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Cassiano Ricardo 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

 

Cassiano Ricardo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ticiano, Flora

 

Mary Wollstonecraft, by John Opie, 1797

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba

 

 

 

 

 

Cassiano Ricardo


 

Biografia:

 

Cassiano Ricardo (C. R. Leite), jornalista, poeta e ensaísta, nasceu em São José dos Campos, SP, em 26 de julho de 1895, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 14 de janeiro de 1974. Eleito em 9 de setembro de 1937 para a Cadeira n. 31, na sucessão de Paulo Setúbal, foi recebido em 28 de dezembro de 1937 pelo acadêmico Guilherme de Almeida.

Era filho de Francisco Leite Machado e Minervina Ricardo Leite. Fez os primeiros estudos na cidade natal. Aos 16 anosCassiano Ricardo publicava o seu primeiro livro de poesias, Dentro da noite. Iniciou o curso de Direito em São Paulo, concluindo-o no Rio, em 1917. De volta a São Paulo, foi um dos líderes do movimento de reforma literária iniciada na Semana de Arte Moderna da 1922, participando ativamente dos grupos "Verde Amarelo" e "Anta", ao lado de Plínio Salgado, Menotti del Picchia, Raul Bopp, Cândido Mota Filho e outros. Formaram a fase que Tristão de Athayde classifica de nacionalista.

No jornalismo, Cassiano Ricardo trabalhou no Correio Paulistano (de 1923 a 1930), como redator, e dirigiu A Manhã, do Rio de Janeiro (de 1940 a 1944). Em 1924, fundou a Novíssima, revista literária dedicada à causa dos modernistas e ao intercâmbio cultural pan-americano. Também foi o criador das revistas Planalto (1930) e Invenção (1962).

Em 1937 fundou, com Menotti del Picchia e Mota Filho, a "Bandeira", movimento político que se contrapunha ao Integralismo. Dirigiu, àquele tempo, o jornal O Anhangüera, que defendia a ideologia da Bandeira, condensada na fórmula: "Por uma democracia social brasileira, contra as ideologias dissolventes e exóticas."

Eleito, em 1950, presidente do Clube da Poesia em São Paulo, foi várias vezes reeleito, tendo instituído, em sua gestão, um curso de Poética e iniciado a publicação da coleção "Novíssimos", destinada a publicar e apresentar valores representativos daquela fase da poesia brasileira. Entre 1953 e 1954, foi chefe do Escritório Comercial do Brasil em Paris.

Poeta de caráter lírico-sentimental em seu primeiro livro, ligado ao Parnasianismo/Simbolismo, em A flauta de Pã (1917) adota a posição nacionalista do movimento de 1922, revelando-se um modernista ortodoxo até o início da década de 40. As obras Vamos caçar papagaios (1926), Borrões de verde e amarelo (1927) e Martim Cererê (1928) estão entre as mais representativas do Modernismo. Com O sangue das horas (1943), inicia uma nova e surpreendente fase, passando do imagismo cromático ao lirismo introspectivo-filosófico, que se acentua em Um dia depois do outro (1947), obra que a crítica em geral considera o marco divisório da sua carreira literária. Acompanhou de perto as experiências do Concretismo e do Praxismo, movimentos da poesia de vanguarda nas décadas de 50 e 60. A sua obra Jeremias sem-chorar, de 1964, é bem representativa desta posição de um poeta experimental que veio de bem longe em sua vivência estética e, nesse livro, está em pleno domínio das técnicas gráfico-visuais vanguardistas.

Se a sua obra poética é tida como uma das mais sérias e importantes da literatura brasileira contemporânea, a de prosador é também relevante. Historiador e ensaísta, Cassiano Ricardo publicou em 1940 um livro de grande repercussão, Marcha para Oeste, em que estuda o movimento das entradas e bandeiras.

