Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Cláudio Neves

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Poesia & conto:

 


 
 

Ensaio, crítica, resenha & comentário: 

 


Fortuna:


 
Micheliny Verunschk

Alguma notícia do(a) autor(a):

  • Cláudio Neves nasceu em 1968 no Rio de Janeiro. Mora em Fortaleza, Ceará, há quase duas décadas. Formado em Comunicação Social, trabalhou em agências de propaganda nos anos 1990. Desde 2000, é professor de Língua Portuguesa em colégios e cursinhos. Publicou poemas em diversos jornais, antologias e revistas, como na Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional. Em 2008, estreou em livro com “De sombras e vilas” (7Letras, RJ). Em 2009, publicou “Os acasos persistentes” (7Letras, RJ). Além de poeta, é também crítico literário e ficcionista.

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A menina afegã

André Seffrin

 


 

Todo poeta é o que é e não aquilo que imagina ser. Ora, apesar do ânimo clássico, aristocrático e até, por vezes, solene, a poesia de Cláudio Neves é portadora de uma inquietante modernidade. Nela, o conteúdo trágico não raro é diluído em formas lúdicas, em que se alternam e se deslocam imagens e sugestões menos óbvias quanto mais aparentes. Como um jogo de claro e escuro, de linhas retas e arabescos que o poeta movimenta com extraordinário senso de medida. Em De sombras e vilas (2008), seu livro anterior, ele se defronta com o espelho da memória, em que os sinais centelham dentro – em luz, palavra, sentido ou abismo, sempre dentro, lá onde residem os arcanos da poesia. Os acasos persistentes reativam essa metafísica convertendo-a, por assim dizer, numa cronologia de sentimentos, em que “as palavras são o que são, e não são nada”. Porque, se a existência do amor é possível apenas fora do tempo, é em seu curso (do tempo) que ele (amor) existe. Sim, amor e morte, temas primordiais da poesia – com eles, Cláudio Neves retoma este ofício de palavras, valores e medidas, entre o sonho de Deus e o vazio, para alcançar, talvez, “após uma noite de sonhos concêntricos, a suprema manhã da inexistência”. Valores e medidas de grande poeta cósmico que vive e escreve a partir de suas moradas e conflitos.


[Orelha de “Os acasos persistentes”]

 

 

 

 

 

 

 
Benedicto Ferri de Barros

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Dora Ferreira da Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

Victor Oliveira Mateus

a_sombra_do_silencio@hotmail.com


Efemeridade e permanência

na poesia de Cláudio Neves

 

Neste novo livro de Cláudio Neves assumem particular relevância os conceitos de Amor e de Morte, que, no entanto, são submetidos aqui a uma abordagem cuidadosa e incomum na poesia ocidental. Logo nos dois versos iniciais do primeiro poema, o poeta deixa-nos entrever que o amor de que irá falar se coloca em dois planos distintos, embora com zonas tangenciais e de possíveis permutas: aquele que “já foi/ antes de ter sido” (poema 1), que é livre de objectos particulares e, em última instância, livre de si mesmo, e um segundo nível onde o amor, por uma vivência concreta, se revela nos quotidianos gestos. Esta concepção remete-nos imediatamente para um solo matricial bem caro ao Ocidente, embora, e como veremos, Cláudio Neves articule, de forma exímia, todo esse legado da tradição com aspectos de uma modernidade que são intrínsecos à sua arte poética. Os primeiros nomes que nos ocorrem são o de Empédocles e o de arché, substância dinâmica bem cara aos Jônicos, já que o Amor nesta obra de Cláudio Neves é incriado e subjacente a tudo, mas que, no entanto e num segundo momento, “Dança num intervalo/ de luz…” (poema 1). O poeta insiste, em vários dos seus textos, nesta cisão originária que ocorre no seio do amor: “Apenas fora do tempo/ o amor é possível,/ mas apenas/ em seu curso é que existe” (poema 6); “O amor é isso:/ o que escolhe ser,/ à revelia de quem o habita” (poema 14). Paralelamente a este nível do Amor, encontramos um outro de estatuto ontológico inferior – aquele que é vivenciado no quotidiano: “o teu amor desliga o som,/ tira-me os óculos e o livro” (poema 5). Perante esta visão dialógica e especular do amor conseguimos perceber as razões que levaram Cláudio Neves a optar por epígrafes e imagens que nos induzem jogos de reflexos e refrações: o olhar de um cão (cf. poemas 5,16 e 19); o espelho (cf. poemas 6 e 24). Estes dois planos através dos quais o amor se nos apresenta perpassam todo o livro, o que nos conduz a uma nova dicotomia: a ordem da permanência e a da efemeridade: “Certas manhãs parece que sempre existiram/ em outras somos nós que amanhecemos” (poema 27); “Aquilo que prestes,/ aquilo que quase,/ os gestos inertes/ vibrarão mais rentes,/ tocarão mais leves,/ sorverão mais lentos/ a verdade quieta/ de todo objeto” (poema 21). Vemos, por conseguinte, que são inúmeros os versos e/ou os poemas em que se desenham não só os dois níveis do amor já referidos à saciedade, como também a alternância entre os estados de permanência e de transitoriedade. Consciente de que o amor vivido é, então, uma secundarização – ou até uma falha – no meio da totalidade amorosa, o poeta experiencia-o, por vezes, com sentimentos de carácter negativo: o “cínico silêncio” (poema 15) e o desalento (cf. poemas 9 e 23). É importante enfatizar ainda o cuidado com que toda a imagética desta poesia é trabalhada, e disso daremos aqui um só exemplo: a associação desalento/insuficiência do amor vivido aparece por duas vezes ligada à cor violeta, que na religiosidade cristã tem uma conotação bem definida: “o pensamento/ assume um tom/ de violeta.” (poema

