Um esbo�o de Leonardo da Vinci

— Soares Feitosa

Um esbo�o de Leonardo da Vinci

 

Um cron�metro para piscinas

 

 

"Nisto, a Arte,

meu caro senhor monge Jorge!

Porque s� a Arte tem o leg�timo poder

de  transformar o puro em imundo;

o imundo em sagrado.

Onde se lia o Mal, leia-se o Bem!"

 

Um instante s� de minha distra��o, e Al�dio, o comerciante, dizendo-se cliente do Coronel, contou a hist�ria do pr�prio pai, um matuto muito trabalhador, valente e cheio de mulheres, l� das brenhas dos sertanejos, perto de Arapiraca.

Contou que s� de mulheres com o nome de Vera, o pai montara casa para tr�s, novas e bonitas, mas havia outras, com outros nomes, uma infinidade de Marias, Ant�nias e Franciscas.

Um dia, ele desconfiou que uma daquelas Veras o tra�a. Fez que ia de viagem e foi, mas voltou La Gioconca, Leonardo da Vinciantes do fim do caminho, a ponto de chegar no romper da barra. Buzinou e focou a luz da camionete bem em cima da casa. S� deu tempo ver, bem ligeira, a janela do oit�o lateral abrir-se como se fosse uma lufada de vento ao contr�rio, e, no seu rastro, a pernada do cabra. Um corisco teria sido mais lerdo, fugindo, seminu, para o matagal, o cabra. Dois tiros r�pidos, do pai, mas n�o acertou nenhum.

Ent�o, s�bito, na seq��ncia da pernada, surgiu, na janela, um rosto na dire��o do cabra, fugindo. E voltou-se, em rosto, bem na dire��o aos tiros...

�Meu filho — assim me disse meu pai —, era um olhar t�o doce e gentil, que, imediato, lancei-lhe a desist�ncia. Sim, acho que ela me viu. Era contra os far�is do carro, mas era a favor da luz do Sol, que acabara de nascer. Viu, sim! Ela me viu! A Vera, de remorsos, olhando s� para mim! O problema, meu filho, e por favor repare nos seus irm�os pequenos, � que o terceiro tiro j� havia sido disparado. Bem no meio da testa — e se benzeu —, l� nela�.

O comerciante prosseguiu, baseado no que lhe dissera o pai:

— Ela, ali, pelo lado de dentro da casa, ciscando como uma galinha quando a gente lhe puxa o pesco�o. As crian�as acordando e chamando pelo nome dele, pai, a Verinha e o Francisco; e pelo dela, m�e, o nome. J� est�o crescidinhos, sabem ler e escrever, mas n�o esquecem. Dizem que n�o perdoam, mas o pai faz de tudo pelos pequenos. Eu tamb�m fa�o, s�o meus irm�os, s� de pai � certo, mas s�o.

— ?

— Contei essa hist�ria ao Coronel quando fui-lhe pagar uns honor�rios de outra quest�o e lhe levei de agrado um pacote de castanhas torradas. Ele abriu um u�sque e tomou tr�s c�lices, sorvendo-os, na ponta da l�ngua, sem gelo, sem nada, como quem toma chegada de um vinho raro.

— ?

— N�o, nunca vi ningu�m beber daquele jeito! N�o era emborcando o copo de goela abaixo. Era assim, de leve, na ponta da l�ngua, debicando com muito cuidado, mas rapidamente tomou tr�s c�lices e comeu meio prato de castanhas torradas na manteiga, com sal. Nunca vi ningu�m beber u�sque em c�lice. Ele insistiu comigo, mas eu n�o estava bem da gastrite.

— ?

— Agora, essa hist�ria de que a finada se virara para meu pai justamente para levar o tiro bem no meio da testa, l� nela, e que os olhares se haviam cruzado, isto quem inventou foi ele, o senhor Coronel.

— ?

— Sim, ele mesmo, o Coronel! A hist�ria que eu havia contado era bem simples. Meu pai havia Soares Feitosa, 2001errado os tiros no cabra, mas acertou um na testa de Vera. Mas assim que terminei de contar, ali�s, � medida que eu ia contando, ele botava esses enfeites de que ela olhara primeiro para o cabra, depois na dire��o de onde vinham os tiros. Tamb�m o lance da aurora, das luzes se cruzando, da camionete e do Sol, ele que inventou. Confesso que fiquei muito emocionado, sobretudo com isto de o senhor Coronel dizer que meu pai a perdoara. Acho dif�cil, meu pai � um homem brabo, do sert�o.

— ?

— Mas, pensando melhor, talvez o senhor Coronel esteja certo. Meu pai n�o pode falar no nome dela que j� come�a a tossir. E, com pouco fica vermelho. Sei n�o, talvez ele, naquela hora, fosse perdoando com uma m�o e atirando com a outra...

— ?

— Perdoou, sim, tanto que n�o mandou matar o cabra, o que � de lei, l�, dando-lhe tempo para fugir para um seringal do Acre. Depois, meu pai disse a um parente do cabra que ele podia voltar, como de fato voltou, e ambos rezam, sem se cumprimentar, � claro, no t�mulo da finada, mas quem chega por �ltimo espera que outro termine.

— ?

— Depois de comer as castanhas, ali�s, comendo-as e falando, o Coronel me garantiu que o homem valente � aquele que anda desarmado. Pediu meu rev�lver. Eu entreguei. Ele disse que daria fim nele... acredito que tenha dado.

—?

— Ele mandou um abra�o para o meu pai. Mandou a senhorita estagi�ria comprar dois presentes para as crian�as, os filhos da finada, meus irm�os de pai.

