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Ronaldo Correia de Brito

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


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Alguma notícia do autor:

 

Fonte: Diário do Nordeste

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um esboço de Da Vinci

 

A menina afegã, de Steve McCurry

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ronaldo Correia de Brito

O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil

13.11.2011

 


Nem arte, nem loucura

 

"O verbo surtar ganhou status e glamour. Hoje em dia todos surtam. É a moda"

 

 

Entre as balelas inventadas pela modernidade, uma foi estabelecer nexo entre arte e loucura, como se o artista fosse necessariamente um alucinado. Diz-se comumente que “de artista e de louco todo mundo tem um pouco”. O verbo surtar, do jargão psiquiátrico – que significa a perda de controle sobre si mesmo, a entrada num estado paranóide ou delirante com todas as dores próprias da alucinação –, ganhou status e glamour. Hoje em dia todos surtam. É a moda. Até o Houaiss já registrou o significado mais ou menos brando do verbo surtar, colocando-o no campo das neuroses, dos problemas psicológicos. Ninguém se assuste ao ouvir esse neologismo nas filas de banco, no supermercado e na novela das seis horas.
A sociedade apropriou-se da loucura como um bem descartável, banindo o que havia de sagrado e maldito nesse estado alterado de consciência. Empanturrou-se de drogas, de medicamentos, de álcool e fumo. E também de psicanálise. Na derrapada, confundiu o estado de transe criador com o delírio esquizofrênico, o jejum da ascese com a anorexia nervosa, a náusea existencialista com a bulimia das modelos de passarelas. A fantasia de que os artistas são seres fragmentados é própria de uma sociedade com rupturas.

Os poetas buscaram o absoluto, um fluxo permanente de criação a custo de trabalho e sofrimento. Nietzsche não escreveu delirando, Schumann não compunha em surto psicótico, nem Van Gogh pintava quando estava alterado. Os Upanishads, textos sagrados do povo indiano, definem o vazio que antecede o ato criador como um instante de comunhão com o ser: “O mais alto estado se alcança quando os cinco instrumentos do conhecer permanecem quietos e juntos na mente, e esta não se move.” Êxtase, iluminação, revelação ou inspiração, qualquer nome que se queira dar a esse estado, não corresponde à loucura. Ao contrário, é puro saber. O poeta inglês Wordsworth escreveu que “a poesia é emoção relembrada em tranquilidade.” O mesmo pensou Freud quando afirmou que no ato criador há um fluxo de ideias e imagens que jorram do inconsciente, mas são polidas pelo consciente.

Na era moderna, o artista desprezou a natureza coletiva da criação, assumindo um exacerbado individualismo. Atribuiu a si próprio a única responsabilidade por sua arte e nomeou-se “criador”, epíteto antes usado apenas para designar os deuses. A autoria virou a marca do nosso tempo.

Os pintores zen-budistas não assinavam suas aquarelas porque acreditavam que elas só adquiriam existência ao serem contempladas. Qualquer pessoa que a olhasse se tornava o autor, pois a reinventava a partir daquele instante de contemplação, conceito filosófico vago para a nossa mente ocidental monoteísta, que atribui a criação do mundo a um Ser único. A modernidade buscou assinaturas onde elas não existiam, em trabalhos reconhecidamente coletivos, de mestres e discípulos. Os afrescos italianos pintados por confrarias de artesãos tornaram-se obras exclusivas de Giotto, Duccio, ou Pisanello. Apagaram-se os nomes dos pintores especialistas em mãos, pés, olhos, douramentos, pregas de mantos, molduras, que trabalharam em paredes de igrejas e palácios, acreditando que bem melhor do que sonhar uma obra de arte é realizá-la. Buscou-se a assinatura do criador único, por mais oculta que ela se encontrasse, sob camadas de tinta.

Entre as nações tribais, bastava que um membro se desgarrasse dos costumes para ser punido com a expulsão ou a morte. A mitologia está repleta de heróis que padeceram na luta pela individuação. Quando uma sociedade se confronta com um artista, ela tanto pode aliená-lo de sua coletividade, como elegê-lo seu representante. Ao mesmo tempo em que ela cobra dele que rompa com as regras, transgredindo, extrapolando, derrubando muros, pune-o por essas transgressões.

