Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

José Castello

21.10.2005


 

Amor cercado por armadilhas
 


Homens com mulheres, de Bernardo Ajzenberg. Editora Rocco, 96 páginas. R$ 22
José Castello

Depois de cinco romances, entre eles o premiado “A gaiola de Faraday”, de 2002, o escritor paulista Bernardo Ajzenberg nos oferece seu primeiro livro de contos. Reunião de doze narrativas que se distinguem por uma objetividade radical, “Homens com mulheres” evoca, e inverte, o título de uma coletânea de contos que o escritor americano Ernest Hemingway (1899-1961), publicou em 1928 — “Homens sem mulheres”. E faz, ainda, um jogo de palavras com “Mulheres com homens”, reunião de três relatos curtos que outro escritor americano, Richard Ford, 15 anos mais velho que Ajzenberg, publicou em 1997.


Estilo seco, sem adornos e opção literária pelo concreto

A dívida é declarada, os dois escritores são homenageados com epígrafes. Não são referências gratuitas. De Hemingway, Ajzenberg incorpora, mais que em qualquer um de seus livros anteriores, um estilo seco, baseado em uma objetividade asfixiante que, em seu caso, deságua, algumas vezes, em um inesperado fantástico. Do mesmo modo que ele, Richard Ford sempre manifestou a impressão de que os atos concretos costumam ser mais enfáticos e definitivos que as palavras.

É com essa opção pelo ato, que se engrandece e algumas vezes se aproxima do ritual, que Ajzenberg pega seus personagens. Em ação, e quase sempre em plena crise, sem o consolo da argumentação e da retórica, eles se deixam arrastar pelos acontecimentos e é deste arrastar que tiram um sentido, ainda que frágil, para suas vidas.

Nascido em 1959, Bernardo Ajzenberg é, também, jornalista experiente, identidade dupla que, é claro, reforça sua opção literária pelo concreto. Em parágrafos curtos, com frases secas e sem adornos ou divagações desnecessários, ele narra histórias que se desenrolam aceleradamente, com a velocidade bruta que caracteriza os tempos de hoje. Com isso, deixa o leitor sem escolha: ou ele, sem reservas, sem apoios, até sem saber o que faz, se lança no que lê; ou simplesmente fecha o livro. Mas “Homens com mulheres” não é livro fácil de dispensar. Os relatos de Ajzenberg, como sugere o título, tratam, basicamente, do amor entre um homem e uma mulher, dos clichês e obrigações que o aniquilam e da infinidade de mal-entendidos que, enfim, lhe dão forma. Não é nada fácil sustentar uma relação amorosa e o inferno das pequenas armadilhas que a cercam.

Cansado, um homem se detém em uma praça para respirar um pouco e lá encontra uma bela mulher que, ele descobre, tem vínculos secretos com a morte. Outro homem, entre um e outro coquetel, recebe cartões-postais de Lisboa, expedidos por uma mulher que já não consegue voltar para casa. Em busca de um amor maduro, que dispense as ilusões do ideal romântico, um homem se casa com a médica da academia de ginástica que freqüenta, mas ela, apesar da serenidade que lhe promete, simplesmente some.

São homens solitários, atraiçoados pelo acaso e por forças que não podem controlar. Um homem se prepara para tomar o avião de volta para casa, mas esbarra em um amor repentino, e precisa fazer uma opção. Outro, quando julga ter encontrado a mulher de seus sonhos, descobre que, primeiro, deve dar conta de si mesmo e de sua relação com o álcool. Em crise no casamento, um terceiro homem se refugia em um hotel fazenda. Ali encontra uma mulher que vive uma situação similar à dele; envolve-se, mas logo descobre que ela é, na verdade, igual à mulher de que pretende fugir.



