Carlos Cunha


Epístola para o Filho que se Faz na Madrugada

 
 
o teu corpo será cálido 
porque se faz na crisálida 
do meu silêncio que não amadurece o grito; 
porque se faz no claustro 
do flanco sem o mistério 
do meu olhar onírico e torturado. 
o teu corpo não vai sofrer 
as lâminas primitivas 
de um signo ríspido 
surdo como o recinto das pedras, 
porque se faz num tempo 
suavemente indormido 
em que a madrugada 
estiliza na seiva o riso, 
e liquefaz para meu corpo 
seu despojamento lírico. 
o teu corpo nunca estará 
frio e absorto 
porque se teu hálito 
se incorpora ao meu medo, 
a madrugada plasma em tua carne 
um canto para o degredo. 
o teu corpo nunca estará 
vazio e morto, 
porque se faz no tempo 
em que em mim já não reponho 
este lirismo em que me fiz 
para humanizar teu peito. 
o teu corpo será cálido 
porque se faz na crisálida 
do meu silêncio que não amadurece o grito.


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