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Um esboço de Leonardo da Vinci, página do editor

 

 

Rogério Maciel

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Culpa

 

William Blake, Death on a Pale Horse

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

Rogério Maciel

 


 


 

Bom Dia amigo Feitosa!

Não é o lutador, pois não?

É, de certeza, um lutador… Obrigado pela belíssima página sobre Poesia Hispânica, ou da Espanha, incluindo a Lusitana. E digo assim porque existe uma grande confusão em relação a esta definição… a saber, todos aqui nesta grande Península somos Espanhóis, mas também somos as diferentes nações que a compõem… admirado com esta afirmação? Não esteja.


 

A luta constante de Castela pela supremacia política e pelo controle do poder em TODA a península deu origem a um mal-entendido estratégico, não só etimológico, mas também morfológico do mapa da península no contexto do mapa europeu, o que quer dizer que, ainda hoje, Portugal, PARECE um absurdo como País existente no contexto dos países, até para alguns "portugueses"… ponho entre aspas pois não os considero Portugueses… estes são ainda os «OS VELHOS do RESTELO», os mesmíssimos da época do Grande Camões, que continuam a atrasar esta Nação Ancestral, para benefício próprio e de organizações internacionais abjectas...

Mas voltando ao tema, é por isso que ainda hoje Portugal, uma Nação ancestral, e o 1º país da Europa e um dos primeiros no mundo com fronteiras definidas e estabilidade nacional, "parece" não existir, parece um país fantasma, o que acarreta graves prejuízos para nós, principalmente para quem não está consciente desta pequena, mas intrincada subversão do nome HISPÂNIA ou ESPANHA .

Tudo isto tem a ver com poder político . tudo começou já em tempos muito antigos, na época em que os romanos dominaram de forma execrável a península…

Vou-lhe transmitir um texto de um dos Grandes Portugueses ainda vivos, Pinharanda Gomes, que exprime melhor do que ninguém esta mesma situação que acabei de descrever. (PINHARANDA GOMES, História da Filosofia Portuguesa, Volume II, A Patrologia Lusitana. (Consulte as notas referentes a este excerto e o índice da obra no fim do documento) (em CICLO ANTIGO I. - O Espírito do Lugar - pp. 15-22):

 

 

Navigate, Hiberia!
         Navigamus.

Um dia, Hiberia, era mar,
         um mar de poente, 
e me arribei de ti.

(Nota do Editor, no final)

 

 

…A Lusitânia não é mito dos humanistas do Renascimento 6. É, a par de um nome que individualiza uma região planetária, um sinal que indicia uma realidade existencial própria, mesmo que os resíduos utilizáveis pelos sucessores e posteriores, careçam de global inteligência e compreensibilidade. A Lusitânia corresponde à zona húmida da Hispânia, onde se constituiu o meio entrópico de Portugal hispânico, como que diverso da zona de sequeiro da Península, onde prevaleceu a masculinidade castelhana, mais arrebatada do que a feminilidade, a frouxidão e a cisma da vertente lusitana. Quando dizemos que antes dos Lusitanos o que sabemos é o pouco que sabemos acerca dos povos anteriores — povos sem história — queremos significar que esse ‘sem história’ se refere mais à nossa ignorância do que à inexistência de uma história, mas da Lusitânia sabemos quanto importa a uma definição, ainda que mais prospectiva do que perspectiva. Olhada retrospectivamente, a Lusitânia é mais do que uma perspectiva da origem, uma prospectiva do meio em que se afirmou uma entidade singular e diferente. É o carro da criação de Portugal.

A Lusitânia não é Ibéria, a Ibéria não é Lusitânia. Comete erro de juízo‘ de facto e de valor, a corrente histórica e política que força a realidade até ser capaz de meter a Lusitânia na União Ibérica, por não compreender que não há recta União Ibérica, mas correcta União Hispânica. Na União Hispânica cabem Lusitânia e Ibéria, enquanto na União Ibérica só cabem os povos iberos, ou da Ibéria. A tese iberista releva do projecto de sujeição da vertente atlântica à vertente mediterrânica e, por via dela, da sujeição dos povos da periferia ao centro impulsor do iberismo. A União Ibérica, tornada doce paliativo, é na ordem política o projecto anti-autonomista do Duque de Olivares: Braga dominada por Toledo.