Cotidiano rompido por imprevistos e sustos

Um homem conhece uma mulher em Paris; ela desaparece, mas ele acaba encontrando uma filha que não sabia que tinha, e que desaparece também. Hospedada na casa de tios distantes, uma moça descobre que, em troca de dinheiro, e no porão da casa, eles oferecem os filhos como objetos sexuais a vizinhos. São relatos tensos, em que a placidez do cotidiano é rompida por descobertas imprevisíveis. Histórias que mostram que a vida objetiva, tão sólida e solar, é feita, também, de sustos.

No mais perturbador dos relatos, “Quadros no ateliê”, os personagens de Ajzenberg guardam uma identidade fluida: ora são sujeitos de carne e osso, ora personagens de um quadro, ora atores de um filme — e as fronteiras entre essas identidades é muito tênue. Ainda assim, mesmo neste conto, Bernardo Ajzenberg não dispensa o modo duro e frio de narrar; em suas mãos, mesmo as situações perturbadoras conservam grande objetividade e simplicidade.

Porque de fato é assim: é quando nos aproximamos do mundo objetivo, quando o examinamos com delicadeza e rigor, como Ajzenberg faz, que ele — duro, imóvel, repetitivo — se mostra também traiçoeiro e movediço. É na estabilidade das coisas duras e dos fatos luminosos que a instabilidade da existência se revela. De modo áspero e brutal, sem chances para o pensamento ou para a lógica.

“Homens com mulheres” reafirma a figura de Bernardo Ajzenberg como um grande narrador, um dos melhores que temos. Um escritor maduro que agora nos oferece aquele que é, provavelmente, seu melhor livro.


JOSÉ CASTELLO é jornalista (clique para sua page no JP)


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Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Antonio Olinto


 

Bibliografia:


Poesia

  • Presença - poesia, Editora Pongetti, 1949.

  • Resumo - poesia, Liv. José Olympio Editora, 1954.

  • O Homem do Madrigal - poesia, Liv. José Olympio Editora, 1957.

  • Nagasaki - poema, Liv. José Olympio Editora, 1957.

  • O Dia da Ira - poema, Liv. José Olympio Editora, 1959.

  • The Day of Wrath - tradução inglesa de O Dia da Ira, por Richard Chappell, edição Rex Collings, Londres, 1986.

  • As Teorias - poesia, Edição Sinal, 1967.

  • Theories and Other Poems - tradução inglesa de As Teorias por Jean McQuillen, edição Rex Collings, 1972.

  • Antologia poética –Editora Leitura, 1967.

  • A Paixão segundo Antonio - poema, Editora Porta de Livraria, 1967.

  • Teorias, novas e antigas - poesia, Editora Porta de Livraria, 1974.

  • Tempo de verso - poesia, Editora Porta de Livraria, 1992.

  • 50 Poemas escolhidos pelo autor – poesia, Editora Galo Branco, 2004

Ensaio

  • Jornalismo e literatura - ensaio, MEC, 1955.

  • O “Journal” de André Gide - ensaio, MEC, 1955.

  • Dois ensaios - Livraria São José, 1960.

  • Brasileiros na África - ensaio sócio-político, Edições GRD, 1964.

  • O problema do Índio Brasileiro - ensaio, Embaixada do Brasil em Londres, 1973.

  • Para onde vai o Brasil?, ensaio político, Editora Arca, 1977.

  • Do objeto como sinal de Deus - ensaio sobre arte africana, RIEX, 1983.

  • On the Objects as a Sign from God - tradução inglesa de Ira Lee, RIEX, 1983.

  • O Brasil exporta - história da exportação brasileira, Banco do Brasil, 1984.

  • Brazil Exports - tradução inglesa, Banco do Brasil, 1984.

  • Literatura Brasileira, Editora Lisa, 1994.

  • Letteratura Brasiliana -( história da literatura brasileira ), tradução italiana de Adelina Aletti, Jaca Book, 1993.

  • Scurt² Istorie a Literaturii Braziliene (1500-1994), tradução romena de Micaela Ghitescu, Editora ALLFA, 1997.

