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Salomão Sousa




A reafirmação do humano pelo poeta José Godoy Garcia

 



 

O Flautista e o Mundo Sol Verde e Vermelho, novo livro do poeta José Godoy Garcia, que participa agora no dia 28 da instalação da Academia Jataiense de Letras, que antes mesmo do lançamento em Brasília chegou a ser indicado inadvertidamente para o Prêmio Luís Estêvão, busca ainda com maior intensidade a humanização.

O flautista (o homem) e o mundo verde (natureza) e o vermelho (ideologias, sangue...), somados a outras cores metafóricas - conforme o próprio autor proclama - definem a volta da poesia para o próprio homem, naturalmente social, sem enraizamentos filosóficos, sem ressentimentos, sem proclamações ou bombardeamentos. Poder-se-ia aprofundar ainda mais: define a capacidade do homem de continuar existindo dentro das contradições ideológicas, sem impedir de existir sempre uma claridade-sol para indicar a solidariedade, a beleza, a simplicidade.

Se José Godoy Garcia, enquanto homem, é marxista, quase extremista, provocativo; enquanto poeta é aquele que pratica o equilíbrio - não como simples neo-liberal. É o poeta dialético, que não se arrasta pela simples esperança (Reinaldo Arenas, em seu recente e belo póstumo Antes que Anoiteça, já afirma que a esperança é para os covardes), pois Godoy entende que o mundo se transforma não só pela ação, mas também pelas idéias. E para ele as idéias de transformação podem ser novas, devem ser novas. Não podem se pautar sempre por posições já fixadas. "As idéias novas passaram a fazer parte do mundo", é seu verso filosófico, e nem precisaria existi-lo, se as idéias conquistaram o universo desde o Iluminismo - mas o homem precisa de reafirmações. E que a reafirmação deste embate dialético entre ação e idéias possibilite o sonho de todos - ser feliz.

A poesia não é campo para o inusitado, mas para a transparência, para a sugestão e a instigação. E tem o seu instante de evidenciar que os mistificadores e cegos não querem ver ou trabalham para impedir que seja visto. A poesia de José Godoy Garcia põe a nu para o homem e o mundo serem vistos. Na sua poesia não há lugar para a pregação armada do marxista, mas para o desarmamento das injustiças, e que seja permitido ao velho sair na trilha ao lado do novo, do menino que só enxerga e anda. E o velho ali para dizer: vamos pautar a caminhada assim.

Pode-se afirmar como em Oito e Meio, com Fellini, que toda obra de José Godoy Garcia, principalmente neste O Flautista e o Mundo Sol Verde e Vermelho, é uma aula de rastreamento da dignidade humana. É uma poesia que se realiza através do embricamento de temas ternos.

A sua poesia vem do mesmo húmus da natureza em que Manoel de Barros constrói versos com um delírio microscópico e quebradiço, a partir de detritos, gravetos e gramática, humano através da natureza mesma; José Godoy Garcia arma-os, os versos, com a sentenciosidade do delírio do ser, numa integração homem-natureza-idéias. São duas linhagens da poesia brasileira, uma micro e outra macroscópica, com o mesmo domínio e importância, trabalhando distanciadas para maravilha da Literatura Brasileira e seus inexistentes leitores.

Com a gestão infinita do telúrico, José Godoy Garcia não se desvincula dos temas enraizados no cotidiano. Em O Flautista e o Mundo Sol Verde e Vermelho, estão presentes a África do Sul, a chacina da Candelária, Ayrton Senna virando anjo após o choque no muro... Tem espaço para homenagens a Nicolas Behr, a Haroldo de Britto Guimarães, a Alberto Xavier de Almeida, a Cairo Campos; para um hino de amor a Brasília (talvez o mais belo já dedicado à cidade, juntamente com o texto de Clarice Lispector), sem esquecimento de Jataí, sua cidade natal. E, acima de tudo, até mesmo da pretensão remunerada, para resgate da imagem do Rio de Janeiro.

José Godoy Garcia é um dos muitos escritores discriminados pelo processo cultural brasileiro, principalmente pela incapacidade e intolerância dos grupos instalados fora do eixo Rio-São Paulo para criar seus próprios representantes. Este é seu oitavo livro, série que teve início em O Caminho de Trombas, que apresenta visão sobre a atuação da esquerda brasileira, na qual teve participação efetiva; e um livro de contos, Florismundo Periquito, ambientado na região Centro-Oeste, em que são retratadas as condições adversas dos candangos que participaram da instalação da Capital, e José Godoy Garcia era um deles, estave entre eles. E os demais livros, todos da mais elegante poesia, sempre no caminho do resgate da dignidade humana.


 

 

 

 

17/06/2005