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			Ferreira Gullar 
			  
			São Paulo, domingo, 08 de janeiro de 
      2006  
			Folha 
			Ilustrada 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Estranhezas 
        
			
			Não lhe parece estranho que o PT, sem dinheiro e endividado, tenha 
      encomendado 2 milhões e 700 mil camisetas para propaganda eleitoral e, 
      ainda por cima, se propunha a construir uma sede nova, oferecendo, só pelo 
      terreno, R$ 15 milhões? 
			
			Não lhe parece estranho que a Coteminas, que 
      fez as camisetas, não tenha estranhado um pagamento de R$ 1 milhão feito 
      em dinheiro vivo em vez de cheque? Só faz isso quem pretende ocultar a 
      origem da grana, ou não é? 
			
			Não lhe parece estranho que o 
      vice-presidente da República, José Alencar, proprietário da Coteminas, 
      tenha achado natural tal pagamento, alegando que "é legal pagar em 
      dinheiro"?  
			
			Não lhe parece estranho que o presidente Lula, ao se referir 
      a mais esse escândalo, tenha dito que a única coisa errada foi o PT ter 
      feito a encomenda e não ter pago? Ou seja, para ele, dinheiro sem origem 
      conhecida é normal? 
			
			Não lhe parece estranho que a Receita Federal tenha 
      levado seis meses para pedir informações ao PT sobre suas contas, quando 
      este já havia confessado crime fiscal? 
			
			Não lhe parece estranho que o 
      presidente Lula tenha declarado que a oposição a seu governo é golpista, 
      quando, apesar dos escândalos sucessivos, nunca ninguém pediu ao Congresso 
      o seu impeachment? Não lhe parece estranho que Marcos Valério, que 
      armou toda essa falcatrua, queime documentos para impedir as investigações 
      e continue solto por decisão judicial? 
			
			Não lhe parece estranho que, ao 
      mesmo tempo, o presidente da República declare que mais do que nunca se 
      orgulha do PT, enlameado até o pescoço pelas denúncias do caixa dois e do 
      "mensalão"? Não lhe parece estranho que o presidente Lula tenha 
      afirmado que levaria José Dirceu para seu palanque na campanha da 
      reeleição, quando a lei proíbe qualquer atividade política a quem tem seus 
      direitos políticos cassados? 
			
			Não lhe parece estranho que Lula, embora 
      afirme que não sabe se será candidato à reeleição, não saia do palanque, 
      como se já estivéssemos em plena campanha eleitoral? 
			
			Não lhe parece 
      estranho que Lula, que esqueceu os funcionários públicos e não liberou 
      verba para obras fundamentais, prometa agora aumento ao funcionalismo e 
      abra a burra do governo para a gastança em 2006, ano da eleição? 
			
			Não 
      lhe parece estranho a direção do PT lançar um documento criticando a 
      política econômica, que Lula considera o ponto forte do governo? 
			
			Não 
      lhe parece estranho que, enquanto as estradas federais permanecem 
      abandonadas, o dinheiro da Cide, a elas destinado, tenha sido gasto com 
      eventos culturais, planos de saúde e salários de funcionários? 
			
			Não lhe 
      parece estranho que, neste governo, bancos emprestem milhões de reais ao 
      PT, sem garantia nenhuma, e o Banco Central nem se toque? 
			
			Não lhe 
      parece estranho que, nesse convescote, ninguém tenha cobrado nada de 
      ninguém até estourar o escândalo, embora estivessem em jogo dezenas de 
      milhões de reais e quando se sabe que R$ 12 milhões renderiam R$ 1,5 
      milhão em um ano? Dá para acreditar em tanto desinteresse? 
			
			Não lhe 
      parece estranho que Lula tenha enviado aos aposentados e pensionistas do 
      INSS 10,65 milhões de cartas pessoais informando-os de que passariam a ter 
      acesso a empréstimos consignados na folha de benefícios, e que a postagem 
      dessas cartas (cerca de R$ 6 milhões) tenha sido paga pela Previdência, já 
      tão deficitária? 
			
			Não lhe parece estranho que José Dirceu -que, durante 
      a cassação de Collor, afirmara não haver necessidade de provas quando a 
      culpa é evidente- hoje se diga injustiçado por ter sido cassado "sem 
      provas"? 
			
			Não lhe parece estranho que Lula e seus companheiros, que, no 
      passado, primeiro atiravam nos adversários para só perguntar depois, 
      tenham necessitado de tanto tempo para aprender que todos são inocentes 
      até prova em contrário? 
			
			Não lhe parece estranho que o PT, que votou 
      contra a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal na Câmara, depois no 
      Senado e, vendo-a aprovada, entrou com um mandato de segurança no Supremo 
      Tribunal para revogá-la, tenha silenciado sobre essa "herança 
      bendita"? Não lhe parece estranho José Dirceu afirmar que os homens do 
      establishment não deixarão José Serra ser eleito presidente da República 
      porque ele é muito independente e eles querem um pau-mandado? Então Lula 
      -que o establishment apóia- é um pau-mandado? 
			
			Não é estranho que José 
      Alencar tenha declarado, numa entrevista na televisão, que Lula não tem 
      estudos acadêmicos, não entende de economia e que Palocci, o diploma que 
      tem é de medicina? E ele é o vice do Lula! 
			
			Afinal de contas, este é o 
      novo samba-do-crioulo doido ou a comédia dos caras-de-pau? 
			
			Na minha 
      época do Luna Bar, no Leblon, se alguém da turma dos bebuns dizia um 
      disparate, os outros o gozavam: 
			
			— Parece que bebe! 
			
			É o que dá 
      vontade de dizer deste governo: 
			
			— Parece que bebe! 
			
			 
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