| 
			
			Wilson Martins 
   
			
			
  Prosa & Verso, 21.11.1998
 
			
 Os dois Vinicius
 
			  
			  
			  
			Poeta romântico morto jovem, Vinicius 
			de Moraes (Poesia completa e prosa. Organização de Alexei Bueno. 
			Rio: Nova Aguilar, 1998) exemplifica didaticamente que a glória é, 
			de fato, o conjunto de mal-entendidos que se acumulam em torno de um 
			nome. Nesse caso, como em todos os outros, o dever da crítica é 
			desfazê-los e não perpetuá-los, pois as verdades aceitas são, por 
			definição, as que mais necessitam de releitura.  
			Em termos estritamente literários e 
			até biográficos, sua carreira foi, de certo modo, invertida, 
			passando pelas mutações assinaladas por José Castello: de poeta para 
			músico popular, e de músico popular para showman, num plano 
			inclinado de conseqüências perversas. A popularidade do último 
			período, no bom e no mau sentido da palavra, obliterou por completo 
			o poeta e sua obra, concentrando o interesse e respectiva 
			celebridade nas atividades efêmeras do espetáculo.  
			O equívoco paradoxal desse trajeto 
			repousa em dois períodos, separados por intervalos de olvido e 
			abandono. No primeiro deles, a obra literária vai de 1933 ("Caminho 
			para a distância") a 1946, com os poemas, sonetos e baladas, pois as 
			duas coletâneas seguintes ("Antologia poética", 1954, e "Livro de 
			sonetos", 1957) apenas reproduzem, como é óbvio, o que já constava 
			das anteriores. Eram, por conseguinte, claras confissões de 
			esgotamento. A essa altura, se não chegou a ser o "altíssimo poeta" 
			de que se vangloriava na juventude, é certo que os novos poemas, em 
			1938, garantiram-lhe o lugar, nas palavras consagradoras de Mário de 
			Andrade, "entre os grandes poetas do Brasil contemporâneo".  
			Esse lugar envolve, de seu lado, 
			algumas ambigüidades, porque, vindo depois do modernismo militante e 
			antes dos cânones retóricos da geração de 45, ele retomou os poemas 
			de forma fixa e outros brincos parnasianos, nomeadamente o soneto, 
			contra o qual, dizia Otto Lara Resende, os modernistas haviam movido 
			uma "campanha mortal". Mário de Andrade reconhecia nisso "uma 
			necessidade do seu dizer", porque a espontaneidade de escrita e a 
			fluência criadora serão, com certeza, os traços mais característicos 
			de sua poesia. Historicamente, nas palavras de Renata Pallottini, 
			ele foi "o regenerador do soneto depois da semana de 1922. E, 
			conquanto ‘O caminho para a distância’ contenha sonetos, saindo em 
			1933, podemos aceitar como início desta regeneração o volume ‘Novos 
			poemas’, de 1938".  
			Contudo, sua singularidade essencial 
			está em não ter pertencido, realmente, a uma "geração", no sentido 
			convencional da palavra, mas a um grupo ideológico, o dos escritores 
			católicos que freqüentava àquela altura, todos procurando "restaurar 
			em Cristo" não só a poesia (para lembrar "Tempo e eternidade", de 
			Jorge de Lima e Murilo Mendes), mas o pensamento brasileiro em 
			geral. Foi uma "restauração" que se pretendia, não arcaizante, mas 
			modernizante, buscando exprimir-se no idioma surrealista de que 
			Vinicius de Moraes felizmente não se deixou contaminar. Sob esse 
			aspecto, a restauração católica tinha algo de desesperado, 
			procurando reconquistar a intelectualidade, corrigindo-lhe a 
			perigosa deriva esquerdista.  
			Sempre é certo, entretanto, que 
			Augusto Frederico Schmidt, Jorge de Lima e Murilo Mendes eram 
			percebidos como "modernistas", mais do que modernos, o que, pelas 
			conotações semânticas desse adjetivo, não deixava igualmente de 
			inquietar a Igreja e, particularmente, Alceu Amoroso Lima, seu 
			porta-voz na República das Letras. Eduardo Portella observa a esse 
			respeito que "o primeiro Vinicius, assistido por um 
			transcendentalismo que já vinha do grupo Festa, e animado pela 
			companhia de Augusto Frederico Schmidt ou Otávio de Faria, 
			mostrava-se refratário ao acervo temático dos homens de ‘22’ e, mais 
			do que isso, repelia o que parecia ser um anarquismo formal. (...) É 
			um escritor-ponte entre o modernismo que se consolidara e aquela 
			geração nostálgica que, em 45, empreenderia uma longa viagem de 
			volta".  
			Ocorreu, então, o inesperado. De 1946 
			a 1958, não só ele silencia no plano da poesia literária, como a sua 
			obra se tornou estranha aos parâmetros críticos que passaram a 
			vigorar. Por isso mesmo, a geração de 45 durou o espaço de uma 
			manhã, atropelada pelos novos evangelistas do concretismo. Vinicius 
			de Moraes reapareceu em 1958, mas era outro Vinicius, como o 
			primeiro LP convencionalmente apontado como início da bossa nova. 
			Era o passo decisivo que o conduziria a uma carreira inteiramente 
			diversa, no cinema e, sobretudo, na música popular, inclusive como 
			cantor (medíocre, ou menos do que isso). De fato, é como letrista e 
			por sua associação com compositores famosos e vitoriosos da música 
			popular, que ele vai ser descoberto e aclamado pelas novas gerações, 
			as quais, segundo presumo, jamais o haviam lido como poeta. Nessa 
			carreira, ser-lhe-ia conferida a consagração que jamais conquistara 
			com a obra anterior, mas na qual, bem entendido, a cintilação das 
			lantejoulas foi tomada pelo brilho de metais preciosos. (W. M. "O 
			poeta romântico". Pontos de vista, 10, 1995).  
			Dos 67 anos que viveu, Vinicius de 
			Moraes consagrou 13 à poesia literária e o restante às atividades 
			artísticas, nomeadamente como letrista de música popular, 
			tornando-se, com isso, nas palavras de Carlos Felipe Moisés 
			(Vinicius de Moraes. São Paulo: Abril Educação, 1980). "uma figura 
			de domínio público (...) pode ser encarado como uma espécie de 
			símbolo de uma profunda mudança de valores (não só literários e 
			artísticos) pela qual vem passando nossa sociedade nas últimas 
			décadas". Vivido por ele como personalidade paradigmática, tanto no 
			plano biográfico quanto no intelectual, foi um tempo de transmutação 
			pedestre de todos os valores, inclusive, para o que nos interessa, 
			naquilo que se refere à poesia. Contemporâneo de Manuel Bandeira, 
			Schmidt, Drummond, Mário de Andrade, ele só poderia ser visto, como 
			foi, no julgamento do tribunal sem face que se chama "opinião", como 
			um poeta menor.  
			A segunda parte de sua carreira 
			situou-o como homem célebre, o que é diferente, superior, bem 
			entendido, à maior parte dos compositores populares, tudo 
			condimentado pelo folclore ligado ao seu nome. O novo público 
			ignorou-lhe por completo a obra poética, rejeitando-a para uma nota 
			de rodapé. Numa antologia de 1979, Sérgio Buarque de Holanda 
			silenciou sobre ela, preferindo demorar-se nos jogos amenos em que 
			se consumiu a sua vida. Isso diz tudo - e sugere tudo o que pode ser 
			dito a propósito da edição da Nova Aguilar.
 
 
			
  Leia a obra de 
			Vinícius de Morais
 
			  |