A Hispânia tem quatro vertentes: a vertente atlântico-cantábrica, especiosa, ainda que aparentada com a vertente pirenaica e com a vertente lusitana; a vertente mediterrânica (ibérica); a vertente pirenaica, com Aragão, e que por si mesmo é também específica; e a vertente lusitano-atlântica, em que amplamente se insere a galega ou galaica. É supérfluo considerar as vertentes pirenaica e cantábrica, porque a díade dualista se põe somente quanto às vertentes ibérica e lusitana. Os geógrafos que vieram de fora nunca se enganaram e, por isso, jamais confundiram Lusitânia e Ibéria. A Lusitânia é a vertente atlântica - "Lusitânia… que mare Atlanticum spectat" 7, enquanto a Ibéria é a região do Ebro, que o Mediterrâneo contempla. Em sentido figurado, diríamos que a Ibéria olha para Oriente, enquanto a Lusitânia olha para onde o mar começa e a terra se acaba, por repouso do Sol ocitânico. A diferença geográfica não inclui uma diferença cultural, (dos círculos culturais de Frobenius sabemos como em África e na Europa há culturas análogas, ainda que Frobenius haja sublinhado que importa não confundir analogia com homologia), mas deve suscitar a vocação para definir identidade geográfica, identidade étnica, e identidade existencial. Lusitânia e Ibéria são duas regiões distintas, tão significativas uma como a outra, mas nem a Ibéria é fusível para a Lusitânia, nem há Lusitânia fusionável com Ibéria. A pré-história dos povos peninsulares é diferente, mas torna-se sintomático o nível diferencial entre projecto ibérico e excurso lusitano, como se a Lusitânia e a Ibéria houvessem sido berços de duas diferentes raças humanas, como queria o enciclopedismo evolucionista 8. Na diversidade, as duas versões antigas projectaram-se sempre num dualismo geográfico e histórico, de modo que à díade nómica da Lusitânia / Ibéria correspondeu a díade, algumas vezes antinómica, de Portugal / Espanha. Oliveira Martins não teve pejo em considerar a adopção do erro, provindo de muito antes, mas aprofundado em Herculano, da confusão de Ibéria e Lusitânia, o que lhe valeu as acerbas críticas de Teófilo Braga, apoiado na geografia clássica, sobretudo na Púnica, de Sílio Itálico, que soube salientar a longa distinção entre Iberos e Celtas e, por concomitância, entre Iberos e Lusitanos, os que ocuparam uma região afastada e diferenciada, onde permaneceram e perduraram como Lusitanos. A Lusitânia é algo de comprimido a oeste, mas é também algo de não assimilado a leste 9.

A Hispânia é um microcosmos, disse o geógrafo Méndez Silva, onde há de tudo e nada falta, o que já antes dele haviam visto os apologistas das esquadras mafamédicas. Microcosmos, cume da Europa, cabeça do boi, é envolvida na sua maior extensão pelo Rio Oceano, Atlântico identificado, apesar do jogo de estilo elaborado por Homero, ou pelos homeríadas, mas reino microcosmos divertido em dois olhares: o limite atlântico, span, sepharad, ao modo fenício e hebraico, que é a nossa finisterra, como que a sugerir que Hispânia é a Lusitânia com as terras do meio que olham para o mar do meio das terras, de onde se gera o dualismo atlântico-mediterrânico da Hispânia, mas onde por igual se gera o atlantismo da Lusitânia 10. As diversidades regionais podem não servir de base a divisões de território, nem são de molde a criar regionalismos vinculados a um exclusivismo étnico, mas, no caso Lusitânia/Ibéria, houve lugar a uma configuração excêntrica, centrífuga e oceânica, de tal modo que seria sensato postular que o nacionalismo das nações hispânicas, incluída a nação portuguesa, encontra raízes e águas acolhedoras nos regionalismos. A afirmação de Portugal é um acto de nacionalismo; mas a afirmação da Lusitânia prevalece no acto do regionalismo. A Lusitânia afirma-se pagus, terra nostra, perante a urbe mediterrânica. A extensa teoria literária e político-ideológica da antítese Castela/Portugal, mormente elaborada no ciclo de 1580/1700 não é um fenómeno de erupção palaciana; ela vem de longe, e os ideólogos palacianos limitaram-se a pôr em letra de ler, ou em papel de prelo, uma interpretação de mitos, de imagens avoengas.

