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					Vejam que preciosidade 
                  
					
					dentro de um livro do sebo! 
                    
                  Soares Feitosa 
                  10.10.2014 
                    
                    
                  Não me perguntem onde 
					comprei; afinal, sou idoso.  
                  Nem quando.  
                  O fato é, no projeto 
					de digitalizar todos os meus livros, Célio Guerreio Jr, 
					operador do scanner, do meu modesto escritório, me chama sobre este: 
                    
                   
                    
                  Eu disse: 
                  — Sim! Prossiga! É para
					scannear 
					também! 
                  Ele disse: 
                  — E a foto? 
                  Eu disse: 
                  — Que foto? 
                  Ele, imediato, puxou-a de dentro do 
					livro: 
                   
                    
                  E rápido, vaqueiro 
					que sempre fui, de reparar por cima do pasto e contar os 
					bois e dizer-lhes peso e quantidade, boiada inteira, olhei na frente e 
					atrás: 
                   
                    
                  Meu Deus! (mas nada disse, 
					senão da boca para dentro). 
                  Então, saí reparando bem 
					devagar, detendo-me... nos pés.  
                  Da esquerda para a direita, 
					o terceiro e e o quarto, as meias de rodelas multicores, o 
					fino do fino. E os sapatos de duas cores. Do 5º, que se 
					não for o meu amigo, Waldir Veiga Rocha, do Conselho de 
					Contribuintes… Mas o Valdir jamais andou por aqui, Ceará, é 
					carioca, de Niteroi. Tem nada não, deve ser ele, sim, com 
					certeza que é ele. Uma foto de 1942, 
					Waldir sequer havia nascido. Tem nada não. É ele, com 
					certeza que é.  
                   
					Os sapatos de nenhum deles parece de luxo. Para quê? Éramos, 
					somos, todos pobres. Sem esquecer que Senador Pompeu, sertão 
					brabo de muito sol, nas cercanias do Conselheiro (Quixeramobim) 
					teve, na Seca do 32, uma seca medonha, um campo de 
					concentração quase tão eficiente na arte de morrer como 
					alguns que inauguraram na década seguinte.  
                  — Década seguinte?  
                  Deveras, só agora é que 
					reparo melhor na data: 1942. 
                   
					Depois, no canto esquerdo, o primeiro dos que 
					estão em pé, gravata "brabuleta", o doutor Pontes Neto? O 
					Trotsky? Não, não! É o meu tio, ti-Tõe, Antônio Soares 
					Godinho, de Pedra Branca, vizinha de Senador Pompeu, vejam: 
                  — ? 
                  Sim, cadê a foto de meu 
					tio?!  
                  Procurei e procurei.  
                  Saltemos, pois, o do canto 
					esquerdo e pulemos, a partir do canto esquerdo, dos que 
					estão em pé, para o 4º. 
                   Pronto, 
					é o meu pai! Reparem, ao lado, a foto de meu pai, Francisco, 
					dito Tatim. É a mesma pessoa, o 4º da foto acima. 
                  E ainda na fila dos que 
					estão em pé, as mulheres, a segunda, da esquerda para a 
					direita, uma jovem senhora com o seu coque vistoso, a 
					trunfa, como dizíamos naquele tempo.  
                  — Quem é?  
                  Claro que é a minha mãe. 
					Vejam: 
                  Minha mãe era baixinha, um 
					toco de gente; e meu pai, a quem nunca vi porque morto no 
					mesmo dia em cheguei ao mundo, bem grandão, é que me contam dele. Bonito. Sim, muito bonito. 
                  A senhora da foto, acima, é 
					alta. Tem nada não. É a minha mãe, bem baixinha que, 
					secretamente deve ter subido nalgum banquinho. Ou então, 
					corajosa, como ela só, estaria a usar pernas de pau.  
                  Ela me dizia, ainda que, na 
					coragem, a altura não lhe fizesse mínima falta, que bem que 
					se atreveria a mandar esticar as canelas. Esticou-as, de 
					causa natural, muito depois de 1942, 1994. 
                  — 1942?!  
                  — ? 
                  Foi outra seca medonha 
					neste Ceará. O mundo ardia em guerra. Bom, neste 2014, estão 
					todos mortos, os da foto.  
		
		 Esperem 
					aí, tem um menino bem no canto, no lado direito da foto. Um
					cabrito duns seis, sete anos. Quem sabe, ele veve! 
                  — Quem é? 
                  Claro que sou eu! 
                  Como assim, se 1942 eu 
					ainda andava dependurado no entrepernas do finado meu pai?! 
					Mas sou. A foto é… é eu. O menino usa pastinha, um cabelo 
					estirado. O meu, nem tanto, meio carrapichal, mas deve ter 
					sido a água toldada da seca… Vejam se não sou?! Sou, sim! É eu! 
                  —! 
                  E o mundo gira e gira.
					 
                  E me aparece essa foto a me 
					assombrar de fantasmas. Quem são? 
                  Guardo-a muito bem 
					guardada.  
                  Não é a primeira vez que 
					livros do sebo me surpreendem. Outro dia, outro livro, cheio 
					de anotações, tinha nome e telefone. Tinha também uma foto. 
					Liguei. O proprietário alegrou-se. Não lembro os nomes, nem 
					do livro, nem do proprietário. Entreguei-lhe o livro de 
					volta. Desconfio que ele quis apenas a foto. O livro deve 
					estar no meio de um novo lote a scannear. Darei 
					notícias. 
                  Outro livro de sebo, do 
					cineasta Eduardo Coutinho, falecido há pouco tempo. Um livro 
					meu, PSI, A PENÚLTIMA, que não sei como fiz chegar às mãos 
					dele. Riscou-o todo. Depois, mandou-o ao sebo e, peripécias 
					do destino, retornou às minhas mãos, que esgotado o PSI, 
					recompro-os no sebo para novos leitores. Preparei-o para 
					devolver-lho, não para reclamar, mas, pelo contrário, para, 
					de alegria, pedir que o enviasse, com dedicatória dele, a um 
					novo leitor, envelope e selos anexados.  
                  Deu tempo não.  
                  Que Deus o tenha em Sua 
					gulória. Amém. 
                  Aqui está o link para 
					Eduardo Coutinho, 
					é só clicar.  
                  Se quiser conhecer mais 
					gentes do Ceará, é aqui; aliás, a equipe inteira do 
					Jornal de 
					Poesia. 
                    
                    
                    
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