Carlos Cunha


Canto do Natal no Perímetro Urbano

 
há mecanismo no espaço físico das ruas. 
ruas estreitas apertando 
casas e cones:
ruas largas aceitando 
esquinas e deltas; 
ruas que se eu penso 
são becos, burgos, rampas. 
todas repletas de criaturas mecânicas 
que dormem o sono depressa 
da aceitação sem hino, 
que amam com uma ternura 
dúbia e morta.
cheias de criaturas chamadas práticas 
que choram uma vez por ano
que perdoam uma vez por ano 
que são solidárias uma vez por ano. 
as vitrines são bailarinas feéricas 
bonecos que expelem fogo pela boca 
ursos que falam com um gramofone no peito 
papai-noel sem mais a obesidade secular. 
estão cheias de criaturas metódicas 
que pensam que jesus cristo é romano 
que leram a bíblia para duvidar 
que informam que o anjo gabriel 
é vesgo e coxo.
as igrejas são santos de celulóide 
sinos automáticos
cérebros eletrônicos medindo o fervor 
dos salmos e a carência dos deuses. 
o recém-nascido 
é ensaiado nas televisões 
o recém-nascido 
tem um olho azul de vidro
o recém-nascido
tem o cabelo partido ao meio. 
as ruas estão cheias 
dos que não perdoam uma vez por ano 
dos que não são solidários uma vez por ano 
dos que não choram uma vez por ano. 
o canto do galo já não tem sete ecos 
a estrela que guia já não tem sete cores 
o rei que indaga que indaga 
já não tem sete servos. 
os reis magos são todos 
do perímetro urbano, 
os bichos que adoram 
são bichos domésticos, 
os pastores são todos 
do perímetro urbano.


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