Lusitânia situa-se entre Ibéria e Oceano, ou, na configuração pré-romana, numa forma quadrangular que o domínio romano por considerações estratégicas encurtou, ao dividir a Hispânia em três províncias, a Lusitânia (diminuída da Galécia), a Tarraconense e a Bética. Das três províncias, a que corresponde ao vector do iberismo é a Tarraconense, porque Tarracona, pago ibérico, estende os elos até ao Atlântico, subjugando a Galiza e, o mais curioso a região dos Brácaros. A divisão provincial romana carece de toda a lógica étnico-cultural, mas abunda em intencionalidade dominativa. Tarracona é a Ibéria tal como os iberistas sonham: uma grande província absorvente das que lhe ficam, diminuídas, a seus pés, a Bética e a Lusitânia. A estratégia romana elaborava com base em interpretações comprometidas, pois, com efeito, Estrabão, que era mais submisso do que Mela, confundira Iberos e Lusitanos, ainda que afirmasse serem, os Lusitanos, os mais fortes dos Iberos 11. Estrabão tem interesse em identificar Iberos e Lusos para justificar a extensão da Ibéria tarraconense até à Lusitânia bracarense e lucense; Pompónio Mela sabe da forte identidade lusitana face à Ibéria, e convém-lhe sujeitar a fortaleza da finisterra à esperteza da mediterra. Ao não compreender o jogo de intenções, Herculano acabaria por cair na tese negativa da identidade nacional com base regional, por oposição a quem vira melhor do que ele, Bernardo de Brito e André de Resende — o que, aliás, vem já dito em Leite de Vasconcellos 12. A Lusitânia Romana é uma Lusitânia diminuída talhada a esquadro e régua, segundo o interesse dominacional do império, a Lusitânia natural é todo o oeste peninsular. Vai do Promontório Sacro, para além do Minho, até à vertente norte-atlântica, e do oeste atlântico até bem dentro: incluí, pelo menos, Mérida e grande parte da Estremadura, por isso chamada Extrema: a fronteira da Lusitânia com a Ibéria. A Lusitânia é o país dos quatro rios: Guadiana, Tejo, Douro e Minho; a Ibéria é a região de um só rio: o Ebro. O Ebro unifica, os quatro Lusitanos diversificam, de modo que é viável assinalar uma Lusitânia minhota (brácaro-lucense), uma Lusitânia duriense, uma Lusitânia tagana, e uma Lusitânia guadiânica.

Ninguém sabe de onde vem o nome de Lusitânia. Há muitas hipóteses, todas por igual verosímeis, a mor parte delas mais provável do que demonstrável.

A pesquisa da história das origens, fenómeno humanista, é coetânea do Renascimento. Enquanto o primeiro Renascimento indaga as matrizes clássicas, o Renascimento do século XVI tende a transferir do plano clássico para o plano antigo das autoctonias, pelo que o Ocidente assiste a uma espécie de movimento renascentista de fundo e propósito nacionalista, de algum modo oposto ao renascentismo de fundo macro-cultural europeu. Neste quadro quinhentista, "o maior e mais judicioso antiquário português do século XVI" 13 foi o humanista André de Resende, cujo gosto pela erudição clássica o orientou para a indagação dos valores da sua terra, como factores reais, a par dos clássicos grego e romano. O De Antiquitatibus Lusitaniae (1593) continua sendo o pórtico da história lusitana antiga, pórtico esse por onde discorreram os geógrafos e antropólogos do século XVII, desde Bernardo de Brito, (cuja parte primeira da Monarquia Lusitana alarga os conhecimentos de Resende, por recurso a Laimundo Ortega) a Faria e Sousa, a Rodrigo Méndez Silva, e a Gaspar Estaço (+ 1626), bem como a Teodósio de Bragança, que as crónicas registam como um dos mais curiosos autores do seu tempo, em matéria lusitana 14. 

