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João Justiniano


 

Saudade


Sentimento mais profundo
do que a saudade, não sei
se se conhece no mundo,
nas terras por onde andei...

Nos caminhos que passei
um a um, por frente e fundo,
nunca ninguém encontrei
sem ter saudade no mundo...

A saudade é dor tirana
que vale para a cigana
e para o gajo também.

Confunde, corrói, amarra,
quando no peito se agarra
fica eterna, Deus amém...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

 

João Justiniano


 

Já não me lembro...


Eu já não me lembro quando
cantei um poema assim:
- "você pertinho de mim,
embebida em meu olhar".

Descendo o rio no mar,
mistura o doce ao salgado,
o meu olhar abismado,
minha saudade chorando...

Vai tão longe a mocidade,
que só me resta a saudade
no coração torturando...

E eu já não me lembro quando,
luz de sol, brilho, diadema,
rendei-lhe o amor num poema

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

João Justiniano


 

Exercício
Em 15-07-84


Para o soneto de escol
com arte de redondilha,
eu quero a rima na trilha
e o canto do rouxinol.

Pego a alvorada que brilha,
junto um pouco de arrebol,
matizes de lua e sol
para a quadra ou a sextilha.

Talvez a rima embarace
a quem não entende o enlace
de uma quadra com um terceto.

A mim, não - a rima e a métrica,
a essência do belo - a estética
dão luz e força ao soneto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

João Justiniano


 

Minha mãe


Minha mãe chora rezando
à mãe de Deus, pelo filho
que corre o mundo buscando
alcançar a glória e o brilho.

Que saudade! No empecilho
do meu vôo, voa, eu te mando,
meu coração! No estribilho
desta canção, vai chorando!...

Leva de volta o menino,
a que o tempo e o talismã
mudaram rumo ao destino...

Torna-o, saudade, depressa,
ao ontem, que o amanhã
matou o amor e a promessa...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Victor Mikhailovich Vasnetsov, The Knight at the Crossroads

 

João Justiniano


 

Cromo natalino


Casa de porta e janela,
vão estreito, chão batido.
A vida é mansa e singela
neste sertão esquecido.

A natureza, ele e ela,
o filho há pouco nascido.
Na latada uma panela.
As trempes. Ferve o cozido.

De tempo o tempo se infesta,
qualquer dia é sempre igual
qualquer hora é igual a esta.

Mas um dia em festival
a Natureza se apresta
e eles se lembram: - Natal...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jornal do Conto

 

João Justiniano


 

Carícia


Carícia, um gesto de afago,
uma palavra que anima,
um bem que nunca foi pago
com ouro, mas com estima.

Carícia, no manso lago,
dois cisnes abaixo e acima,
Cristo, Maria e Tiago,
duas palavras em rima.

Carícia - a voz da razão
em meu pai dizendo não,
sem que o amor lhe faltasse.

Carícia, mamãe beijando
as cãs que me vêm chegando
 e as rugas de minha face...

 

 

 

 

 

 

10.11.2006