—?

— Sim, ele me deu um presente: um cron�metro de piscinas que eu nem sabia como funciona, mas ele ensinou.

—?

— Ele me disse: �Al�dio, em qualquer afli��o, acuda-se deste cron�metro. Marque o tempo que quiser e repare no ponteiro correndo em dire��o do eterno. Que pode ser morte, que pode ser vida, que a diferen�a � nenhuma. Quem dir� o lado vencedor ser� sua m�o, sua m�e... Assim, �!� E botou a m�o em p�, como quem mede a altura de porco, virando-a para direita e para a esquerda, l� e c�, � fortuna. S� ent�o me dei conta de quanto � fr�gil o pender da morte, da sorte.

— ?

— Sim, eu ando com o meu. Na sa�da passei na loja em frente ao escrit�rio do Coronel, e comprei um cron�metro de piscinas igualzinho para meu pai — disse o comerciante, Al�dio.

Ah, meu caro leitor e minha distinta leitora, como se n�o pudesse existir hist�ria mais confusa do que esta, o comerciante engasgou-se com a pr�pria fala. A m�e do Coronel socorreu-lhe um c�lice do vinho das paridas. Ele retemperou-se e chispou na mesma carreira em que havia chegado.

Acho que o cabra que saltou a janela da cama de dona Vera — que Deus a tenha! — ficara menos aflito, ainda que correndo das balas no garranchal do sert�o, do que Al�dio, o comerciante.

O fato inconteste, ali, na frente de todo mundo, � que a hist�ria do pai de Al�dio, o comerciante, fora remendada pelo Coronel. O monge reclamou:

— Senhor Coronel, esse comerciante contou a vergonhosa hist�ria de um triste assassinato. Com que direito o senhor lhe enfeitou a vers�o, inventando esse lance da troca de olhares? Perd�o!? Quem j� viu assassino perdoar ningu�m?!

Antes que o Coronel respondesse, algu�m falou que fora com esses ornatos que ele ganhara a quest�o do pai do comerciante e, evidente, novos pagamentos, novas castanhas e outros u�sques a debicar no c�lice.

Sim, eu concordo que a hist�ria seca seria algo bruto, mas, com o lance do tr�gico, da for�a imposs�vel de atender, mais o lance do perd�o — e algum dinheiro do comerciante, � claro —, fora assim que o Coronel lhe soltara o pai.

N�o! N�o deu para identificar de quem, mas em meio a essas divaga��es, uma voz, que at� desconfio que tenha sido o pr�prio monge, de ventr�loquo. N�o ser� surpresa se tiver sido ele. Ou, quem sabe, tenha sido do Profeta a voz que nos pegou a todos de surpresa: �Nisto a Arte, meu caro senhor monge Jorge! Porque s� a Arte tem o leg�timo poder de transformar o puro em imundo; o imundo em sagrado. Onde se lia o Mal, leia-se o Bem!

E, numa compuls�o terr�vel, desta vez reconhecido, assim falou o senhor Capit�o:

— S� a ARTE, meu caro Bibliotec�rio Djalma! S� a ARTE!

Eu disse que sim, ali�s, nada disse, apenas meneei com a cabe�a, e, l� longe, o vulto do comerciante pelas costas.

 


Fortaleza, noite alta, 3 de outubro de 1999

 

 


 

Este, o 4� cap�tulo de Po�tica, um livro vivo, aberto, gratuito, participado e participativo, cheio de coment�rios que, a rigor — esta, a proposta —, os coment�rios, mais importantes que o texto comentado: abrir o debate, uma multivis�o.

— Livro vivo, como assim?

— Por que em permanente movimento, espa�o aberto a quem chegar, t�o amplo como o espa�o �queles que aqui est�o desde os s�culos, todos em absoluta ordem alfab�tica. Seja bem-vindo!
 

PO�TICA: Capa e pref�cio - veja como �.

 


  


 

ADRIANO ESP�NOLA: Comecei e n�o parei mais. A narrativa pega. Mas n�o � linear, requer releitura; uma est�ria como se fosse contada por v�rias pessoas, com v�rias vers�es. In�cio de um romance? Estou na fila para compr�-lo/l�-lo. Se voc� me mandou um bode, digo-lhe que voc� � um cabra bom da peste. Sua escritura tem essa caracter�stica: pega o leitor, ati�a-lhe a curiosidade; � arte que transforma o leitor e a realidade. 


 