  • Antonio Olinto apresenta Confúcio e o Caminho do Meio – Rio de Janeiro, Editora Bhum – Ao Livro Técnico- 2001.
     

Artes Plásticas

  • African Art Collection, tradução inglesa de Ira Lee, Printing and Binding, Londres, 1982.
     

Crítica Literária

  • A invenção da Verdade - crítica de poesia, Editorial Nórdica, 1983

  • A verdade da Ficção - crítica literária, COBRAG, 1966

  • Cadernos de Crítica - crítica literária, Liv. José Olympio Editora, 1958
     

Literatura Infantil

  • Ainá no Reino do Baobá - Literatura Infantil, LISA, 1979
     

Romance

  • A Casa da Água - romance, Edições Bloch, 1969

  • A Casa da Água - romance, Círculo do Livro, 1975

  • A Casa da Água - romance, Círculo do Livro, 1988

  • A Casa da Água - romance, Difel, 1983

  • A Casa da Água - romance, Nórdica, 1988

  • A Casa da Água – romance, 5ª edição, Nova Fronteira, 1999

  • The Water House - tradução inglesa de Dorothy Heapy, Edição Rex Collings, 1970

  • The Water House - tradução inglesa de Dorothy Heapy, Thomas Nelson and Sons Ltd, Walton-on-Thames, 1982

  • The Water House - tradução americana Carrol & Graff, 1985

  • La Maison d’Eau - tradução francesa de Alice Raillard, Edição Stock, 1973

  • La Casa del Água - tradução argentina de Santiago Kovadlof, Editorial Losada, 1973.

  • La Casa del Água - tradução argentina de Santiago Kovadlof, Editorial Losada, 1972.

  • Bophata Kyka,( Macedônio ), Macedônia Makepohcka Khnra (km), Skopje, 1992.

  • Dom Nad Woda - tradução polonesa de Elizabeth Reis, edição Wydawnictwo Literackie, 1983. ( Dom Nad Woda, edição Braille polonês, Polska Braille, 1985)

  • Casa dell’Acqua - tradução italiana de Sonia Rodrigues, Edição Jaca Book, 1987.

  • O Cinema de Ubá - romance, Liv. José Olympio Editora, 1972.

  • Copacabana - romance, LISA, 1975.

  • Copacabana - romance, Coleção Lisa Biblioteca da Literatura Brasileira (nº 5), LISA, 1975

  • Copacabana - romance, Editora Nórdica, 1981.

  • Copacabana - tradução romena de Micaela Ghitescu, Univers, 1993.

  • O Rei de Keto - romance, Editorial Nórdica, 1980.

  • Le Roi de Ketu, tradução francesa de Geneviève Leibrich, Edição Stock, 1983.

  • Il Re di Keto, tradução italiana de Sonia Rodrigues, Edição Jaca Book, 1984.

  • The King of Ketu - tradução inglesa Richard Chappell, edição Rex Collings, Londres, 1987.

  • Kungen av Ketu - tradução sueca de Marianne Eyre, Edição Norstedts, Estocolmo, 1988.

  • Os móveis da bailarina - novela, Edição Nórdica, 1985.

  • The Dancer’s Furniture - tradução inglesa de C. Benson, Editorial Nórdica, 1994.

  • I Mobili della Ballerina - tradução italiana de Bruno Pistocchi, L`Umana Avventura, 1986.

  • Les Meubles de la Danseuse, tradução francesa, L`Aventure Humaine, 1986.

  • Die Möbel der Tänzerin, tradução alemã, “Humanis”, 1987.

  • Mobilele Dansatoarei - tradução romena de Micaela Ghitescu, Edição Nórdica, 1994.

  • Trono de vidro - romance, Editorial Nórdica, 1987

  • Trono di Vetro - tradução italiana de Adelina Aletti, Jaca Book, 1993.

  • The Glass Throne – tradução inglesa de Richard Chappell, Sel Press, 1995.

