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Valéria Nogueira Eik


 


Eu posso


Eu posso
sei que posso
andar lado a lado com meus passos
e seguir à frente dos meus sonhos
pois, quando eles me alcançarem
lá estarei eu
plena de cores e espaços
mostrando o troféu da realidade
erguendo a taça desse compasso
simples amadurecimento
de quem entende que pouco sabe
de quem faz ao invés de esperar
de quem vai ao invés de ficar.

Sim, eu sei que posso
andar pela vida
descalça e nua de tormentos
sem medo dos detritos
sem temor da loucura
pois, sendo quem sou
livre pensadora, somente
dou asas às palavras
esculpindo meus desejos
realizados um a um
simplesmente porque eu vou
porque eu quero
porque eu sou.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba

 

 

 

 

 

Valéria Nogueira Eik


 

Na rede


Meu corpo aninhado nos braços da rede
vai sentindo o balançar sossegado
deste leito que é o ódio
desta cama que é o amor.
Rede que range os dentes
e sibila rouca e lentamente:
ódio que vai
ódio que vem
ódio que vai
ódio que vem.
E neste odiar cheio de razão
ela me ensina docemente
que a lâmina fere
que a lâmina cura.


 

 

 

Rafael, Escola de Atenas, detalhes

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Weydson Barros Leal

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Judgment of Solomon

 

 

 

 

 

Valéria Nogueira Eik


 

O sábio interior


Muitos são os mestres
                            poucos são os sábios
mas, existe alguém
                        infalível e justo
                        amoroso e fiel
habitante do meu interior
                                que sussurra verdades
                                e silencia mentiras
na ânsia de mostrar
que ele e eu somos um
                             dividindo o mesmo espaço
                             gerando essa dualidade
que fortalece, mais e mais
a unidade indivisível e imortal.


 

 

 

Henry J. Hudson, Neaera Reading a Letter From Catallus

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Miguel Sanches Neto, 2002

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Empire of Flora

 

 

 

 

 

Valéria Nogueira Eik


 

Pequena morte


Aceito, durante a noite,
a morte que me leva à vida,
uma vida que me traz mais vida,
nesta vida que tem sido a morte.
Quero, a cada noite,
morrer um pouco menos
e fazer desta pequena morte,
apenas diminuta espera,
da vida que me aguarda,
nestes caminhos incompreensíveis,
que sempre me surpreendem,
trazendo a morte que me faz viver
trazendo a vida que me faz renascer.

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Mignon Pensive

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Irineu Volpato

 

 

 

 

 

 

 

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

 

 

 

 

 

Valéria Nogueira Eik


 

Rosa e prata


Amuada num canto da parede,
torcia para que as nuvens ficassem escuras e pesadas
e despencassem lá do céu.
Ela estava linda, meio prata, meio cor de rosa,
ansiosa pelos ventos
e pronta para a vida.
Mas, o sol ameno sustentava uma guerra fria contra os temporais
e ela permanecia fechada em si mesma e para o mundo,
numa tristeza que fazia dó.
A lua chegou, trazendo laminados alegres e coloridos,
que se aninharam nas extremidades da sombrinha,
tornando-a ainda mais bela.
Ela rodopiou, rodopiou e riu,
apreciando os movimentos de todas as cores.
E pelas mãos da moça morena,
ganhou a avenida e dançou para as estrelas,
num sobe e desce delirante e ritmado.
Amanheceu bêbada de glórias,
cansada e esquecida
num meio fio qualquer do abandono.
A chuva caiu, enfim, borrando-lhe as tonalidades,
que escorreram desbotadas pelas ruas.
E os garis vieram e recolheram os restos de festa.
O dia ainda pôde avistar lá muito longe,
movimentos aflitos, prata e cor de rosa,
que sacolejavam ladeira abaixo,
ao lado dos últimos soluços de uma garrafa de cerveja.


 

 

 

Albrecht Dürer, Head of an apostle looking upward

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Renato Suttana

 

 

 

 

 

 

 

Theodore Chasseriau, França, 1853, The Tepidarium

 

 

 

 

 

Valéria Nogueira Eik


 

Saudade


Sinto saudade do que poderia ter sido
e não foi.
Saudade do que idealizei
e não aconteceu.
Saudade do que sonhei
sem ter adormecido.
Saudade de alguém que vinha
e não chegou.
Saudade do que minha mão quase alcançou
sem ter conseguido segurar.
Saudade do beijo que já foi,
do toque que já senti,
do olhar que não tornarei a rever.
Porque poderia ter sido,
mas, não foi.

 

 

 

Ticiano, Magdalena

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Floriano Martins

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Valéria Nogueira Eik


 

Seres humanos


Seres humanos,
sempre tão pueris!
Ferem o coração
amam além do limite
e, mesmo assim,
ficam estarrecidos ante a paixão
como se fosse a primeira vez.

Seres humanos,
sempre tão infantis!
Rasgam a alma
sangram até a morte
e, mesmo assim,
ficam surpresos ante da dor
como se fosse a primeira vez.

 

 

 

Ticiano, O amor sagrafo e o profano, detalhe

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Luiz Paulo Santana

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Valéria Nogueira Eik


 

Término


Quando um sentimento termina
sentimos a dor de não mais sentir dor
temos saudade da saudade que tínhamos
vem a tristeza da tristeza que acabou.


 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, David, detalhe

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Adriano Espinola

 

 

27/07/2006