O laboratório de pesquisa das formas lusitanas prosseguiu no século XVIII, com aproveitamento das colheitas prévias, nos exercícios da Academia Real de História Portuguesa 15, fundada em 1720, e a cuja actividade se deve não só a recuperação documental de que usufruímos, mas também a sequência historiográfica e metodológica no âmbito das ciências históricas, que viria a culminar em Alexandre Herculano, ele já um fruto da linha metodológica aberta por Manuel Caetano de Sousa. Equivalente crédito tem a haver a Academia Real das Ciências de Lisboa, cujos trabalhos relativos a esta problemática se acham nas importantes colecções de Memórias de Literatura Portuguesa e de História e Memórias da Academia das Ciências. O século XIX, com o desenvolvimento das ciências auxiliares, trouxe novos contributos à pesquisa da antiguidade lusitana, em todos os domínios, desde o mesológico ao antropológico, nesse capítulo merecendo realce as obras de João Bonança, Augusto Coelho e Oliveira Martins, entre outros, complementados, com alto espírito de síntese, por Leite de Vasconcellos. Na transposição do século XIX para o século XX, há a assinalar a actividade arqueológica de Carlos Ribeiro (+ 1882), bem como os trabalhos da Associação dos Arqueólogos Portugueses, fundada (1863) por Possidónio da Silva; da Sociedade de Geografia de Lisboa e, sobretudo, da Escola Antropológica Portuense, cujas raízes têm muito a ver com a obra desenvolvida por Martins Sarmento, obra essa que seria continuada pelo núcleo que à sua volta se criou em Guimarães, a Sociedade Martins Sarmento 16. Neste ciclo de estudos há efemérides: em 1880, o Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-Histórica (Lisboa); em 1888, a fundação da Sociedade Carlos Ribeiro, por Rocha Peixoto, Ricardo Severo, Adolfo Coelho e outros; em 1899, o aparecimento da revista Portugália; em 1911, a criação da cadeira de Antropologia na Faculdade de Ciências do Porto, em que pontificaram um António L. Ferreira Girão e um Câmara Sinval. Deste núcleo escolar nasceria a Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia (1918), onde se distinguiram personalidades quais Aarão de Lacerda, Damião Peres, Teixeira Rêgo, Bento Carqueja, e onde outros continuam a distinguir-se em nossos dias. Análogo papel competiu à antropologia conimbricense, desde a fundação (1885) da cadeira de antropologia na Universidade, que teve desenvolvimento com o magistério positivista de H. Teixeira Bastos 17.

As ciências da antiguidade lusitana progrediram em monografias desde o século XVI até à síntese elaborada no primeiro quartel do nosso século por Leite de Vasconcellos mas, depois deste, vive-se uma nova fase monográfica, analítica e pormenorística, já a carecer de síntese ampliada.

A tese mais aceite é a de que os Lusitanos eram um povo pré-celta, ocupante, nativo ou imigrado, da região da Lusitânia. Os antropólogos identificam outros povos, a que os antigos chamam raças, v. g., cúnios, taganos, transcudanos, etc., mas as designações não correspondem a etnias rácicas, identificam apenas etnias regionais. Transcudanos eram, por exemplo, somente os lusitanos de Ribacoa; e o mesmo dos taganos — os lusitanos do Tejo. Estas designações serviam para identificar núcleos populacionais habitando uma determinada região. Não designam nem nominam povos muito diferentes, apesar das eventuais variantes heteroétnicas, tal como sucede em nossos dias entre beirões, minhotos, saloios, alentejanos e algarvios. O toponímico sobrepõe-se ao antroponímico, mas não o subverte, nem cria diferenças desidentificativas.

Na Ilha das Nascentes de água, que Diodoro Sículo afere à Hispânia, situa-se o paraíso, ou, pelo menos, o proémio do paraíso, descrito e projectado no Pseudo-Aristóteles (por onde os Árabes o aprenderam e, por isso, vieram de onde vieram à sua procura, tendo havido entre eles quem tomou o Andaluz por ele, enquanto uns marinheiros de Alfama o procuraram mais adiante, no mar…) e no antigo Liber de Mirabilibus Auscultationibus, em que se descrevem as Ilhas Afortunadas, que Pompónio Mela inteligiu da tradição remota e pré-platónica, como sendo a terra das ilhas das produções espontâneas: a agricultura sem trabalho, o sacramento do alimento sem suor do rosto e, por isso, o Paraíso reavido, reencontrado ou desencoberto. A Hispânia não foi porém, para nenhum dos povos imigrantes, o paraíso anelado. Mostrou-se terra convidativa, por certo, mas dura por excelência, divisa entre os álacres montes iberos e as verdejantes e aquáticas montanhas e veigas barrocas da Lusitânia, espaço de árvores e de águas.

