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Carlos Cunha
Av. Joana Angélica, 198
Nazaré, Salvador-BA 
CEP: 40.050-000
Uma notícia do poeta:
  1. bio-bibliografia: 
Poesia:
  1. Poema
  2. A ceia
  3. Canto do Natal no Perímetro Urbano
  4. As Casas
  5. Epitáfio para um Homem Comum
  6. Breve Comunicado do Poeta Burguês
  7. Somos
  8. Tempo de Criança
  9. Epístola para o Filho que se Faz na Madrugada  
Fortuna crítica:
  1. Maria da Conceição Paranhos
Resenhas e ensaios:
Soares Feitosa, o editor

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


 

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Carlos Cunha

                POEMA 
 
 

                ? 
                Se 
                eu 
                cravar 
                num 
                corpo 

                lâmina 
                que 
                outra 
                dor 
                além 
                da 
                fibra 
                que 
                sangra 
                ? 

                ? 
                se 
                eu 
                tocar 
                flauta 
                num 
                poço 
                que 
                eco 
                escuto 
                além 
                da 
                pétala 
                que 
                ouço 
                ? 

               (De Flauta Onírica e Novos Poemas, 2001)

Soares Feitosa, o editor
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Maria da Conceição Paranhos
 

Em

21/07/2001



Poesia
CARLOS CUNHA
Olor de fruto recém-colhido 
 
 

Carlos Cunha reaparece pelas mãos cuidadosas e competentes de Guido Guerra, com ilustrações de J. Arthur (belíssimas, precisariam de comentário à parte), sob o patrocínio da Fundação Gregório de Mattos (presidida por esse humanista, Francisco Sena), nessa coleção que merece todos os louvores e reconhecimento dos leitores e da Bahia de modo geral. Carlos está como um poeta deve estar: tratado à altura do seu mérito. A flauta onírica e novos poemas, 2ªed. ampliada (Salvador: Edições Cidade da Bahia, 2001, Coleção Poesia nº 4, 167 págs.), é uma publicação da maior importância para a literatura baiana, por todas as evidentes virtudes e características. Bem distribuída, estará melhor ainda.

  Como objeto, o livro é um primor - lúcido e minucioso trabalho editorial. Claro, há falhas na editoração, mas essas independem de quem edita. Guido está dando uma significativa contribuição à nossa cidade e, conseqüentemente, às Letras. Diante de tanta edição mal posta que anda por terras brasílicas, as Edições Cidade da Bahia são uma lição de competência e probidade numa conjunção feliz de pessoas que, reciprocamente, se merecem.

  Ganhamos nós, leitores, ganha a literatura baiana, nesse livro que se abre em texto recendendo a fruto recém-colhido. Isto é a verdadeira poesia: não importa o tempo em que foi escrita, terá sempre o sabor do novo em sua construção de linguagem, que nos conduz para uma percepção única do mundo. O segredo se encontra na delicada passagem da percepção poética (estado pré-verbal) para a realização dessa percepção em linguagem.

  Há um ponto nevrálgico, de discussão acalorada, por entre os intelectuais da Bahia neste momento, no que toca à marca diferencial da poesia - há os “formalistas” e os “conteudistas”, dizendo-se uns aos outros seus recíprocos pecados. E essa não é uma questão local, diga-se de passagem: é nacional e possivelmente geral - o que precisa ainda ser examinado com mais vagar.

  O livro de Carlos Cunha surge - não por acaso - nesse momento de controvérsia, aqui na Bahia. A flauta onírica e novos poemas, após 21 anos de lançamento de Flauta onírica (Livraria Nosso Tempo, 1977), nos conduz à morada misteriosa dos sonhos, fonte permanente da criação poética e artística de modo geral, além de instigação continuada às indagações das ciências, não apenas as humanas.

  É uma edição comemorativa em todos os sentidos: o do aniversário de nascimento de Sosígenes Costa (vide colofão), o da celebração do reaparecimento do poeta, há mais de duas décadas ausente das livrarias, o da celebração da poesia - que prevalece, independentemente de ficar oculta ou ocultada por algum tempo. Por isso é que, daqui de onde me situo, aconselho aos poetas jovens: não tenham pressa, não fiquem ansiosos, pois a boa poesia emerge e se mostra, mais dia, menos dia. Basta um leve movimento do poeta: é visto. Assim como a poesia débil será ocultada pelo tempo, mesmo que, na sincronia, esteja rutilando com o brilho falso da bijuteria. Deixemos o mito da precocidade genial para Rimbaud, no século XXI, não há mais lugar para a criança/poeta, pois poetas/crianças somos todos nós, independentemente de nossa decisão. 

