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Cristiane Mota Moraes


 

Enamoro


Lua no céu
É força de expressão.
No céu de inverno
O desejo velado
Explode em paixão.

E a sombra da noite
Chega sem limite
Como fosse mais terna
Que o orvalho molhado
Caído no chão

Sem apelo ou senão
O hálito morno
Entrega e admite
O salto incerto
À força do ato
De um beijo roubado

É vero...
E riste...
Um riso contente,
tornado triste
Porque o beijo é da noite
E na noite reside


Portanto obscuro,
Por mais que amado
Pouco sobrevive

Sorriste...
Sorriso austero...
O peito apertado,
sem ar, sem espaço.
Quase um choro
Um gosto amargo
De ser livre

Pois que o coração,
uma vez aprisionado,
é o pequeno pássaro
que liberto da gaiola
não mais levanta vôo
e retorna em curto passo
às grades de contenção

Que mais duro aprendizado
Nas amarras do amor
É propor-se a intenção
De seja como for
Fugir de suas mãos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cristiane Mota Moraes


 

Esfera


 

Esfera.
Dom da vida
Ser sem tempo.

Pequena, espero.
Não duvido,
Nem acerto.
Não desligo,
Nem desperto.
Apenas... Sou.

No meio do sonho
Sem cabeça nem pé
Me recolho à luz da vida
Num silêncio tamanho
De vontade retida
No formato redondo

Espero...Aguardo...
Espero.
Então outra esfera
Imensa, quente,
Extremamente bela
Me cede seu ventre.
Põe peso, pondera
O calor e a água
E aguarda.

No seio da Terra
Espalho,
divido meu doce
Recolho a dureza que encerra
A marca do chão que me trouxe.

O tempo vem,
O tempo acorda
E o sonho amarrado
Na terra se esgota.
Mas num só momento
A flexa do tempo
Penetra e brota
O corpo que acorda

E porque corta, divide.
E dividindo, progride.

Agora sou toda
Meu próprio conflito.
O caule, raiz,
A mesma direção
O duplo sentido.

Terra, Terra,
Delicada esfera.
Agarro-me a ela!
Mas ela pulsa.
E pulsando,
me expulsa.
Se cansa da espera.

Num passo reticente,
Girando espiral,
Crescendo no tempo
Me movo ancorada
E despejo no vento
A luz,
Transformada
De verdes
A amarelos
A vermelhos e azuis.
E azul torno a ela
O fruto da esfera
À Terra seduz.

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Cleópatra ante César

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Rubens Ricupero

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

Cristiane Mota Moraes


 

Madrugada


Madrugada...
Tempo da bebida
E dos poetas

Das feridas fechadas
Das portas abertas
Dos contos de fadas

Das raivas
Dos furos da vida
Da amada distante
madrugada sofrida...

Suada, despida,
Acorda, dorme,
Levanta e foge
Revela, esconde...
Ô hora bonita!
Leva longe...

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Yeda

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Ascendino Leite

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Antonia Zarate, detalhe

 

 

 

 

Cristiane Mota Moraes


 

Noite


A lua não dura,
Solfeja.

Com seu brilho
Nas nuvens se esconde
E veleja...

Você,
Num sono desperto,
Dormindo na mesa,
Com os olhos me olha
Embora não veja
Alegria, tristeza,
Feiúra ou beleza.

Portanto,
Acorda!
E sem mais demora,
Me abraça e me beija!

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

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Ivan, 2003

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

Cristiane Mota Moraes


 

Noturna


Noite... Trevas?
Mas não é no céu escuro
Que brilham estrelas?
O sol é belo,
Luz,
Calor.
Mas troca é coisa delas
Troca é de desejo
E sonhos...
Que o sol apaga.

É à noite que dói
A solidão de quem não se fala.
Além brilha a constelação
De sonhos de fada.
Como é que se pode dizer
Da noite nada?
Se é nela onde se vê,
Pálpebra cerrada,
À luz do tato,
De fato,
a beleza amada?

Medo,
Temor,
Solidão.
Abafados em ruflar de asas de morcegos
sapos, grilos, ruídos,
mil solfejos!
E nesse ínterim fortuito,
Escuto e vejo
No instante em que se sorriu
O calor do primeiro beijo.

Que há na noite então?
Se do sol guardei pesadelos,
A lua os deixa no chão,
Sopra o arrepio dos pelos
Leva-me à escuridão
E pingando em gotas segredos
Serena na grama cedo
Relento frio e são.

O sol a tudo evapora.
Por nada, por sim ou por não.
Pois tudo já leva embora
De pronto a sua morada.
É... no sol é que mora a espada
Regada de sangue vão.
Na noite se cria o vulto
No dia, a escuridão.

Por poucos se realiza
no esforço e com muito custo
a vontade do ser recluso.
Na terra em que sopra brisa
Queimar-se no sol se evita
O fogo entra em desuso
tornado seu calor morno.

À noite é que acorda a vida!
De dia, fica em repouso.
Verdade é o que se evita
Ao sol que ofusca o olho.
A noite pede o retorno.
O dia, a despedida!

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata

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Paulo Bomfim

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

Cristiane Mota Moraes


 

Pedra


Dura pedra
Dor à pedra
A água fura
À água fura

Pedra à pedra
Só fagulha
E fragmentos

Fogo à pedra
...Secura
E fragmentos

Terra à pedra
Dor aos pés
Paredes, aposentos.
Limite.

Água circunda a pedra
Sem deixar de ser água
Pedra penetra a água
Sem deixar de ser pedra
Ausentes tormentos.

Mas uma à outra afaga
Uma à outra penetra
Uma contém
A outra se esquiva
E nesse vai e vem
Os calos tornam-se vida
A vida surge e desperta,
Almeja, seduz.

A todo o ser convida
Entre luz e sombra certa
A ser mais do que espera
Pedra...
Pedra que se presa
Não esconde, colore a luz!

 

 

 

Octavio Paz, Nobel

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Foed Castro Chamma

 

 

14.06.2005