Jornal de Poesia, editor Soares Feitosa

 

 

 

 

 

Padre Antônio Thomaz


 

Árvore solitária


“Há cem anos ou mais, surgindo da abertura
De um penhasco, nasceu franzino arbusto, e agora,
Gigante vegetal, às nuvens se alcandora,
Banhando à luz do sol a coma verde-escura.

Nenhuma clara fonte em seu redor murmura,
Nem a abelha, zumbindo, a agreste flor lhe explora,
Nem lhe soam na fronde, ao clarear da aurora,
Da passarada alegre os cantos de doçura.

Qual mísero galé ao solo acorrentado,
Exposto fatalmente aos golpes do machado,
Às injúrias do tempo e à sanha das procelas,

Pranteia o velho angico a sua ingrata sina,
Do âmago vertendo o choro da resina,
Por sobre o tronco rude, em bagas amarelas”.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Padre Antônio Thomaz


 

O palhaço


Ontem, viu-se-lhe em casa a esposa morta
E a filhinha mais nova, tão doente!
Hoje, o empresário vai bater-lhe à porta,
Que a platéia o reclama, impaciente.

Ao palco, em breve surge... pouco importa
O seu pesar àquela estranha gente...
E ao som das ovações que os ares corta,
Trejeita, canta e ri, nervosamente.

Aos aplausos da turba, ele trabalha
Para encontrar no manto em que se embuça
A cruciante angústia que o retalha.

No entanto, a dor cruel mais se lhe aguça
E enquanto o lábio trêmulo gargalha,
Dentro do peito o coração soluça.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

 

 

 

 

 

Padre Antônio Thomaz


 

A meretriz


Essa mulher de face encaveirada
Que vês tremendo em ânsias de fadiga
Estendendo a quem passa a mão mirrada
Foi meretriz, antes de ser mendiga.
Em breve fugiu-lhe a sorte airada
A mocidade, a doce quadra amiga
E ela se viu pobre e desgraçada
Antes de tempo, a tanto o vício obriga.

Ontem, do gozo e da volúpia ardente
Fosse a quem fosse dava a qualquer hora
O seio branco e o lábio sorridente

Hoje, triste sina, embalde chora
Pedindo esmola àquela mesma gente
Que de seus beijos se fartara outrora.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba

 

 

 

 

 

Padre Antônio Thomaz


 

Desenganos


Muitas vezes sonhei nos tempos idos
Acalentando sonhos de ventura,
Então a voz da lira suave e pura
Era-me um gozo d'alma e dos sentidos.

Hoje, vejo meus sonhos convertidos
Num acervo de dores e de amargura
E percorro da vida a estrada escura
Recalcando no peito os meus gemidos

E se tento cantar como remédio
Minhas mágoas ao sombrio tédio
Que lentamente as forças me quebranta

Os sons que ira que arranco agora
Mais parecem soluços de quem chora
Do que a doce toada de quem canta.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Padre Antônio Thomaz


 

Noite de núpcias


Noite de gozo, noite de delícias,
Aquela em que a noiva carinhosa,
Vai do seu noivo receber carícias
No leito sobre a colcha cor de rosa.

Sonha acordada coisa fictícias,
Volvendo-se sobre o leito voluptuosa,
E o anjo de amor e de carícias
Fecha a cortina tênue e vaporosa.

Ouvem-se beijos tímidos, ardentes,
Por baixo da cortina assim velada,
Em suspiros tristes e dolentes.

Se fitássemos a noiva agora exangue,
Vê-la-íamos bem triste e descorda
E o leito nupcial banhado em sangue.
 

 

 

 

 

 

21/07/2005