Do Mar Cantábrico ao Algarve - depois, o centrípetismo lusitânico permitiu significar o mesmo em Portugal e Algarves, do Minho a Timor, porque Minho é Galécia - pelo centro oeste da Meseta, cortada por caminhos de serpentear, rede de comunicações pagãs, ou de uns pagos para outros, Portugal é a Lusitânia sem cabeça geográfica, mas de pernas longas: do Minho ao Algarve, com mais pernas do que cabeça, significado mais em Amadis, que possui Oriana sob o verde tapete da relva à beira do regato, do que em Quixote, seco e estéril, louco de cabeça desértica, por isso honrado e casto. O amor liga Amadis, enquanto a honra isola Quixote. Em duas figuras antropomórficas se consubstanciaram em símbolo as duas Hispânias: a do barroco e a do gótico, a das meias terras e a das finisterras.

Lusitânia é a terra dos Lusitanos, o maior dos povos ibéricos, mégiston tón Ibericón Étheon, no dizer de Estrabão 18, que, no tempo das invasões romanas sendo mais celtas do que iberos, eram, não obstante, do ponto de vista colonial romano, considerados mais iberos do que celtas, por isso ser conveniente à rota imperial 19. Lusitânia é o pré-Portugal que se fenomeniza qual anfiteatro levantado em frente do Atlântico, para brincar à gesta providencial.

Lusitânia é um nome deduzido de Ligusitani, através da forma Lusitani no achado de Martins Sarmento, que por essa via, dificultou a fácil explicação mítica renascentista de Lusos, filhos de Luso, deus grego 20. A forma luso apresenta-se qual ramo lígur ou pré-celta, por isso que, na invasão céltica, os invasores não tiveram de actuar tão fortemente como noutras regiões despidas de caracteriologia céltica, uma vez que factores celtas já se encontravam patentes e operantes na Lusitânia, habitada por gente da heráldica celta, gente vinda do norte da Grécia, de onde a razão dos que, no decurso do tempo (S. Bráulio de Saragoça, Santo Isidoro de Sevilha, Otero Pedrayo, Ramón Pineiro) defendem a origem grega dos povos galaico-lusitanos. As unidades étnicas não se apagam, antes continuam, sempre metamórficas na tradição subsequente e consequente. Na ordem sucessória, Lusitânia é somente outro nome de Ophiussa, a Terra da Serpente, onde sopra o vento Zéfiro, atlântico chamado na Odisseia, o vento que empurrou Ulisses. Ulisses deixa de ser um homem para ser o vento que fecunda as éguas de Montejunto. É o vento da Primavera, que faz rebentar as flores nos campos e, nos animais, o cio procriador.

Martins Sarmento postulou a tese ligúrica, acompanhado por Schülten, mas parece que Sarmento leu a seu modo. Lusus não aparece em nenhum texto antigo, nem mesmo na Ora Marítima, de Avieno, por isso, em Avieno, convém ler, ou Pernix lucis, ou Pernix ligus. Num caso, pretendido por Sarmento, vamos para a genealogia lígure; noutro caso, vamos para uma estrita genealogia lusitana. Ora, como na sequência do debate veio a demonstrar Mendes Corrêa, a leitura ligus, em vez de lucis, esclarece o enigma e postula a origem, dando força à tese sarmentina. Lusitânia é a Ligugitâna, a terra dos Ligures, mesmo que, noutras instâncias, ela possa ser entendida como terra das amêndoas - Almendra - como sucede na versão que deriva Lusitânia de luz (amêndoa, fenício amydgdalum). A dificuldade reside na tendência unitarista, quando nunca foi necessário que o povo lusitano fosse o dos Lusitanos puros. Mais provável se apresenta a tese que lobriga a Lusitânia como o nome dado a uma área geográfica onde se acoitaram povos vários, assimilados até à constituição da Lusitânia propriamente dita. Os Lusitanos não eram um único povo, antes assistiram no centro das Beiras, sendo o mar o elemento dinâmico que os formulou em unidade, quando o factor celta para tanto contribuiu vigorosamente, como pretendeu António Ribeiro dos Santos. Virgílio Correia recua. Na sua ideia, os Celtas são um fenómeno histórico mas, antes deles, há um povo bem definido, nem ibero nem celtibero, mas um povo com fundas raízes no território, o povo dos construtores de dólmens 21. Esse território foi sempre mantido, com algumas variantes fronteiriças, através dos domínios celta, visigótico e árabe, chamando-se Lugidânia, cujos povos curvaram a cerviz aos invasores, como referiu Idácio.

