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Alberto da Cruz


 

Condenado!


Condenado!
Arqueado sobre a mesa
E ensimesmado.
Condenado!
Mutilado pela beleza
E derrotado.


Condenado!
Injustiçado por esperteza
E arruinado.
Condenado!
Acamado por tristeza
E sufocado.


Condenado!
Velado sem pureza
E amaldiçoado.
Condenado!
Sepultado sem nobreza
E abandonado.


Castelos


Castelos desmoronam
Com rapidez estonteante.
Construídos com maestria
Não contavam com a maresia
Nos terrenos arenosos.
As paredes se desfazem
O teto cai
O chão rui...


Nada mais existe,
Os sonhos morrem
Quando a onda vai.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

Alberto da Cruz


 

Vinho e cigarro


Minha ruína bebo em longos goles;
Minha morte sorvo lentamente;
Meu destino vejo calado...
A me fitar sofregamente.


Esta taça em minhas mãos,
Este ardor me corrói lentamente...
Rubros olhos, face rubra...
E o delírio em mim... intensamente.


Aproxima-se do fim o líquido rapidamente...
Desvirtuo a vida e nos prazeres
Insana a consciência dos quereres...
A fumaça toma a cela completamente.


A morte encerra a vida;
Na garrafa finda o vinho...
As cinza acabam no cinzeiro...
O poema termina no lixo...

 

— E meu corpo na sepultura! —

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

Alberto da Cruz


 

Fruto do pecado


O fruto do pecado me tenta...
A serpente me ronda à espreita,
O veneno me flui nas veias
E não me entendo a mim.


Quero retê-la aos braços
E conter o seu corpo...
Quero repudia-la
E volver ao meu desgosto.


Quero tê-la na cama
E amar sem pudor.
Quero negá-la três vezes
E chorar meu desengano.


Quero pecar... no teu corpo
E ir ao céu... no teu gozo.
Quero o perdão... do desencontro
E ir ao inferno... do profano.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Triumph of Neptune

 

Alberto da Cruz


 

Biografia Sintática


Eu, substantivo, na ação verbal
Como objeto jamais quis permanecer.
Nutri em vida o ledo sonho
De como sujeito me enternecer.


Fui infeliz na sintaxe da vida,
Pois primeiro me coube a função
Completiva de outro nome
Por imposição de um Ser.


Tornei-me passivo e subordinado,
Com deveras esforço, galguei novo cargo.
Como adjunto caracterizei um cognato
Desses mais aclamados.


Tempos passados me coordenaram
E por meros instantes me orgulhei,
Mas quis o sádico destino alomorfizado
Que eu fosse somente um derivado.


No processo verbal, deixaram-me,
Sem me consultar, no predicado.
Tolo eu fui, pois não me permitiram nuclear...
Completei, assim, um indiferente verbo irregular.


Sofri a farfalhada zombaria
De ingratas preposições....
Delas nada mais se pode esperar,
E a pena caridosa das interjeições
Suspirando seus ai, ais!


Ao meu lugar me pus
E aceitei a passividade do termo,
Quando me promoveram à categoria
De objeto direto, mas por não confiarem,
Fui impiedosamente pleonastiquizado .


A pena, cumpri sem questionar,
Pois esperanças mantive de me verbalizar;
E na diferente construção,
Enfim me realizar.


Não tive a sorte
E no período vaguei
Sem fixa posição,
Totalmente sem lugar.


Quando por fim a notícia tive,
Estava a me deslocar.
Convidaram-me para sujeito
E nem pude acreditar.


De gala me vesti
Todo, inteiro e aprumado
Com o sorriso exposto compareci
Para ser apenas indeterminado.


Magoado com os termos
Faltando a concordância
Brigado com a regência
Desisti da sintaxe...


E fui ser anacoluto na vida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Acis and Galatea

 

Alberto da Cruz


 

Fazer poético


Meu fazer não é poético... lírico?
Fora um dia, não mais.
Agora a forma é áspera
E o fruto prima pelo amargor.


Poesia, amor, desejo, rebeldia... ficção!
Não passa de ironia...
Escrever às vezes é maçante
Como ler um livro entediado da leitura.


Deixo as palavras fluírem...
Assim, sem sentido aparente...
Postas, sobrepostas, pospostas, antepostas,
Vão aos poucos ganhando forma, justapostas.


Adquirem significados notórios
Desde que atinjam seu objetivo
Trancafiado no limiar do inconstante
No fluxo desvairado do inconsciente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

Alberto da Cruz


 

Cavaleiro das Sombras


Nervoso, penetro a gruta sombria,
Afiada espada nas mãos,
Sequioso de um sanguinário combate
Entre a alvura e a escuridão.


Lentamente, caminho em direção.
O funesto lugar de sonhos
Arrepia-me a alma descontente,
Calo a voz, suspiro, sigo em frente.


Erguida, a lâmina brilhante,
Seu fio afiado desbrava a mata,
Na surdina da gélida noite
Murchas flores, secas folhas estalam.


Furtivamente, prossigo...
Estalam sob meus pés as folhas
Meu rosto banha-se de suor
Temo morrer, será o pior.


Voraz, caminho apressado,
Preparado para a figura do monstro,
Enlouquecido, matar...
Aperto o passo – descompassado, frenético, delirante


Defronte ao inimigo
Sem dúvidas é o amargor.
Uivo, berro, grito, ... soluço e... choro.
Abaixo a cabeça e, Deus! eu coro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alberto da Cruz


 

Quis escrever


Quis que escrevesse um poema
Sem importar-me aos traços imberbes
Da alma minha, o destino.


O papel, trêmulas as mãos
Lancei de esperanças falsas
Tomado, a escrever.


O tempo em vão gastei;
O papel manchei
Sem nada entender.


Erradas as mãos
À empresa falida
Não soube fazer.

 

 

 

 

 

 

27.09.2005