ALEXANDRE FORTE: O poeta, como o soberano antigo, tem dois corpos. Um � mortal, sujeito �s conting�ncias humanas; o outro, imoral, para al�m de toda decrepitude do bem e do mal. O corpo mortal do poeta est� sujeito aos v�cios e virtudes, pass�vel de cometer e ser v�tima do mal e do bem. O corpo imortal do poeta, porque imoral e irrespons�vel, s� conhece da trag�dia humana: bem e mal imbricados como dois amantes. O poeta de “Mein Kampf” n�o pode ser responsabilizado pelos atos do corpo mortal do F�hrer; nem o poeta da Terra Prometida pode ser responsabilizado pelos saques e atentados ao povo eg�pcio. Somente despidos da t�nica de poetas e, por conseguinte, de profetas, podem ser responsabilizados. No princ�pio, o poeta, o profeta e o soberano encarnavam o verbo divino. Os atos do of�cio divino s�o irrespons�veis, porque emanados de uma fonte supra-humana. N�o por acaso, Plat�o excluiu os poetas da utopia republicana. Aceitar o poeta como estadista seria introduzir a trag�dia na Hist�ria, excluindo por completo qualquer tentativa racional de distinguir o bem do mal. N�o que os poetas sejam incapazes de valorar. Ningu�m mais capacitado para dizer o bem do mal e vice-versa. A verdade pura jorra da boca dos poetas. Aos demais mortais resta apenas a relatividade dos conceitos, os limites sensoriais do corpo. O poeta no desfrute da imoralidade � um feiticeiro de alta grandeza. Para al�m e aqu�m da sensorialidade, o poeta se faz desbravador do mundo, do universo. O corpo mortal do poeta, no entanto, n�o resiste a muito experimentalismo. Ao primeiro choque com os limites tetradimensionais se espeda�a. Mas, o poeta n�o pode ser culpado. Goethe n�o induziu ningu�m ao suic�dio com Werther. Como poeta, est� tocado pelo sagrado. E santos os que pereceram. A perdi��o do poeta � colocar o corpo imoral a servi�o do corpo mortal: os grandes crimes que o digam. O corpo mortal deve estar a servi�o do corpo imoral, imortal, reunindo no compasso c�smico – vide Soares Feitosa – as musas regentes da epopeia humana. Somente o poeta que coloca o corpo perec�vel a servi�o daquel’outro tem autoridade para dizer: “O bem � o mal — vestido de bem; e vice-versa”. Afinal, o que � o sumo bem diante da pequenez humana? A �nica salva��o do poeta � a epopeia. A trag�dia humana � a argamassa que re�ne justos e injustos. Por isso: — A Arte, s� a Arte!


 

ANA CABREIRA:

Mas que coisa � a Arte, n�o? O senhor vai l�, amontoa umas palavrinhas – aquelas mesmo que, t�o comportadinhas na fila do dicion�rio, nem d�o piado – e transforma tudo num rio revolto, aluvi�o, remoinho, belezura... Tudo t�o bonito, tch�! A� est� o que chamo de Arte: aquele estranhamento que agudiza nossa percep��o do real. Agora quero mais…



 

ANA PELUSO

Tua obra � uma arte. “Nisto, a arte, meu caro senhor monge Jorge! Porque s� a Arte tem o leg�timo...” Poder da verdade enredada em cantos que o Feitor faz e nela cremos. E l� fui eu crendo na primeira narrativa e quando vi Al�dio me aludia a Vera de remorsos, olhando o Pai. Ah, ele me paga, viu, Coronel Feitor? E vais tecendo a hist�ria como tear de mentiras, que � o que faz um verdadeiro/bom escritor (e vai saber se das mentiras, algumas verdades?) e quando vemos, levamos uma bela rasteira num “bordado madrigal”. Te ler � ler poesia em forma de conto! E te aplaudo, te beijo e me benzo, porque n�o � sempre que Djalma, o bibliotec�rio, entra em cena e se contenta com as interroga��es. Ou ser�, vi demais? O que far� ele com o que viu, ouviu, presenciou e participou (magistralmente bem agarrado sem direito a dizer sim ou n�o: tascado l� feito testemunha de Salo que vem pra frente, intuo eu), s� o pr�prio Salo sabe. Eu aguardo. E guardo os momentos que vi a vida sendo feita. Ah, Feitor, o que me fazes?! Hoje segue um peda�o de meu cora��o pra ti. Isso sem contar que dependendo de quem conta uma hist�ria, ela pode levar um tipo de recado. E a mem�ria da humanidade anda suja � be�a. Apesar dele ter dado o tiro em Vera na cara (exata) dura, eu prefiro imaginar que as luzes que se cruzaram s�o as culpadas dos dois (in)distintos cavalheiros trocarem a gentileza de se revezarem diante do t�mulo da Vera de muitos, casada com o Pai das tr�s Veras e tantas, uma infinidade: Marias, Ant�nias e Franciscas.



 

ANTONIO C�CERO:

Caro Soares Feitosa, obrigado pelo conto, que � muito bonito e misterioso. Boas festas e um feliz ano novo! Antonio Cicero 




 

CARLOS FELIPE MOIS�S

Gostei muito da multiplica��o de vozes no relato do Al�dio, que reconta ao leitor a hist�ria contada pelo pai, a mesma hist�ria antes recontada, pelo filho, ao Coronel, que teria introduzido alguns acr�scimos, e por a� vai. Gostei muito do contraste entre a rudeza dos eventos e a delicadeza do palavreado sutil (Entendi bem?). Se entendi, acho que de confusa a hist�ria n�o tem nada, � at� muito simples. A t�cnica do relato � que � elaborad�ssima; como toda boa literatura, n�o � para leitor qualquer. Ta� o que o texto tem (a meu ver) de melhor: induz o leitor a se julgar mais perspicaz do que �. Em suma: beleza pura, o prazer da escrita e o prazer da decifra��o da escrita.


 



 

CLEBERTON SANTOS

No tom dos “bons e velhos” causos do sert�o, sua narrativa � instigante/intrigante, prendendo o leitor ao desejo da leitura e ao desvendamento do epis�dio que se passa com o comerciante. Tra�os de lirismo acompanham o fluxo da narrativa. A transforma��o de uma est�ria popular pela voz do narrador/cl�ssico em arte ficcional � fabulosa. As interroga��es durante o di�logo me chamaram bastante a aten��o. Acredito que este recurso deu um efeito de imagem muito representativo para a narrativa (chego a visualizar uma das personagens do di�logo apenas com o ar de interroga��o e movimento a cabe�a). Bem, desculpe pelas bobagens que acabo de dizer, pelo menos tento ser sincero quando escrevo sobre algum trabalho liter�rio. E quando n�o gosto, sil�ncio. Estas s�o apenas impress�es de leitura de um jovem poeta e entusiasmado pesquisador da literatura nacional. 


