Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

 

Roberto Pontes


 

O dia


No dia
um grande estrondo romperá o céu
e não será o trovão trazendo a chuva


No dia
um calor do inferno nos envolverá
e com certeza não será de abraço


No dia
um guarda-chuva nos dará a sombra
dos cogumelos do "País das Maravilhas"


No dia
o fogo nos fará másacaras sobreviventes
e não para princar no carnaval


No dia
o pânico e a morte serão nossos convivas
e o ágape servido será dor e veneno


No dia
e após o dia
a vida irá sumindo lentamente
e cheios de medalhas
os cus dos generais apodrecendo


(In: Alguma Poesia Jornal n. 2 ano II julho/setembro 1985, Rio de Janeiro)
 

 

 

Rodrigo Marques, ago/2003

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John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros

 

 

 

 

 

Roberto Pontes


 

O tempo dos amantes


Aos amantes tudo é permitido
pois dos seus atos nascem nobres rosas
e dos seus olhos brotam melodias
enquanto estrelas lá no céu passeiam.


O tempo dos amantes não se conta
pelos relógios exatos, impassíveis.
O seu registro é o ritmo de abraços
que o leve sopro do tremor embala.


Felizes são aqueles que, amantes,
dão-se de todo aos ritos do seu jogo
e amparam suas mágoas e desejos
na reciprocidade sacra dos seus ventres.


( In: revista Almenara. Londrina-PR, 1986 )
 

 

 

Natércia Campos

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Valdir Rocha, Fui eu

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

Roberto Pontes


 

Ode à cama


Então pode-se ouvir certo ruído
O doce farfalhar feito e desfeito
O cálido fluir do ser que é
Fundado sobre o cê e o verbo ama
A lânguida canção. Lida do leito.


Cama em que os filhos fiz
E onde virá baixar a morte
Lugar de amor, viagem, transe.
Oh! entre madeira, verniz e pano
Vai selada nossa vida e nossa sorte.
 

 

 

Paulo bomfim

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William Blake (British, 1757-1827), Angels Rolling Away the Stone from the Sepulchre

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba,

 

 

 

 

 

Roberto Pontes


 

Pequenina e frágil


Para Beth.
Porque és tão pequenina e frágil
És bela e me dás o sonho
Da trêmula luz de uma vela.


Te amo entre os lençóis na cama
As palavras do dicionário
O vento que assusta os coqueiros
E a esmeralda líquida do oceano.


E de manhã, quando na palha canta a primavera
É como se teu corpo modulasse para mim
E invadisse meu coração com as águas da felicidade.
 

 

 

Micheliny Verunschk

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José Saramago, Nobel

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

Roberto Pontes


 

Poema de descrença


Não acredito no poeta banqueiro
E ainda menos no poeta bancário
Ambos se estragam
O primeiro por muito, o outro
Por pouquíssimo dinheiro
E mal assim começa a vida acaba


Não confio no poeta banqueiro
Porque camufla na palavra sonho
As moedas que a caixa-forte guarda
E onde ele escreve a palavra amor
Esta vai ditada pelos cifrões do subconsciente


Não confio no poeta bancário
Pois seu emprego, afinal, é tudo
E quando quer dizer que é explorado
Esquece das palavras, perde a fala
E a poesia no tampo de sua mesa vai sacrificada


Por isso, meus amigos
O cavalo Pegasus não lambe o ouro de Midas


O ouro, todos sabem, não voa
Mas o cavalo, sim, porque tem duas asas
Para fugir das operações de crédito e usura
 

 

 

Francisco Carvalho

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Da Vinci, La Scapigliata

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

Roberto Pontes


 

Poema de oferta


Que pode o sapateiro dar de melhor
ao amigo, no dia do seu aniversário?
E o pescador, hesitaria em dar-lhe peixes frescos?
E o lavrador, os cajus que então plantara?
O artesão daria um cesto ou uma talha.
A bordadeira, seu tecido de alvo fio.
O vinhateiro, moringa cheia de vinho
E a floreira, o mais formoso ramalhete.


Que posso dar-te no teu aniversário?
Ouro? – Mas eu não sou garimpeiro...
Roupas? – Também não sou alfaiate...
Aves? – Um dia fui passarinheiro...


Algo de mim é o que vou dar-te
Pelas mãos padecentes
Dos que sustentam a vida.
Pelas mãos sagradas
Dos mais anônimos operários.


Dou-te, meu amigo, minha amiga, um poema,
Que este é o meu trabalho.


(In: Jornal de Cultura. Fortaleza: UFC, ano II, n. 21, 1990)
 

 

 

Artur Eduardo Benevides

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Da Vinci, Madona Litta_detalhe.jpg