O paradoxo alerta para a tese futura de que a origem de Portugal e da língua portuguesa não é exclusivamente latina. Portugueses e Portugal procedem de matrizes acasaladas de diversa proveniência, unidas num fluxo ribeirinho, a Lusitânia. Nela, Lusitânia, achamos os arquétipos da nossa situação antropológica e ambiental, a terra dos Ligures, povo sacerdotal, e a terra onde, numa coordenação sacerdotal ou sacrificial, etnias múltiplas se orientaram para o mesmo centro, o centro do Mundo, sem sujeição ao primado do meio como factor de transformação social. O meio funcionou tão-só como veículo de potência para o acto, como ponte cultural.

Lusitania é a matriz de uma condição histórica, o poente barroco, a extremitate mundi. No Oriente, há uma ponte, a balcânica, da Europa para a Ásia. No Ocidente há a ponte hispânica, funcionando da Europa para todo o mundo. Ponte cultural é, mais do que um fenómeno geográfico, uma capacidade de leitura, de síntese e de transmissão, é a virtude do pontificado cultural. Receber a herança e não a delapidar, antes a inscrever e transmitir. A categoria apresenta-se diurna e nocturnamente. A Lusitânia é um campo, um pagus, uma região, que separa da Europa e, no entanto, a ela se mantém unida, tanto como procura unir-se a todo o mundo. Mais do que Nação, onde se nasce, é uma Pátria.

 




NOTAS:

6  Mendes Corrêa, Hist. de Portugal, I (1920) 93.  
7  Pompónio Mela, De Situ Orbis, III, II; Estrabão, Geographica, III, 4. Acerca do tema da União Ibérica, para mais bibliografia, cf. Inocêncio, Dicc. Bibliographico, X, 34, 394; XI, 262 e XVII, 120.  
8  João Bonança, História da Luzitania, 7, 27 e 64. De um modo geral é fraca a tese da autonomia portuguesa assente nas causas geográficas. Cf. Amorim Girão, Geografia de Portugal, (1949-1951) e Orlando Ribeiro, Introdução Geográfica à História de Portugal. (1977).  
9  Cf. Jaime Cortesão, Os Factores Democráticos na Formação de Portugal (21966) 32. Com ironia encoberta mas grave — dito de Oliveira Martins — Herculano combateu os Lusitanos, na longa Introdução à História de Portugal. Teófilo Braga criticou ambos, — Herculano e O. Martins, — por terem desnacionalizado Portugal, ao desentenderem a diferença Lusitânia / Ibéria.  
10  O Ribeiro, Portugal, o Mediterrânio e o Atlântico (1945) 237. Para a compreensão sintética destas teses, cf. F. da Cunha Leão, O Enigma Português (21973).  
11  Estrabão, ob. cit., III, III, 3.  
12  Leite de Vasconcellos, Religiões da Lusitânia, I, XXV.  
13  Herculano, História de Portugal, Introdução, 35. Não obstante o elogio que lhe tece, Herculano pouco aceita de Resende, enquanto ignora Orósio.  
14  Teodósio de Bragança nada escreveu, mas os testemunhos dos cronistas noticiam a sua dedicação à antiguidade lusitânica. A. Manuel Luís, Theodosius Lusitanus (1680) e J. B. Domingues, Vida do Principe Teodósio (1747).  
15  Cf. M. Telles da Sylva, História da Academia Real Portuguesa. (1727) e os vols. da Colecçam de Documentos e Memórias da Academia Real da História Portuguesa, 19 vols. (1721-1736).  
16  Cf. M. Cardozo, Dr. Francisco Martins Sarmento. Esboço Bio-Bibliográfico. Guim., 1933. A Sociedade Martins Sarmento edita há muito a sempre de consulta obrigatória, Revista de Guimarães.  
17  Mendes Corrêa, in Actas do Cong. do Mundo Port., XII, 619-636.  
18  Estrabão, loc. cit., III, 3, 3.  
19  Schülten, Viriato, 33.  
20  M. Sarmento, Os Lusitanos (1880) 25.  
21  V. Correia, As Raças do Império, 155.
 