 



 

CLIV�NIA TEIXEIRA

Grata surpresa numa data especial! Retribuo com todo este calor que toda prosa e poesia possam revelar. � muito bom escrever s� para desfrutar de espa�os com pessoas como voc�. Seu texto? Magn�fico, criatividade a toda prova de BALA! � para quem SABE escrever e para SORTE dos que o leem. Um grande e fraterno abra�o. Cliv�nia


 



 

DIATAHY MENEZES

Don Francisco: Faz tempo que quero conversar com voc�! E n�o encontramos tempo. Passei uns 5 dias a viajar. Enquanto isso, fui lendo umas coisas que me faziam pensar em voc� o tempo todo. Agora, abro o meu correio e, em meio � pletora de mensagens acumuladas nesses dias de jejum cibern�tico, encontro esse monumento de narrativa: a hist�ria de vida � volta de um cron�metro de piscina! Ora veja: que faz esse muiraquit� num sert�o sem �gua e muito menos piscina? Mas o que me toca � o modo pr�prio de dizer, algo que, mesmo se n�o houvesse narrativa, confusa ou de simplicidade banal, este algo nos transportaria ao universo transfigurado por essa est�tica do inesperado, com seu perd�o a posteriori. � a fala que � arte aqui, � ela que tem a for�a de transmudar o mal em bem, o hediondo em hierofante e assim por diante. Eis por que o Bode preto � belo e sereno! 


 


 

EDSON ALVES DAMASCENO:

Poeta, o verdadeiro homem � o desarmado! Sua arma � a palavra. A bala do terceiro tiro foi mais r�pida que o arrependimento. O pai do comerciante ao alinhar o olhar com o de Vera... Veio o perd�o, mas a bala foi muito mais r�pida. Poeta, o texto est� estupendo, incr�vel e lindo, compar�vel aos demais escritos do grande poeta Soares Feitosa. 



 

ELIZABETH LORENZOTTI

Que bichinho arretado esse seu bode. Achei um tanto dif�cil de entender no in�cio, mas depois, como sempre, amei. Fiz uma entrevista recentemente com o cineasta Ugo Giorgetti, que entre outras coisas boas filmou “Boleiros”, um filme sobre velhos jogadores de futebol. Ele est� terminando um document�rio sobre uma usina falida no interior de S�o Paulo, da fam�lia Morganti. O document�rio, na verdade, � sobre a capela, que foi pintada pelo Volpi. A ind�stria est� em ru�nas, a arte na capela sobrevive. Comentei com ele sua m�xima – s� a arte fica – e ele disse que voc� certamente gostaria de ver esse document�rio. Eu tamb�m acho. Eu acho, como j� te disse, que a arte salva, sempre.



 

EMERSON DAMASCENO:

Espasmos. � essa a conclus�o a que chego em meio �s divaga��es noturnas do �ltimo dia do ano. As reminisc�ncias do passado me provam de forma insofism�vel que somos pequenos �timos de luz na hist�ria. Percebo que um punhado de anos s�o somente dias atr�s. Fatos acontecidos h� algumas d�cadas parecem-me semanas apenas. Tudo t�o v�vido e pr�ximo. Imerso nessas reminisc�ncias nost�lgicas. Vidas que transcorrem em alguns meses. Fr�gil tempo, o que dizer-lhe colosso? E nessa ode ao passado morto, t�o vivo, eu pensava nesse diletantismo not�vago, o que dizer sobre o tempo. Eis que recordo da �mpar poesia de Soares Feitosa, mentor do instigante “Jornal de Poesia” amigo e poeta. Um cron�metro para piscinas, onde percebo que a arte liberta! Talvez mais do que o desabrochar dos grilh�es que nos solapam os devaneios. A arte materializa o encontro que n�o tive, os caminhos que n�o percorri, este beijo que eu n�o te dei. Nesse ambiente cujo ilogismo � concreto, o tempo se arrasta sofregamente. Um cron�metro para nossas vidas, o tempo nem sempre rege a raz�o no que a arte n�o lhe permite. A arte n�o cria, apenas materializa ao agregar letras, a dor lancinante do poeta. E dor � tamb�m o prazer infinito, como diria Schopenhauer. E percebo que quando o Poeta Feitosa estava a agrupar as letras que deram causa a “Um cron�metro para piscinas”, no alfarr�bio de sua escrivaninha, trazia consigo um sorriso nos l�bios, murmurando � cumplicidade alguns arremedos que lhe ditava o Coronel, que balan�ava-se sentado na cadeira de balan�o ao seu lado. E quando lhe faltavam palavras era ajudado pelos seus c�mplices de poesia. E vejo que o Poeta fazia do imagin�rio esse mundo maravilhoso que s� a arte liberta. Assim vivemos no S�culo Cem de �squilo. E agora enquanto digito estes �ltimos suspiros de palavra, o Coronel me chega e brada, a�oitado com a par�frase – eu ousaria chamar licen�a po�tica – desautorizada, um pl�gio esdr�xulo dum fato que nunca se deu, mas antes que puxe o gatilho da Lugger que sacara da bainha dos algozes da cultura, ele sorri com os l�bios cerrados e me diz: “�, doutor, s� mesmo a Arte, s� ela...”.