 

2); “Ficou-lhe a voz,/ o aforismo/ ferindo a tarde violeta” (poema 12).

A morte aparece, nesta obra de Cláudio Neves, geminada com o amor, sendo assim uma presença constante ao longo de todo este trabalho: “O Amor e a Morte/caminhavam juntos/ num jardim fechado.” (poema 20, I). Todavia ela não tem, para o poeta, uma conotação necessariamente negativa:

Na morte seremos

o que perdemos

o que já fomos

antes de sermos.

Apenas na morte

seremos

o que somos,

quem fomos

antes de conhecê-la.

(poema 11)

 

A Morte encontra-se, portanto, associada ao desmoronamento da efemeridade e das vivências do amor quotidiano e, consequentemente, à ascensão a esse Amor fonte de tudo. Voltamos assim a um outro item da matriz ocidental: esse morrer para o mundo tão evidenciado nas obras de Teresa de Ávila e de João da Cruz. Se a morte, neste livro, pode ocorrer a qualquer momento (cf. poema 20, IV), também a absolutização amorosa se pode fazer a qualquer instante, aliás, a morte no quotidiano e a eternização daquilo que verdadeiramente É, na poesia de Cláudio Neves, e aqui ao contrário da tradição ocidental, é feita a par da materialidade, do corpo, da sexualidade; se na tradição lírica os mais altos cumes têm sido conseguidos através da ausência da amada ou do amado (a sua morte, o seu afastamento geográfico, o desnível classista, o afeto não correspondido, etc.), nesta poesia a fusão com o Amor pleno pode ser conseguida, não sem uma ruptura, mas com uma assunção e transfiguração do amor quotidiano: “Tudo isso farei eterno,/ se me confias teu corpo sem ruído,” (poema 16); “E há certas noites, embora vulgares,/ em cujo centro onipresente pressentimos/ a combustão de Deus, a marcha dos heróis.” (poema 27) – eis-nos chegados ao final de todo um ciclo dialéctico. Âmago de uma autêntica epifania: fusão no Amor originário; consumação de um périplo, onde Cláudio Neves retoma as imagens específicas de uma poesia de cariz metafísico: a figura do anjo (poema 25, II e IV), a problemática da ressurreição (poema 25, I, II e IV) e, finalmente e à guisa de conclusão, essa ideia de que o deserto é susceptível de ser ultrapassado, mas apenas por esses heróis, que, “à mesa dos loucos” (poema 25, IV), insistem, quais ressurrectos seres numa amorosidade diária, firmando esse Amor que, primordial, tudo move.

Outro aspecto quanto a nós fundamental nesta poesia é o modo como Cláudio Neves articula todo o domínio da modernidade poética, que desde o início percebemos ter, com uma súmula de processos formais provenientes da tradição. Este escorreito alcançar de um justo-meio entre as referidas duas instâncias, faz-nos lembrar três dos maiores poetas que, no século XX, escreveram igualmente em português: Vitorino Nemésio, Ruy Belo e David Mourão-Ferreira; também estes, embora com poéticas radicalmente distintas da presente, conseguiram esse equilíbrio entre o que no antigo urge preservar e aquilo que no moderno está para além das espúrias gangas de prestidigitações grosseiras e completamente apoéticas.