  • Tempo de palhaço – romance, Editorial Nórdica, 1989.

  • Timpul Paiatelor – tradução romena de Micaela Ghitescu, Editura Univers, Bucaresti, 1994.

  • Sangue na floresta – romance, Editorial Nórdica, 1993.

  • Alcacer-Kibir – romance histórico, Editora CEJUP, 1997.

  • A dor de cada um – 1º romance da “Coleção Anjos de Branco”, Mondrian, 2001.

  • Ary Barroso, história de uma paixão – romance, Mondrian, 2003.
     

Conto

  • O menino e o trem – conto, Editora Ao Livro Técnico, 2000.
     

Gramática

  • Regras práticas para bem escrever / Laudelino Freire (1873-1937) – ampliada e atualizada por Antonio Olinto, Lótus do Saber Editora, 2000.
     

Dicionário

  • Minidicionário poliglota – dicionário, Editora Lerlisa.

  • Minidicionário Antonio Olinto: inglês-português, português-inglês – dicionário, Editora Saraiva, 1999.

  • Minidicionário Antonio Olinto: espanhol-português, português- espanhol – dicionário, Editora Saraiva, 2000.

  • Minidicionário Antonio Olinto da lingua portuguesa – dicionário, Editora Moderna, 2000
     

Academia Brasileira de Letras

Fonte: Academia Brasileira de Letras

 

 

Um esboço de Da Vinci

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Mauro Mendes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Triumph of Neptune

 

 

 

 

 

Antonio Olinto


 

O crime da máquina


A máquina rodou só
nos trilhos limpos,
foi matar a menina de vermelho.
Bastou um grito para o espanto
fixar-se na tarde.
Desceu gente de longe,
homens pisaram pedras,
mulheres jogaram noites na pressa,
os pais surgiram de súbito.
Um sangue ungia rodas e trilhos,
pedaço de vestido repousava em dormente.
Lanternas acesas na lida em vôo,
foram examinar a máquina,
o freio intacto,
as peças nuas,
a chaminé parada em pânico.
Rodara só
nos trilhos limpos.
Em desvio de falas,
colheram saudades da menina,
assistiram ao desfile das pausas,
contaram casos de nascimento.
A manhã parou na máquina,
os homens trouxeram cadeiras,
fizeram um círculo de vozes,
ergueram pedaços do crime.
Depois, tomaram café,
deram seus votos
e fitaram, em rápida apreensão,
a máquina condenada.
Levaram-na para um desvio,
destruíram os trilhos de um lado e de outro,
fundaram cerca de arame ao redor,
deixaram placa de madeira
com letras em quase cruz.
Quando as outras máquinas passam
nos trilhos mais longe
apitam avisos,
rodam mandadas,
contemplam a cela tênue,
plantas agora buscando as fendas
da quieta locomotiva.


 

 

 

Mary Wollstonecraft, by John Opie, 1797

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Miguel Sanches Neto, 2002

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Acis and Galatea

 

 

 

 

 

Antonio Olinto


 

Soneto de natal

 

"Mudaria o Natal ou mudei eu?"
Machado de Assis



Mudaria o Natal ou mudo iria
Mudar sempre o menino o mundo em tudo?
Ou fui só quem mudei, e meu escudo
Novidadeiro, múltiplo, daria
Ao mudadiço mito da alegria
Em noite tão mutável jeito mudo?
O homem é mudador, muda de estudo,
De mucama, de verso, pouso, dia,
Porque a muda modula esse desnudo
Renascimento em palha, e molda e afia
O instrumento da troca, o fim miúdo,
A noite amena erguendo-se em poesia.
Mudei eu sempre sem saber que mudo
Ou somente o Natal me mudaria?

Nova York, Natal de 1965


("Tempo de Verso" – poesia – 1992)

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), The Ancient of Days

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Neide Archanjo

 

 

01/08/2005