Cassiano Ricardo pertenceu ao Conselho Federal de Cultura e à Academia Paulista de Letras. Na Academia Brasileira de Letras, teve atuação viva e constante. Relator da Comissão de Poesia em 1937, redigiu parecer concedendo a láurea ao livro Viagem, de Cecília Meireles. Para a vitória do seu ponto de vista, manteve destemido confronto. Saiu vitorioso, e Viagem foi o primeiro livro da corrente moderna consagrado na Academia. Ao lado de Manuel Bandeira, Alceu Amoroso Lima e Múcio Leão, Cassiano Ricardo levou adiante o processo de renovação da Instituição, para garantir o ingresso dos verdadeiros valores.

Fonte: Academia Brasileira de Letras


 

A bibliografia do escritor é a seguinte:

  • Dentro da Noite - 1915

  • A Flauta de Pã - 1917

  • A Mentirosa de Olhos Verdes - 1925

  • Borrões de Verde e Amarelo - 1926

  • O Corrupira e o Carão (ensaio) 1927

  • Canções de Minha Ternura - 1927

  • Martim Cererê - 1928

  • O Brasil no Original (ensaio) 1936

  • O Negro na Bandeira (ensaio) 1938

  • Discurso de Recepção na Academia Brasileira 1938

  • A Academia e a Poesia Moderna (ensaio)-1938

  • Pedro Luis Visto Pelos Modernos (critica liter.) 1939

  • Marcha para Oeste (ensaio) 1942

  • O Sangue das Horas -1943

  • Um Dia Depois do Outro- 1947

  • A Face Perdida- 1950

  • Poemas Murais- 1950

  • 25 Sonetos-1952

  • A Poesia na Técnica do Romance-1953

  • O Tratado de Petrópolis -1954

  • Pequeno Ensaio de Bandeirologia- 1956

  • Meu Caminho Até Ontem (coletânea) 1955

  • Arranha-céu de Vidro- 1956

  • João Torto e a Fábula -1956

  • O Homem Cordial (ensaio)- 1957

  • Poesias Completas 1957

  • Martins Fontes (ensaio) 1958

  • Montanha Russa -1960

  • 22 e a Poesia de Hoje- 1962

  • O Poema e (Hoje) Sua Autonomia -1963

  • Jeremias Sem-Chorar -1964

  • Algumas Reflexões Sobre Poética de Vanguarda (ensaio) 1964

  • O Indianismo de Gonçalves Dias (ensaio) 1965

  • Viagem no Tempo e no Espaço (memórias) 1970

  • O Sobrevivente - 1971

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

 

 

 

 

 

Cassiano Ricardo


 

Indômitus
 

a Murilo Mendes



O mar é uma esmeralda suja.
Recifes de coral repontam como flores de sangue salpicado de espuma.


(Coisa que explica naturalmente sangue róseo dos náufragos.)
As espadas dos peixes aguerridos
(os espadartes) trançam cintilações de prata
em campo blau, como num escudo.
O escudo de Netuno contra o casco do Indômitus.
A arte de navegar entre espadas
não é tão fácil, senão a mais oscilante das
artes.


Não consta da rosa-dos-ventos...
Se bem que uma rosa-dos-ventos é rosa
mas apenas no nome. Antes, a chamaremos de malme-quer
até Dumquerque.


Indômitus está dançando agora entre duas espécies de
estrêlas.


A hora não é pra considerações em tôrno do
que possa acontecer.


É a hora do sangue-frio. Porque os peixes,
como os capitães, são animais de sangue-frio.


A hora é do vento
pela proa, ou a maubordo (não bombordo).
Nasce uma flor no mastro, um flama (não flâmula).
Indômitus então navega em plena rosa cega.


Uma fulguração súbita escreve no ar uma frase.
Thamuz, Thamuz, panmegas tethneka. Fulmotondro.
O comandante está dizendo à sua maruja que não há
no dicionário uma palavra mas bonita do que arquipélago.


Trinta pombos azuis em formação geométrica voltarão
ao navio.
 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Cleópatra ante César

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Artur da Távola

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tintoretto, Criação dos animais

 

 

 

 

 

Cassiano Ricardo


 

Papagaio Gaio


Papagaio insensato,
que te fêz assim?
Que não sabes falar
brasileiro
e já sabes latim?


Papagaio insensato,
ave agreste, do mato,
que diabo em ti existe,
verde-gaio,
que nunca estás triste?


Papagaio do mato,
se nunca estás triste,
quem foi que te ensinou,
por maldade,
a palavra saudade?


Papagaio triste,
papagaio gaio,
quem te fêz tão triste
e tão gaio,
triste mas verde-gaio?


Papagaio gaio,
quem te ensinou,
em mais
do mato, a repetir,
papagaio,
tanto nome feio?


Gaio papagaio,
gaio, gaio, gaio,
que repetes tudo...
Antes fosses
um pássaro mundo.


Papagaio do mato,
se nunca estás triste,
quem foi que te ensinou,
por maldade,
a palavra saudade?


Papagaio gaio.
Gaio, gaio, gaio.
 

 

 

Crepúsculo, William Bouguereau (French, 1825-1905)

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Lilian Mail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Cassiano Ricardo


 

Os nomes dados a terra descoberta


Por se tratar de uma ilha deram-lhe o nome
de ilha de Vera-Cruz.
      Ilha cheia de graça
      Ilha cheia de pássaros
      Ilha cheia de luz.


      Ilha verde onde havia
      mulheres morenas e nuas
      anhangás a sonhar com histórias de luas
      e cantos bárbaros de pajés em poracés batendo os pés.


Depois mudaram-lhe o nome
      pra terra de Santa Cruz.
      Terra cheia de graça
      Terra cheia de pássaros
      Terra cheia de luz.


A grande terra girassol onde havia guerreiros de tanga e
onças ruivas deitadas à sombra das árvores
mosqueadas de sol


Mas como houvesse em abundância,
certa madeira cor de sangue, cor de brasa
e como o fogo da manhã selvagem
fosse um brasido no carvão noturno da paisagem,
e como a Terra fosse de árvores vermelhas
e se houvesse mostrado assaz gentil,
       deram-lhe o nome de Brasil.


       Brasil cheio de graça
       Brasil cheio de pássaros
       Brasil cheio de luz.

 

 

 

Bernini_Apollo_and_Daphne_detail

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José Geraldo Neres

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Exposition of Moses

 

 

 

 

 

Cassiano Ricardo


 

Coroa mural


Muro que hoje separa
os homens
em passado e futuro,
que divide, agora,
o coração em dois: em oriente
e ocidente.
Divide o sol em dois:
em dois mistérios.
Divide o mundo em dois:
em dois hemisférios,
Ou em dois cemitérios?


No labirinto
do desentendimento humano
o anjo rebelde
se debate em busca
de uma saída.
E ao mesmo tempo, é expulso
de uma cor para outra,
deixando os pés escritos
em areia e neve,
na rude geografia
das injustiças.


(Só a dor e as estrelas
são universais).


Mas, como destruí-lo?
Com as velhas trombetas
de Jericó,
já douradas de pó?
Recolocando, no ar,
em seu lugar, agora
o novo arco celeste
de uma ponte pênsil?


Ou com a lira em flor
Que Anfião tocou em Tebas?
Anfião, a quem possam
as pedras transformar-se,
de novo, em pássaros?


Ou com o sol de hidrogênio
e só pelo consolo
de morrermos, todos,
— todos, ao mesmo tempo —
e, assim, um ser irmão
do outro, por prêmio?


Ah! o herói obscuro
a quem — todos — pudéssemos.
os que sofremos dentro
e fora do muro;
de um só mal, todos presa,
ofertar, toda em ouro,
a coroa mural,


Igual à que os romanos,
num afresco antigo,
estão oferecendo,
sob um céu de turquesa,
ao primeiro soldado
que escalou a muralha
de uma fortaleza.


O dia é geográfico
A noite é universal.
Mas, se Deus ouvir rádio,
esteja onde estiver,
ouvirá o meu grito:
por que a noite nos une
e o dia nos separa?
 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

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Cristiane França