 

ERORCI SANTANA

Feitosa, car�ssimo, gostei do conto e do bode. E acho que a gentileza do convite ainda render� um poema, que vai principiar mais ou menos assim:

“Quando vens ao Cear�?

Tens um amigo aqui: eu.”

E de pronto constru� no pensamento

mais esse Para�so

pra guardar como reserva

no meu vasto cora��o,

com simplicidade e realeza:

um bode majestoso, um sol ardido,

ao qual chamaram inferno uns flagelados

e uns turistas chamaram arrebol.

Mas Para�so, sim, que � lugar de elei��o:

Um Siarah com poetas Feitosas, Tufics,

Dimas, Florianos, tuaregs,

sustos e suspiros, promiss�es e rezas,

em que a esperan�a seja um verso s�,

seja um fio d’�gua no sert�o, jangadas,

engenhocas de pau pra marinar

como aquelas talhadas pelos an�nimos

homeros de Derek Walcott,

uma palmeira debru�ada na marinha

farfalhando sob o vento, uma cantata se elevando

ao c�u muito do azul.

Archiabra�o amigo do Erorci Santana


 

FAGUNDES OLIVEIRA

Exuberante! H� que ter vis�o dos valores metalingu�sticos. Da dimens�o das ideias. Do calor vocabular. Do expressionismo sustentador do n�vel autorial. Na minha linguagem: Espl�ndido. Bode deste porte ornamenta minha pasta de guardados-rel�quia. Obrigado pela oportunidade-presente E este bode com cheiro de gente, trabalha em que grau? Exuberante! H� que ter vis�o dos valores metalingu�sticos. Da dimens�o das ideias. Do calor vocabular. Do expressionismo sustentador do n�vel autorial. Na minha linguagem: Espl�ndido. 



 

FRANCISCO PERNA FILHO

�, de fato, uma bela “hist�ria”, a trajet�ria de um Al�dio, cheio de alumbramentos, dando-se a conhecer pelos remendos da mem�ria de resgate, num magn�fico ensaio sobre o fazer ficcional. Reafirmo a sua capacidade criacional e o seu compromisso com as letras, al�m de apreciar a sua inventividade art�stica e o seu engenho lingu�stico.



 

GISELE LEITE:

S� a arte pode fazer com�dia de uma trag�dia, ou transformar uma trag�dia numa com�dia. Gostei muito, parab�ns... Voc� � o melhor contador de hist�rias que j� li... Principalmente pelas entrelinhas... 




 

HERALDO AMARAL

Sim, voc� me � caro pelo que a beleza da tua obra me causa – e eu teimo em imaginar tal beleza aparentada contigo, a quem, em verdade, n�o conhe�o! Te digo com muita objetividade – j� que n�o h� site ou p�gina para voc� saber de mim: sou meio m�dico, meio monstro, ou seja, funcion�rio p�blico – engenheiro sanitarista concursado pela Prefeitura de Divin�polis (MG) – e artista – escritor bissexto, compositor e m�sico. Componho can��es com alguma assiduidade – esse of�cio termina por me fazer tamb�m algum poeta –, estou preparando um CD e terminei h� pouco a revis�o de meu primeiro conto, que estou te enviando anexo. Creio que uma obra de ne�fito mere�a quase sempre algum tipo de cr�tica, do tipo “v� em frente, voc� leva jeito” ou “desista enquanto isso ainda est� entre amigos”. Fique � vontade. Louvo Machado de Assis quando afirma de nada valer sobre o qu� escreve um escritor, mas como escreve – est�tica � tudo. Amo o Cear�, onde estive h� dois anos conhecendo Fortaleza e Jericoacoara (passei por tua cidade natal, colada em Fortaleza, n�o � mesmo?) – seria a Via Catuana a estrada que liga uma a outra? Lembro-me de carnaubais e cajuais sem fim ao longo desse trajeto. Tenho um grande amigo m�sico que � professor da Escola de M�sica da UFC. Chama-se M�rcio Resende – um saxofonista/flautista genial. Perdi o seu paradeiro, e ando atr�s do telefone da UFC para um novo contato – tenho planos de gravar em Fortaleza. Bel�ssima a est�ria do pai do comerciante! Contada com um estilo fascinante, ofereceu-me enorme prazer. Prefiro-a, por enquanto, aos poemas – igualmente lindos, de f�lego criativo descomunal – precisamente por saber o quanto tenho ainda que explor�-los, ao passo que a est�ria j� se consumou de pronto, singrando de uma margem a outra no lago brumoso e tranquilo das minhas veleidades matinais desta 2�-feira modorrenta. Grato por faz�-la melhor!


 


 

IZACYL GUIMAR�ES FERREIRA

S� a ARTE, meu caro Feitosa! S� a ARTE, como a sua, seu philos�fico cinemat�grapho de um sert�o maior que o mundo, nos salva da mesmice generalizada ao redor (ressalvadas umas quantas exce��es, pois claro). E vai o abra�o natalino.  Izacyl


 

KATIA MENDES

Feitosa, chegou como um presente de Natal. Dia 24, quase meia-noite. O �nico e-mail do dia. Obrigada pela lembran�a, est�ria, o tempo de se perceber o olhar, o tempo de saber quanto foi dito em t�o pouco tempo. Antes do tiro. Coisa da arte da poesia. Coisa de um poeta Noel. Feliz Natal!