ÍNDICE DA OBRA:

CICLO ANTIGO

I. O Espírito do Lugar
II. A Arca de Pedra. Simbologia e Teogonia
III. A Pesquisa Metálica. Os Celtas. Os Castros
IV. Os Lusitanos. Filomitia e Mitologia
V. Domínio Romano e Cultura Clássica
VI. A Filosofia no Termo da Antiguidade. O Estoicismo Romano

- CICLO MEDIEVAL

Período Romano-Cristão
I. Tradição e Inovação. Paganismo e Urbanismo
II. Patrística e Patrologia. Filosofia e Religião
III. Apologia e Filosofia. As Peregrinações. Etérea
IV. A Cristologia. O Arianismo. Potâmio de Lisboa
V. Prisciliano. A Gnose Priscilianista

Período Suévico-Bizantino
I. Barbaridade e Romanidade
II. Ortodoxia e Heterodoxia na Reacção Anti-Priscilianista
III. A Controvérsia Pelagiana. Paulo Orósio
IV. Teologia da História. Pessimismo e Triunfalismo
V. Providencialismo e Milenarismo. Paulo Orósio. Apríngio de Beja
VI. A Escola Dumiense. S. Martinho de Dume

Período Visigótico
I. Definições. Símbolos e Dogmas
II. Alvores Escolásticos. Isidoro de Sevilha
III. Ascética e Monástica. S. Frutuoso de Braga e o Monaquismo Ocidental
IV. Culto e Cultura. Liturgia e Dogma. O Rito Bracarense
V. A Queda de Braga e de Toledo. Sequência da Patrologia no meio Islâmico
VI. A Emigração Hispânica e o Renascimento Carolíngeo

BIBLIOGRAFIA E FONTES DOCUMENTAIS

Abreviaturas
1. Generalidades. Bibliografias
2. Tipologia do Pensamento Português
3. História Geral. História de Portugal
4. Raízes da Lusitânia
5. Cultura Céltico-Castreja
6. Lusitanos. Teogonia Lusitana
7. Romanização
8. Lusitânia Cristã
9. Estoicismo Romano
10. Suevos e Visigodos
11. Patrologia Hispânica
12. A Matriz Oriental. Etérea
13. O Arianismo. Potâmio de Lisboa
14. Gnose Priscilianista. Reacção Ortodoxa
15. Cristologia e Teologia da História
16. Humanismo Dumiense. Martinho de Dume
17. Monaquismo Lusitano
18. Filosofia e Liturgia. O Rito Bracarense
19. Decadência e Sequência

 

Também vão, como observou, as fontes que, provavelmente poderá consultar.

Cumprimentos Poéticos e Lusitanos.

 

                              Rogério  Maciel

 

PS. : Sei que é complicado, mas, depois disto, temos que incluir aqui Todas as outras Línguas maravilhosas da Hispânia ... o Galêgo, da qual descende o Português, o Catalão, O Basco, o Andaluz, etc ... Abraço Lusitano .

 

 

 


 



Nota do Editor:

A estrofe atribuída por Rogério Maciel ao poeta Pinharanda Gomes pertence ao poema Salomão, de autoria do filho único de minha mãe. Com toda a sinceridade do mundo, não sei se o poeta Pinharanda Gomes escreveu algo parecido ou até mais bonito, mas esta aí, com certeza, não. Confira em Salomão, Segundo Movimento, Cantares de pulso.


 

Esclarecimento de Rogério Maciel

 

Sent: Sunday, December 21, 2008 7:28 PM
Subject: RE: Bom Dia !

 

Caro Feitosa!

Mil perdões pelo que disse. Já estive a ver o linque e gostei. Mas não necessitava colocar no seu jornal. Eu não sou ninguém.

Apenas emiti uma opinião muito sentida e profunda  que corroborei com (esse sim!) um texto extraordinário e iluminador de Pinharanda Gomes .

Em relação ao Navigate, Hiberia as minhas desculpas por não ter explicado. Na verdade não digo que é do Pinharanda Gomes, apenas o coloquei lá por gostar e por estar no início da Banda Hispânica. As minhas desculpas mais uma vez pelo lapso.

Com Um Abraço Lusitano.

Rogério
 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

     
 
Wilson Martins

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)