Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Rudinei Borges

rudineiborges@usp.br 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Poesia:

Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna: 


Alguma notícia do(a) autor(a): Rudinei Borges nasceu em Itaituba/PA, cidade localizada às margens do Rio Tapajós, afluente do Amazonas, onde todos os dias chegam  inúmeras embarcações. Viveu parte da infância em sítios e chácaras da Rodovia Transamazônica e Santarém-Cuiabá. A outra parte num bairro itaitubense chamado Liberdade. Estudou nas escolas Raimundo Pereira Brasil e Isaac Newton. Morou em Santarém/PA e em 2003 mudou-se para São Paulo. Formou-se em Filosofia. Atualmente faz mestrado em Educação na USP. É co-autor dos livros Educar e Aprender e Bate-papo no gramado, ambos pela editora In House. (2009)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vassia Silveira

 

Daisy Maria Gonçalves Leite

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

 
 

Rudinei Borges
 

 

 

O poeta

 

 

 

Parece estar

mais próximo do outro mundo. Está.

Quando dorme a profundeza do sono

o poeta rompe a porta das coisas

e vai às ilhas que ninguém conhece.

 

Vê na flor não o que a flor não é.

Vê na flor o singelo encanto

e furta das pétalas a luz do dia.

 

A lamparina acesa atravessa a madrugada.

Junta o alfarrábio e o tinteiro à escrivaninha.

Tece metáforas em silêncio

como se contasse segredos a ninguém.

 

Consigo já não pode. Nem com os demais.

Chora aqueles que perderam a amada.

Sente na mão a dor das chagas,

porque nele todas as dores se encontram.

 

Nasce a poesia.

E o poeta devolve às pétalas

a luz do dia

tecida em palavras.


 

 

 

 

Nascimento de Maria Fernanda

 

  

Não tenho razões 

para ser

maior que o tempo.

Nem menor

que o instante vago.

Sou apenas o vento

e estou onde quero

como se não quisesse nada.


 

 

 

 

 

Nascimento de Thiago Gonçalves

 

 

Tenho que prenunciar o cais,

as mulheres grávidas,

o pasto e a cerca.

O ombro dos pais

quando é tempo de colheita.

A mão das mães

diante do fogão à lenha.

 

Tenho que prenunciar a tarde.


 

 

 

 

Catedral de Santa Ana

 

 

Quem é livre

quando calam os sinos

e os candelabros?

Quando a manhã parte

levando os montes?

 

Ninguém é livre

quando não ama

a intensidade da chama.

 

Só é livre

a alma branda

quando a paixão doma

a carne

e as marés lentas

tocam cítaras.

 

 

 

 


 

Altar

 

 

Mãe rezava o rosário inteiro

antes de dormir.

E eu baixinho repetia

as palavras da mãe:

amar significa olhar para as coisas

sem sentir saudades delas.


 

 


 

Canção das mães

                      

 

Meu filho não é meu.

É do mundo.

Ele dorme no

meu colo

a viagem inteira.

como se fosse meu.

 

Logo irei soltá-lo

na estação.

Para onde irá

não sei.

 

Mas um dia

voltará.

E de novo no

meu colo

dormirá

o sono matinal.

 

 

 

 

 


 

O cemitério dos bichos

 

O fundo do quintal

era o cemitério dos bichos.

Quando morria gato e cachorro

era lá que a mãe enterrava.

Um dia morreu a nossa cadelinha

e não teve jeito: fiz promessa,

enxuguei lágrimas e rezei

para que Nossa Senhora

intercedesse por ela no céu.


 

 

 

 

Meninos da sétima rua

 

 

Tenho saudades do que é breve

e vai para além dos barcos.

Esvai com a alvorada.

 

Saudades do menino cálido,

que se perdeu nos campos

entre o cais e o beco

e a tenra ilusão dos fósseis.

 

Saudades daquele menino:

amante das ruas,

andarilho das tardes.

O meu menino.

Eu mesmo.

 

 

 

 

 

O autorretrato

 

 Sou um poeta, um escritor do mato, mesmo amando a inteireza e a loucura das grandes metrópoles. Mesmo que eu tenha armado a minha oca em São Paulo. Eu nasci em Itaituba, no interior do Pará. É uma cidade localizada às margens do Rio Tapajós, afluente do Amazonas. Talvez o mais bonito. Sou filho de migrantes que mudaram para as terras paraenses na década de 1970, com a abertura da Rodovia Transamazônica e Santarém-Cuiabá. Vivi parte de minha infância em chácaras e sítios nessas rodovias. Por isso, as imagens antigas que povoam a minha memória são uma aglomeração de vacas, poeira, lama, estradas, caminhões, barcos, barro, casas de chão de terra batida, rios, igarapés, árvores, rezas, capelinhas, quintais e rostos suados.

Com seis anos, quase completando sete, fui morar na cidade e só nessa época comecei a estudar num colégio público, Coronel Raimundo Pereira Brasil. Era uma escola pequena de nome grande, nome de coronel do tempo em que borracha e seringueira valiam ouro. A escola foi o desvendar de um mistério. Lembro as primeiras letras ensinadas pela mãe. A professora contava e recontava contos de fada. E hoje ouço gente que fala mal de Cinderela e Patinho feio. Eu gostava de ouvir tudo aquilo. Foi essencial para a minha formação. Como foi essencial o medo que eu tinha de ir até o matagal atrás da sala de aula, onde diziam que morava a Matinta Perera.

Anos depois recebi uma bolsa do Colégio Isaac Newton. Lá concluí o Ensino Médio e fiz peripécias como performances com poemas, teatro e exposição de poesias.

Comecei a inventar de escrever aos treze anos, com a crença de que tudo o que eu escrevia era bárbaro e empolgante. Sempre um pouco de prosa e poesia. A minha mãe trouxe os poetas românticos, os professores os modernos. Foram vários instantes de deslumbramento e as influências estão em meus escritos: Mário e Oswald de Andrade, Drummond, Manuel Bandeira e Ferreira Gullar. A leitura de Chove nos campos de Cachoeira de Dalcídio Jurandir talvez tenha sido um dos maiores acontecimentos em minha jovem vida literária. Foi com Dalcídio que descobri um amor, até então não muito claro, pela Amazônia, pela gente amazônica. Este olhar para o espelho, o reconhecimento das próprias raízes, foi imprescindível. Eu tenho uma aldeia. E mesmo distante, é de lá que vem esta força que me sustenta (força pouca, força grande).

Morei um ano em Santarém e depois mudei para São Paulo, capital, onde me formei em Filosofia. Hoje estou no mestrado em Educação na Universidade de São Paulo – USP. Vivo entregue a vários projetos literários e escrevo e escrevo. Crio personagens e heterônimos. Pouco foi publicado. Sou co-autor de dois livros pela editora In House: Educar e aprender e Bate-papo no gramado.

A minha literatura habita entre o abrupto e o singelo - pelo menos é essa a crítica que posso fazer agora. De um lado há a ternura do cotidiano, a sagacidade do homem e sua terra. De outro a angústia, a revolta, a pesquisa em torno da existência e da solidão humana. É quase como se morassem em mim dois escritores. De um lado uma procura pela filosofia do encontro de Martin Buber e a obra de Adélia Prado, Manuel Bandeira, Mário Quintana e Manoel de Barros. De outro Sartre, Beckett, Camus, Kafka, Hilda Hilst, Bergman e Milton Hatoum me atormentam.

Sou um escritor em construção.  


 

 
 

 

 

 
Andréa Santos

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Gizelda Morais