 

LAETICIA JENSEN EBLE

Li com carinho seu presente (“Um cron�metro para piscinas”), extremamente criativo e que me deixou muito curiosa para ler o resto de Salom�o. N�o tenho muita experi�ncia em analisar textos, mas me sinto � vontade para tecer alguns coment�rios que me chamaram a aten��o: 1. a presen�a ideol�gica machista, tipicamente cultural brasileira, em que o pai de Al�dio podia manter rela��o com v�rias mulheres ao mesmo tempo e isso era plenamente aceito, por�m ao menor deslize de uma delas (Vera), esta mereceu um tiro mortal. E ainda a “compreens�o” aleg�rica e interesseira do coronel com o fato, d� a entender que se fosse ele teria feito a mesma coisa, refor�ando a ideia machista. 2. aquele recorrente “— ?” � genial. Abre um espa�o em que o leitor se projeta, faz ele mesmo os questionamentos acerca dos absurdos que o comerciante conta. O leitor ali entra e se instala como personagem da cena, � onde ele se identifica. 3. e a cita��o em que diz "s� a Arte tem o leg�timo poder de transformar o puro em imundo", aproxima a arte de todos n�s. A arte � um fingimento, e nisso todos somos experts. Quem nunca se viu fazendo o mesmo que o coronel? Enfeitando e ornando uma verdade, lhe acrescentando significado em favor pr�prio? A meu ver essa cita��o do monge (?) coroou o cap�tulo e deu um colorido especial ao seu conte�do, foi o “fecho de ouro”.


 

LUCIANO BONFIM

Caro poeta, este bode d� bode... E como existem deles nos sert�es de Crate�s e Inhamuns. Mas antes, surpresa me causou, e das boas e de vera, n�o a do coronel, nem a vera nem a surpresa, ao acessar e encontrar e ler as mensagens do/no correio eletr�nico, aquele SF, e me surpreendi ainda mais com o pai de chiqueiro... Ap�s a leitura, fico a imaginar, pensar, cogitar sobre o restante, o j� existente e o vindouro, do bode, digo, do cron�metro para piscinas, e por passo � frente, no “Salom�o” (conto? novela? romance?), aguardo o convite para o lan�amento, mas antes deste acontecimento, gostaria de outros peda�os deste churrasco de bode, n�o amarre o bode... Algumas palavras e express�es, t�o nossas, talvez causem estranheza aos de fora ou aos de dentro que est�o fora ou que se sentem como tal (O que � ser cearense? � nascer, crescer e padecer por aqui? Ou n�o nascer por aqui e padecer por causa, a favor daqui? N�o apenas padecer, pois isto � muito crist�o para o meu (anti)gosto... Indo al�m, ou aqu�m, por exemplo, literatura, o que � literatura cearense, a que � feita por aqui e n�o nos diz nada ou a que � feita “fora” e nos � t�o pr�xima? N�o apenas pela geografia ou pela vizinhan�a ou por ser compadre ou... A sua consegue nos fazer encontrar o Cear� e a sua literatura, “consigo mesma”, � por dentro, sem contudo, mas com tudo. Contudo, n�o captei, ainda, depois de algumas leituras, por exemplo: a Monalisa integrando o corpo do texto, ser� ela o resumo de todas as Veras, Marias, Ant�nias e Franciscas e Zuleicas e Kareninas e Btatvaskis e Bovarys e Lolitas e... De Salom�o ou do pai de Al�dio ou do pr�prio, ou do coronel, por que n�o do monge? Existem tantos esc�ndalos na hist�ria, e recentemente ent�o… Mesmo sendo sobre o sert�o, ou como voc� diz “das brenhas dos sertanejos” s� me lembrei de G. Rosa, quando te referes ao “garanchal” e a palavra o trouxe a mim,... creio,... que esta voz do texto, � a tua, pr�pria, diria, a tua pr�pria e particular, agora socializada, e como isto me deixa feliz, pois estou farto de pessoas falando com “l�nguas” que n�o s�o suas. H� um trecho, perto do final, quando surge a fala do/de (um) narrador, que n�o esta claro para mim a sua “intromiss�o” no texto. Outro, onde estava o monge, at� a sua fala? – sobre a fala do monge, questionando o direito do coronel de enfeitar a vers�o contada, pergunto, para al�m do texto, ao autor: a religi�o n�o suporta a arte? Nem o conhecimento? Neste momento me lembro de Nietzsche no nascimento da trag�dia e na Genealogia da moral, mas essa ideia de colocar um personagem modificando dentro do pr�prio texto o pr�prio texto � de esbaga�ar as bandas, n�o a do bode. S�o duas ou mais possibilidades de contar uma mesma hist�ria, � uma “oficina”, um of�cio, um estudo, Metalinguagem ou meta linguagem e com calma(risos)... lembrei-me de Fantoches do E. Ver�ssimo, n�o pelo conte�do ou pela forma, mas porque eu lembrei mesmo, � isso e s�. N�o fiz revis�o de nada. Neste caso a dispers�o e o sentimento trazido pelo texto com m�todo, nestes casos: Bode revisto � cabrito ou cabra, e n�o � da peste. Soares Feitosa, parab�ns pelo seu incans�vel trabalho em prol da literatura e da vida, e da arte, que modifica a vida e a pr�pria arte e a arte dos gregos..., mas “onde se lia o mal, leia-se o bem!”.



