP não virou notícia além da rede?
 Soares Feitosa- Eu não me chateio nem 
                        um pouco! Sou doido por reconhecimento, tenho que 
                        reconhecer. Mas nem parece, sou um cara tímido: não 
                        freqüento ambiente algum sem ser insistentemente 
                        convidado.
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