  É Rimbaud ele mesmo que nos incita a meditar sobre a infância como pátria do poeta: Cette idole, yeux noir et crin jaune, sans parents ni cour, plus noble que la fable, mexicaine et flamande; son domaine, azur et verdure insolents, court sur des plages nommés, par des vagues sans vaisseaux, de noms férocement grec, slaves, celtiques. (Enfance).*

  A flauta onírica indica o dilema da poesia desde sempre e aponta para a essência da poesia ela mesma: a rejeição ou a exigência de um mundo transcendente, de um mundo de essências que, ante o poeta particular - e no caso de Carlos Cunha com sua própria personalidade fremente e dolorosa - é mobilizado pela incursão sensorial no mundo das aparências. A pátria poética de Carlos Cunha é o Simbolismo (e não se esqueça que, neste, as marcas do Parnasianismo são indeléveis, ao nível de forma). A imagética, as sinestesias, as conexões sensoriais revelam a matriz simbolista; o gosto pelo retórico, pela palavra rara, pelo artifício denunciam a matriz parnasiana. E é daí que Carlos Cunha parte para erigir seu texto, singular entre seus contemporâneos, marcadamente impostado ante uma vida banal e utilitarista contra a qual se posiciona. 

 Nesse movimento, o poeta dialoga com as alegorias, seus totens sagrados, situados numa terra distante do cotidiano e resgatados pela visitação da infância: Em trezentos semáforos luminosos esse tempo tem seus opiáceos...(...) Há um sistema que produz risos;/ há uma lógica que organiza o cio./ Há uma assepsia que desinfeta os pulmões/ em três segundos num relógio cor de óxido. (Artefatos).

  Essa arrogância, essa afirmação do locus da poesia enquanto substrato e fonte de emoções preservadas e puras (Platão) confunde o julgamento de alguns companheiros de geração desse poeta, que o consideram gratuitamente rebuscado e ornamental. Não é. O poeta me faz lembrar as decisões verbais do nosso maior simbolista, Cruz e Sousa. Em Carlos Cunha, também, a sugestão indireta dos símbolos - que não se situam na realidade lógico-causal - atingem um intuicionismo alógico. Estilizando diferentes apoios fonéticos, volta-se para uma poesia densa e musical: aliterações, assonâncias, cognatismo dirigem a orquestração do verso, e a busca da palavra contagia-se do encantamento pelas sonoridades e conteúdos imersos que faz emergir, libertando o vocábulo dos padrões do gosto contingente. 

  É, mais uma vez, Cruz e Sousa, que aqui comparece como modelo de construção formal: Busca também palavras velhas, busca,/ limpa-as, dá-lhes o brilho necessário,/ e então verás que cada qual corusca/ com dobrado fulgor extraordinário. (Arte, 1891). Observem-se esses versos de Carlos Cunha: A visita tem espadas escondidas,/ oculta escarpa entre os mamilos;/ e se despede aromada de suspiros/ martirizando de lírios meus sentidos. (Flauta onírica, p.58). Aqui, como em outros - se não todos - momentos, o poeta vai buscar o casamento raro dos atributos em relação aos referentes, dos complementos em relação às ações ou emoções expressadas pelos verbos e last but not least, um gosto pela super-realidade que o aproxima do surrealismo.

  Nesse livro, há poemas antológicos como “Breve comunicado do poeta burguês”, “Somos” e “Canto de Natal no perímetro urbano”, nos quais o poeta se revela um domador de miragens e um artífice de imprevistos: Há mecanismo no espaço físico das ruas,/ Ruas estreitas apertando/ Casas e cones,/ Ruas largas, aceitando/ Esquinas e deltas. // Ruas que se eu penso/ São becos, burgos, rampas. (p.35). A visão do poeta realiza uma incisão nas geografias por onde deambula e daí retira uma realidade mais real do que a das aparências. O flânneur (Benjamim) busca na cidade aquilo que a própria cidade oculta - uma cidade implantada na lembrança, longínqua e harmoniosa, recolhida, no agora (tempo ameaçado dos deambuladores), em pedaços, fragmentos de uma vida perdida e situada no Absoluto.

  O simples andar pela cidade conduz o eu poético à percepção de várias camadas de realidade escondidas pela aparência imediata ao olhar desprevenido dos que amam com uma ternura dúbia e morta (“Canto de Natal no perímetro urbano”). A escolha vocabular, aqui como alhures, privilegia substantivos concretos que se desprendem da realidade e tornam-se símbolos de uma outra existência, marcadamente onírica. O devaneio do homo delirans substitui-se à rigidez do homo sapiens e retoma o caminho perdido do homo faber, sobrepujando, por isto mesmo, a loucura e a morte. Não há mais lugar para se respirar no mundo das criaturas mecânicas que dormem o sono depressa. (ib.).