Neste livro estamos frente, não a um versejar tradicional e anquilosado ao qual se acrescentou, de forma aleatória, pinceladas de atualidade, apenas para que tal conste, mas a uma poesia que, toda ela porejando modernidade, se encontra embutida de um formalismo que o poeta adotou visando duas finalidades complementares: uma maior apreensão do poema pelo seu leitor, logo, uma veemente recusa da passividade deste, e a conquista de uma harmonia e de uma musicalidade que pareciam já perdidas na poesia contemporânea; ousamos, por conseguinte, dizer que através destes procedimentos estilísticos o autor nos presenteou com uma escrita, que, vincadamente moderna, quando lida nos faz lembrar as pequenas grandes pérolas da poesia trovadoresca galaico-portuguesa e da do Cancioneiro de Garcia de Resende. Esta exemplar tríade modernidade/ formalismo/harmonia consegue-a Cláudio Neves através de procedimentos como: anáforas (“alheia ao fato de ser sensata,/ alheia às folhas que ela arrebata,/ alheia às coisas”, poema 2); subversão do esquema rimático tradicional (cf. as duas primeiras quadras do soneto, 1); estruturas estróficas de tipo anafórico às quais adiciona rimas cruzadas (poema 4); versificação de carácter assonante; extensas metáforas correntes que se espraiam ao longo dos poemas (cf. poema 19, I e II e poema 25, I, II, II e IV); jogos de palavras (por exemplo, seremos/ sermos, poema 11), muitas vezes articulados com anáforas (poema 19, II); aspectos de continuidade poemática conseguidos através de repetições simples e/ou de anadiploses (poemas 2 e 3), etc. O excelente domínio do português bem como da tradição poética luso-brasileira chega ao ponto de levar Cláudio Neves a trazer para o campo da modernidade processos formais há muito postos de lado: o dobre (“saudade sem objeto,/ objetos sem ruído,/ tempo sem corrosão,” poema 14); mordobre (poema 11); mote ou tema (poema 5). Porém, e aqui mais uma originalidade desta poesia, o poeta muitas vezes não segue fielmente esses esquemas versificatórios: acena-nos com eles, aqui e ali nos mostra que os domina, mas logo os subverte, não para encenar um qualquer artifício gratuito e desinspirado bem ao gosto de certas escritas que começam a vislumbrar o início da sua queda, mas para que o intento de apropriação do real se intensifique e assim se consiga uma maior autenticidade, ao mesmo tempo que, nesta sua arte heterodoxa de desvelamento / ocultação, se implique o leitor de poesia com o sentido do que é mostrado e com a harmonia de um dizer que compromete esse mesmo leitor na dinâmica do fazer poético.

 

Lisboa, 17 de abril de 2009.

 

[Prefácio “Os acasos persistentes”]

 

 

Link para Victor de Oliveira Mateus

 

 

 

 

 

 

 
Gerardo Mello Mourão

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Titian, Noli me tangere

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

Marco Lucchesi

 


 

Este livro de Cláudio Neves é um conjunto de preciosa harmonia. Sonatina que se reconhece pelo depurado sentido da forma. Mas que não morre como aqueles que buscam uma perfeição desprovida de linfa e acaso brutal. Seus poemas respiram humanidade.  E me pergunto: quantas vezes – e por sábia decisão – Cláudio não se decide a quebrar um verso, avançando-lhe outra medida, para criar ao fim e ao cabo uma leitura inesperada?  Dá-se ao luxo de errar. E com uma ironia inconfundível – aquelas mesmas dissonâncias dos violinos de Penderecki.  Violinos estranhos.  Tão acertados no erro. Como se trabalhassem em diversas regiões da harmonia. Cláudio Neves domina as cordas de seu instrumento. Ressalte-se o uso do hendecassílabo como bem afirmou Paulo Henriques Britto. Ressalte-se a batida dos versos no lirismo no recorte da figura que se impõe no mistério das vilas. E dos ventos.  

 

[Contracapa “De Sombras e Vilas”]

 

 

 

 

 

 

 
Wilson Martins

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Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Grief of the Pasha

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

Antonio Carlos Secchin

 


 

As 30 peças de Os acasos persistentes compõem um dos mais consistentes e bem realizados mosaicos de nossa poesia recente. Herdeiro do rigor cabralino, mas desdobrando-o em territórios diversos dos percorridos por João Cabral,Secchin Cláudio Neves elabora um livro em que os poemas se encadeiam e se encandeiam em torno da temática amorosa, alimentados pela memória no seu intérmino  embate contra a dissipação e a morte. Cláudio afirma, num dos (muitos) belos versos da obra: “dizemos ser à falta de outro nome”. Como todo efetivo criador, ele sabe que a poesia é o reino de assédios e aproximações que jamais se concretizam, pois sempre hão de faltar nomes para estancar a sede do artista.

[Contracapa “Os acasos persistentes”]

 

 

 

 

 

 

 

 

 
Manoel de Barros

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William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

 

 

 

 

 

 

 

 

2.11.2009