Carlos Cunha


Somos

  
somos apenas para dizer palavras 
e entregamos o nosso corpo nas ruas 
depois repousamos os músculos. 
não somos puros porque 
despidos depois de amar 
não permanecemos. 
nos perdemos na busca de símbolos: 
só as casas têm números 
só os homens têm nomes. 
queimadas as pálpebras nas cinzas do sono 
não sabemos que a madrugada se faz 
nas estrelas que gotejam sangue. 
morremos e não percebemos as semelhanças 
que há no peixe e no pássaro 
no musgo e no vento. 
possuímos um silêncio para os mortos 
e um tumulto para o que amamos. 
guardamos cores na lembrança 
e envelhecemos antes de sair da infância. 
refletimos o nosso medo e solidão 
nos muros, nos bichos, nas flores, 
sem sabermos que os mortos são fotogênicos 
sem acharmos a serenidade 
que faz este mar azul.


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