  Por outro lado, os blocos fônicos deslizam pelo trilho do tempo humano, espacializando-o para sobreviver. O poeta é ser dos espaços, das geografias, das demarcações de terreno, da palpação dos objetos, da degustação dos momentos, da audição dos sons inaudíveis, da detecção e contemplação do eterno no ínfimo. Arcanjo)aurora(pássaro:/ seu coração foi escasso,/ Astúcia) sargaço (cáften:/ seu coração foi só asco. (p.14). Nos parênteses que se fecham, as realidades escondidas, nos parênteses que se abrem, as realidades percebidas em símbolos; no interregno, o alumbramento e a queda na realidade. As assonâncias e as consonâncias criam a atmosfera onírica, mais uma vez e sempre. O poeta aprendeu a fazer poesia com os grandes poetas do século XIX, inclusive os surrealistas.

  Claro está que, ao situar características de Carlos Cunha em relação à tradição literária é na busca de sua inserção nessa mesma tradição, seja para confirmá-la, seja para contrapor-se-lhe, seja para acrescentá-la de novos conteúdos e novas formas - visto que não há um sem o outro em nenhum momento do resultado do processo poético. O grifo é para assinalar o sintoma, a marca, a cicatriz, a fissura, o crivo, a forma poética, esta, condutora dos conteúdos apreendidos e revelados exatamente porque há uma forma - trabalhada, cuidada, convincente, nítida, transparente, lúcida, conseqüente, bela. Bela, exatamente, porque extremamente cuidada com o rigor obstinado - o ostinato rigore que batiza os poetas para ingressá-los no panteon do cânone. Não há outra saída. O cânone, este sim, permeia-se do gosto pessoal do observador e selecionador, e não poderia ser diferente, mas o cânone é a referência, o caminho claro da realização plena, por isso também norteador para os que estão a emergir e se beneficiam do já construído, do paideuma e sua moira - suas sanções e exigências. E a poesia será, provavelmente, a mais exigente entre as artes. Não é um objeto cultural, já que seu ângulo de visão é supracultural, fragmentário; não se dobra às políticas de territorialidade, pois, a despeito de só existir no espaço da linguagem e da língua, delas se desprende para formar um objeto transcendente; não é literatura, no sentido em que Sartre a concebe em seu famoso ensaio Qu’est-ce que la littérature?, situando-se mais próxima do mito e da religião: suas manifestações externas e suas liturgias.

  Esse esclarecimento é necessário para iluminar a controvérsia local forma/conteúdo, e para direcionar esse foco de luz para a poesia de Carlos Cunha, que sofreu por parte de alguns de seus contemporâneos uma grave injustiça: acreditaram-no maneirista no sentido minimizador do termo, por, pretensamente, cultivar o verso e o vocábulo raros e preciosos. É que a geração 60 vivenciava o clima das vanguardas, desacreditando da tradição, notadamente a romântica/simbolista e a parnasiana. A poesia de Carlos Cunha é, entre os seus companheiros de geração, de primeira linha, não há dúvida. Quem viver, verá. O que se espera agora, do poeta, é o desvelamento de seu texto oculto - os inéditos e os por virem. Afinal, começamos a merecê-lo.

*  Este ídolo, olhos negros e crina amarela, sem pais nem corte, mais nobre do que a fábula, mexicana e flamenga; seu domínio, azul e verdor insolentes, corre nas praias onde ondas sem naus gravaram nomes ferozmente gregos, eslavos, célticos.(Arthur Rimbaud. Infância. Tradução de Celina de Araújo Scheinowitz).
 

Maria da Conceição Paranhos
é poeta e professora universitária; doutora em Literatura Comparada.
 

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A Ceia 

 
  
No restaurante 
o cardápio voa: 
é ave. 
  
(Ruminação espacial. 
A língua transcende 
sua gula ornamental: 
a flora). 
  
No restaurante 
o cardápio afoga-se: 
é suco. 
  
Cítrica partilha. 
A sede suga no filtro 
natureza morta/estampa 
líquida). 
  
No restaurante 
o cardápio tritura: 
a fauna. 
  
(Substâncias gástricas. 
Gustação quase oval: 
a gema e o sal. 

(De Flauta Onírica e Novos Poemas, 2001)


 
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