 

LUIZ PAULO SANTANA: Li e reli os textos. Reli o poema “Salom�o”. O poema � impressionante, � uma vertigem, comparado com a relativa calma, assim mesmo relativa, da prosa de “Um cron�metro...” e “A prova do fogo”. No poema a atemporalidade se destaca como em tempestade: a cada clar�o, um tempo, ou mesmo v�rios tempos, o que relampeia, o que troveja, o que chove, o que corre pelo ch�o, tudo em f�ria. Na prosa a mesma atemporalidade. Mas os ritmos, as velocidades, s�o diferentes. Ou por outra, viajam em mais palavras. O caminho � mais longo. O fogo atravessando os tempos, desde Prometeu, passando pelos navios negreiros, pela senzala – a gravura de Rugendas – o Coronel aprendiz, as frutas, que o monge cego disse n�o conhecer, e que a m�e do Coronel prometeu servir ali, naquela horinha, como se fosse ontem, como se fosse hoje, como se fosse sempre. E o inusitado cron�metro, mais um sinal dos tempos. Que marca pedacinhos do tempo, recortes. Na cabe�a do narrador ampliando, como uma lupa, o instante fatal, o momento em que tudo pode acontecer para o bem ou para o mal. O cron�metro, uma vez disparado, pode ser detido? E n�s sempre procurando aux�lio num deus cron�metro. � assim mesmo. Somos pequenos mas n�o desistimos. � curioso n�o �, senhora Liberdade, senhor Livre-Arb�trio? N�o, nada disso, desconfio. � que n�o podemos. Tomara que voc� consiga concluir o seu livro nesse 2003. E que ele lhe seja t�o bom quanto. Mando-lhe, j�, j�, um outro e-mail (em resposta ao que voc� me enviou, falando do bode — que n�o acredita em hor�scopo — em que voc� me pede que fale de meus escritos, de minhas leituras e de minha distinta (sic) pessoa. Farei isso j�, j�.


 



 

MANTOVANNI COLARES

O enigm�tico texto “Um cron�metro para as piscinas” – que j� reparei ser da sua ess�ncia lan�ar enigmas, como nos faz a vida - me levou a uma viagem que tem a ver com mulheres e nossa eterna incompreens�o do universo feminino. At� porque – e isso n�o me escapou – voc� usou a trindade como ponto de equil�brio: tr�s tiros, tr�s c�lices de u�sque; e a passagem mais bela do texto, os tr�s personagens/v�timas unidos no cemit�rio, a ponto de um aguardar o outro, exatamente para formar a tr�ade do traidor, do tra�do e da falecida. Somente a ora��o por sobre o t�mulo foi capaz de unir aquela tr�ade em cumplicidade. Pesquei l� no fundo o tri�ngulo amoroso que permeia a trajet�ria dos grandes romances, valendo s� para citar o maior de todos de nossa terra, o “Dom Casmurro”. Belo texto, sensa��es de estarmos tamb�m perdidos na compreens�o da vol�pia feminina, que n�o aceita as regras do jogo (Vera sabia ser uma dentre outras, mas n�o tinha o direito de pretender fazer de seu protetor um a mais dentre outros), e que nos remonta a uma das mais instigantes cantigas de roda, onde a Terezinha de Jesus deu a m�o ao terceiro – olha a� a tr�ade de novo – recusando a de seu pai e irm�o, pois afinal o cora��o da mulher um dia rompe com suas ra�zes e se entrega ao terceiro que passar� a ser o primeiro.


 

RAFAEL MONTANDON

O texto sobre o cron�metro de piscinas se sobressai entre os demais; � um dos melhores que j� li de sua autoria. 



 

RICARDO ALFAYA

Vi a caprina hist�ria assim: “Cabra” � uma das chaves, jogo da imagem “cabra” com “cara”. Refere-se sobretudo ao personagem principal da hist�ria, o pai que cometeu o crime. Quanto ao assassinato, trata-se de epis�dio talvez simples, seco e direto, que foi todo ornamentado. Tr�s Veras. Vera � verdade. S�o tr�s os tiros e, a despeito da confus�o, s�o pelo menos tr�s vers�es (tr�s verdades / veras) as que sobressaem: a do pai (o cabra); a do filho (comerciante); e a do coronel. Patativa, literato popular homenageado que ornamenta os acontecimentos com o uso da palavra. Aqui, sin�nimo de arte. Voc�, escritor de forma��o intelectual, que ornamenta o acontecimento com o uso da palavra. Aqui, sin�nimo de arte, tamb�m. Por outro lado, as fotos dos dois ornamentam agora a palavra. H� um jogo de ironia aqui. Monalisa � Vera na janela. Por�m, mais do que isso, simboliza o enigma do texto. O famoso “riso enigm�tico” de Monalisa, de quem se diz representar o pr�prio riso de Da Vinci. Parece-me que a modelo que pousou para o quadro era uma pessoa comum da �poca. Ornamentada pela arte, tornou-se grandiosa e eterna. Decifra-me ou te devoro. As interroga��es v�o descendo pela p�gina. Interroga��es, Monalisa, Cabra, sua foto, Patativa, assim como o pr�prio texto em si. O texto parece querer chamar a aten��o do leitor para o fato de que ali existe um enigma. S� que, contraditoriamente, os recursos para revelar a exist�ncia do enigma, terminam eles mesmos acrescentando enigmas ao enigma. At� mesmo a “Moral da Hist�ria”, que surge na poss�vel fala do monge (nada parece palp�vel na narrativa) possui um car�ter amb�guo, de cr�tica e de elogio, ao mesmo tempo. Por certo h� outros enigmas, outros detalhes. Como bem j� observou Y�da Schmaltz, na opini�o anterior, h� uma “discuss�o do discurso dentro dele pr�prio”. Esse � um dos pontos, ou talvez mais precisamente o ponto: na dimens�o em que vivemos, a verdade � formada por m�ltiplos discursos que se intercalam, sendo fugidio, talvez imposs�vel, o conceito de verdade absoluta. Isso me faz recordar alguma coisa que li em Michel Foucault a respeito. Para encerrar, diria que ocorreu, enquanto escrevia essas palavras, uma esp�cie de “visualiza��o espont�nea”, na qual apareciam tr�s folhas em branco suspensas no ar como plataformas. Em cada uma delas se moviam os acontecimentos das tr�s diferentes vers�es. Talvez adotar como verdade todas as vers�es fosse uma solu��o para o problema. A vers�o, afinal, � sempre maior que o fato. E toda vers�o (todo “boato” como talvez preferisse Uilcon Pereira) tem um fundo (falso?) de verdade. Por outro lado, se f�ssemos proceder assim no cotidiano, isto �, aceitando todos os discursos e vers�es como verdadeiros, terminar�amos sufocados ou perdidos pela impossibilidade de compreender com clareza at� mesmo os mais corriqueiros fatos, tal como, at� certo ponto, sucede tanto aos personagens envolvidos na deliberadamente confusa hist�ria, como com todo aquele que a l�. Talvez resida na constata��o e na proposta desse fen�meno o principal objetivo da narrativa. Ser� que a minha vers�o chegou perto da “verdade verdadeira” a que se prop�e o texto ou fui devorado pela Cabra-esfinge-da-peste?



