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Alécio Cunha

 

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Poesia:

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Ensaio, resenha, crítica & comentário:

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

William Blake (British, 1757-1827), The Ancient of Days

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Grief of the Pasha

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Slave market

Alécio Cunha

 

15.6.2003

Vento e Pressário

Na cena poética brasileira contemporânea, é raro um autor conciliar tradição e modernidade sem cair nas ciladas do antagonismo. Nem sempre negar o passado é a melhor forma de transcendê-lo, assim como aceitar a força pretérita de modo passivo geralmente resulta na inconsistência de textos frouxos e, na grande maioria das vezes, anacrônicos.

O poeta e ensaísta carioca Antônio Carlos Secchin dribla essas idiossincrasias no livro “Todos os Ventos", que revela a potência eólica de seus poemas. A obra, que está sendo lançada pela editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro (RJ), agrupa três décadas de poesia, ofício iniciado em 1973, quando ele publica “Ária de Estação".

O mais interessante é poder observar que a porção poemática do autor não é tão conhecida como seu trabalho ensaístico. Durante os anos 80 e 90, Secchin, de 52 anos publicou textos crítico-analítico de intenso fôlego, quase sempre tentando interpretar a capacidade poética alheia. Agora, seu magnífico trabalho passa a ter uma circulação e ressonância maiores, à altura de seu talento.

Secchin não é mais o poeta dos críticos, elogiado somente pelos coetâneos. Dois deles, aliás, comparecem ao volume, com análises da vitalidade literária do autor: Eduardo Portella e Alfredo Bosi, esse último, autor de duas obras-primas do ensaísmo nacional: “História Concisa da Literatura Brasileira" e “O Ser e o Tempo da Poesia", texto de nítida vocação heideggeriana.

“Todos os Ventos" confirma o estilo único do poeta, que adora rearticular o passado. Seus poemas invocam o pastiche ao se aproximarem de nomes como Álvares de Azevedo e Gregório de Matos. No entanto, é na fonte do modernismo que Secchin brilha, dialogando de igual para igual com nomes exponenciais daquele período.

Nesse dialogo feérico, destacam-se Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles, essa última paixão declarada do crítico, que organizou sua obra poética completa, publicada pela editora Nova Fronteira há dois anos, durante as comemorações do centenário de nascimento da autora de “Romanceiro da Inconfidência".

A metafísica de Secchin, embalada pela leveza irônica e munida de um estro de sólido porvir, abre espaço para divagações instigantes sobre os dilemas do ser e estar no mundo. Ele mantém uma postura dialógica com autores bem diversos entre si, surgidos após o embate modernista, como o maranhense Ferreira Gullar (antes da experimentação neoconcreta) e o carioca Vinicius de Morais, sobretudo o poeta religioso e empedernido dos anos 40, ainda influenciado pelo catecismo carola de Octávio de Faria e Gustavo Corção.

O poema “Arte", dedicado a Antonio Cicero, funciona como excepcional cartão de visitas ao estilo de Secchin: “Poemas são palavras e presságios,/pardais perdidos sem direito a ninho./Poemas casam nuvens e favelas/e se escondem pós no próprio umbigo/Poemas são tilápias e besouros,/ar e água à beira de anzóis e riscos/São begônias e petúnias,/isopor ou mármore nas colunas,/rosas decepadas pelas hélIces/de vôos amarrados contra o chão/Resto do que foi orvalho,/poema é carta fora do baralho/milharal virando cinza/pelo fogo do espantalho".

O tom metafísico de Secchin ganha ricos recheios no decorrer do livro. “Ar", dedicado ao gaúcho Carlos Nejar, também prenuncia o poema como depositário do belo: “O ar ancora no vazio/Como preencher/seu signo precário?/Palavra,/nave da navalha/gume da gaiola/invente em mim/o avesso do neutro/o não-assinalado,/o lado além/do outro lado."

Dentro do itinerário afetivo do poeta, há lugar para poemas-tributo anos-luz da puxa-saquismo tradicional. Como esse, dedicado a João Cabral de Melo Neto: “O engenheiro debruçado/sobre o som horizontal das praias/ordena o ritmo das ondas/constrói os vértices do verde./O engenheiro debruçado/sobre o prisma dos areais/caligrafa a voz do vento/amestrando o som do cais/O engenheiro debruçado/sobre as arestas do concreto/soletra o fio de seus rios/entre as sílabas do deserto".

 

Antônio Carlos Secchin