Surge a figura moderna do artista neurótico, perplexo e fragilizado, que não distingue o eterno do descartável, porque também não lhe interessa essa distinção. Tudo é consumido numa velocidade alucinante. O novo envelhece em poucas horas, criam-se novos simulacros, as prateleiras são repostas. O artista se transforma em fabricante de escândalos, em alucinado. Confunde-se arte e produto, poesia e escracho, êxtase e exposição da imagem. E o atributo de loucura serve apenas à ambígua função de justificar o artista ou execrá-lo.


 

Ronaldo Correia de Brito é escritor, dramaturgo e médico. Autor de Galileia, Faca e Livro dos Homens
 

 

 

 

 

     
 
Ana Cristina Souto

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Astrid Cabral

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

Vivien Lando

Folha de São Paulo

29.9.2008

 


Em "Galiléia", autor usa Bíblia para contar história no sertão

Ronaldo Correia de Brito consegue narrativa de densidade e precisão

Romance é estréia de contista, cronista e dramaturgo no gênero; livro foge de regionalismos ao se fincar no presente e na globalização


 

Na Galiléia original, nasceram Jesus e os apóstolos, com exceção de Judas Escariotes, natural da Judéia. Das tantas cidades da região, inclusa Nazaré, foram poucos os habitantes que acreditaram nos milagres, na Ressurreição ou mesmo na existência do Cristo.
Já na Galiléia do escritor Ronaldo Correia de Brito, uma antiqüíssima fazenda encravada no sertão dos Inhamuns, Ceará, a família Rego Castro prefere crer no que não vê, dialogar com os mortos, ocultar os estupros, esconder os assassinos e cultuar o adultério e conseqüentes bastardos.

Originários da mistura entre portugueses judeus e cristãos novos, índios de duas tribos e negros, quase todos do clã possuem nomes tirados da História Sagrada, na qual o Velho e o Novo Testamento convivem em alternância. E ainda usufruem da licença poética do autor, que atribui a uns o nome e a outros a lenda, como é o caso de Esaú e Jacó, cuja história do gêmeo bíblico predileto da mãe recai sobre outro parente.

Em sua estréia em romance, vindo de longa carreira como contista, cronista e dramaturgo, esse cearense de 58 anos recorta a Bíblia em um quebra-cabeça de novo encaixe -com muita habilidade e, sobretudo, intimidade, já que algumas personagens o acompanham em origem e trajetória: nascimento no sertão, passagem pelo Cariri, formação médica no Reino Unido e mudança para o Recife.
O mais próximo do autor é o narrador Adonias, médico que, em companhia de dois primos, retorna à casa paterna sob o pretexto de assistir à morte do avô, um sertanejo retado que deveria se chamar Abraão, mas, por insistência do padre de batismo, acabou Raimundo Caetano, com muita honra.

O outro primo, um que foi registrado como filho do avô e irmão do próprio pai, escondeu suas dores na Noruega, enquanto o terceiro caminhou a esmo entre Paris e Nova York, numa suposta carreira musical que se revela pouco artística.

"Mas o que fizemos Davi, Ismael e eu todos esses anos, senão fugir? O mar!", reconhece Adonias, ao se dar conta da repetição dos atos dos antepassados da Idade Média. Ou da semelhança com os judeus, que nunca têm o direito de esquecer, mesmo não o sendo mais.
Da confluência autorizada entre o rio Jaguaribe e o Jordão, onde o trem azul do Cariri nem faz mais curva, onde o Muro das Lamentações esbarra no Santo Sepulcro situado a poucos metros da estátua do Padim Cícero, no Juazeiro do Norte, e onde a seca da caatinga chama chuva forte para enxaguar mágoas, Ronaldo Correia de Brito extraiu um livro denso, preciso e, às vezes, esquemático.

Sobretudo pela busca insana de encaixar destinos irreconciliáveis e mundos tão diversos. Felizmente, passa longe do new regionalismo que tentam lhe atribuir: se finca no presente e permanece atento a uma realidade na qual, até segunda ordem, a globalização é soberana.
Ao final, diante da morte que não chega a tempo na hora e local combinados, branquelas, gentios e caciques retomam suas vidinhas sem discussão.

Afinal, o período de confrontos serviu para o resgate individual, um rápido intervalo entre o gênesis e o apocalipse de cada um dos nascidos na Galiléia -o lugar onde nunca se sabe o que é verdade.
 


GALILÉIA
Autor:
Ronaldo Correia de Brito
Editora: Alfaguara
Quanto: R$34,90 (236 págs.)
Avaliação: bom
Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

     
 
Wilson Martins

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

6.12.2008