 

RITA BRENNAND

Monalisa. Coronel, voc� n�o prega um prego sem estopa. Na primeira olhada, o indefinido, amb�guo. Qual das hist�rias ... –? Qual o personagem que –? O monge Jorge defende a lei do sert�o? Quem tem muitas mulheres... Em cada uma, as outras... O gemido do aconchego, o cheiro de Vera. O jeito dengoso de uma das Veras enquanto alisa, mesmo que nas m�os, o cheiro de bode requentado {o corisco pela janela}. Al�dio contou uma hist�ria –? A medida que, no decorrer dela, os enfeites e a hist�ria recontada.

Veja bem a fotografia desse gesto. Com as m�os l� e c�, pra direita ou pra esquerda, assim �... As m�os como quem mede um porco. S� um g�nio, sert�o, e Cear�. O comerciante FILHO S� de PAI paga em agrados de castanhas a outra quest�o. Pagar� todas. Essa hist�ria de bode enfeitado... Em processo... Castanhas, Scotch Whisky. Tem precis�o de muita arte e manha. Fico � espera enquanto o bode se defende. S� a ARTE, Coronel! Abro os bra�os, meu beijo tamb�m. Rita 


 


 

RODRIGO GURGEL

Acabo de ler a hist�ria que me enviou e gostei muito. O momento do tiro na testa de Vera � perfeito. Mas o melhor tiro � o olhar certeiro dela, olhar que prenuncia a pr�pria morte, pede perd�o e, ao mesmo tempo, fere para sempre aquele que a molesta. Um olhar inesquec�vel.


 

ROG�RIO LIMA:

“Marque o tempo que quiser e repare no ponteiro correndo em dire��o ao eterno. Que pode ser morte, que pode ser vida, que a diferen�a � nenhuma. Quem dir� o lado vencedor ser� sua m�o, sua m�e... Assim, �!...”

Fil�sofo, permita-me, mas colho o que bem entendo, pois o texto, seu � que n�o � mais. 

Parece um Tiago sertanejo ensinando que a vida � como uma n�voa, que repentinamente se dissipa. O tempo corre e n�o nos espera e nem nos d� tr�gua. Nossas escolhas devem ser r�pidas, caso contr�rio a vida n�o nos permitir� escolher coisa alguma. 

Todavia, fil�sofo, sob as b�n��os do Pai pois caso contr�rio, nossas escolhas ser�o tr�gicas. Que o Senhor, por Sua miseric�rdia, n�o nos permita jamais apontar o ponteiro! Com o grande abra�o. Rog�rio



 

TERESA SCHIAPPA: Caro Feitosa. Agrade�o, al�m da lembran�a, os momentos saboreados de leitura que a reportagem pela Faculdade de letras proporcionou - humor, generosidade com alguma mal�cia  � mistura, n�o s� pol�tica... Qualidades cujo "tempero" algo imprevis�vel encontro tamb�m nos poemas: Architetura e Femina est�o talvez nos primeiros lugares das minhas prefer�ncias, mas o ritmo entrecortado  de outros  n�o deixa de seduzir, como � caso da r�plica do "If". Talvez pela espontaneidade, por vezes at� rudeza, com que obriga a um outro olhar sobre as coisas.

N�o sou a �nica a destacar uma frase de antologia, que me tocou especialmente: "A Arte tem o leg�timo poder de transformar o puro em imundo e o imundo em sagrado"; a hist�ria de Alidio, com as suas m�ltiplas nuances (como em tempos a do lobo da f�bula...) confirma isso mesmo. Por uma vez, vejo o monge Jorge reduzido a um sil�ncio sem r�plica!

Um abra�o grande e grato da

Teresa Schiappa



 

YEDA SCHMALTZ:

EXCELENTE!!! Eita estorinha confusa...rsssss... E voc� pensa que o povo sabe o que � oit�o da casa? Isto � s� coisa de quem, como n�s, lida com as peixeiras.

Admir�vel o seu lidar com a metalinguagem, a discuss�o do discurso dentro dele pr�prio, coisa de mestre. Vou guardar aqui para futura publica��o no boletim, posso? Obrigada pelo momento de prazer est�tico. Y�da


 

 

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John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana