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			Rita Cruz 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
			Carta 3 
			
			  
			
			Radiguet, 
			 
			Estou convencida em ficar. Pasme tu tanto quanto eu própria pasmei 
			após ter analisado esse novo desejo em minha vida. Eu, que sempre 
			quis partir, estou com vontade de ficar um pouco mais; de ser um 
			pouco mais com o meu lugar. 
			Não sei explicar o por quê, ou talvez saiba, mas não queira fazê-lo 
			agora. O fato é que eu começo a entender com sofreguidão que nem 
			mesmo o vento pode soprar a favor de quem não sabe para onde ir. 
			Eu nunca que me importei com o destino, você bem sabe. Eu nunca quis 
			saber para onde ir. 
			Mas agora eu realizo em mim a maravilha de “saber ficar”, entendendo 
			que não tenho para onde ir.  
			Qual é a capital desse meu mundo? Qual é o doido fuso horário que 
			faz tocar os sinos de todas as catedrais quando o amor me acontece?
			 
			Tenho me feito muitos questionamentos dessa ordem e percebo que 
			estou ficando ainda mais insana.  
			Minha loucura tem atingido o teto da minha casa e eu não sei muito 
			bem como lidar com isso. São momentos de lucidez – que eu odeio - 
			permeados por um estado de revolta, angústia e letargia, 
			necessariamente nessa mesma ordem. 
			É engraçado. Agora, que faz mais tempo que você se foi, doí menos. É 
			como se eu me acostumasse com a falta que você me faz. E isso me 
			leva a concluir irrevogavelmente que saudade é muito mais presença 
			do que ausência.  
			É claro, eu ainda soluço quando penso na distância, mas eu já me 
			acostumei. 
			Já me acostumei a ficar. Você se foi e eu fiquei. Alline se foi e eu 
			fiquei. João está se indo e eu estou ficando.  
			Tal qual a água corrente os vejo deslizando entre os meus dedos, sem 
			conseguir retê-los.  
			Mas, pela primeira vez, não sinto vontade de ir ao encontro. Tenho 
			vontade de ficar aqui; de me quedar onde estou, ou talvez um pouco 
			mais adiante.  
			Barbusse, veja por essas linhas que lhe escrevo que fiquei 
			desatinada de vez. Nem eu mesma – ou melhor: nem todas a Ritas que 
			eu conheço e ainda hei de conhecer – posso (podem) explicar essa 
			vocação tardia para raíz.  
			Talvez seja mais uma das minhas insanidades que logo passará. Ou 
			não. 
			O fato é que nesse prelúdio de primavera, meu coração ainda não 
			floresceu e eu temo que não floresça dessa vez. 
			Não há indícios quaisquer que eu me vista de rosa na nova estação. 
			Continuarei, ao que pressinto, dentro desse invólucro fúnebre, 
			disfarçando minhas lágrimas na chuva, que insiste em cair. Já pedi 
			ao céus para não molhar o meu amor assim, mas só chove, chove. 
			Concluo mais esta, que irá lhe encontrar somente nos correios da 
			minha imaginação, desejando que o tempo não seja o mesmo para nós: 
			que a mim, ele passe rápido, inebriando os meus sentidos para que eu 
			não o sinta; que a você ele demore em longas e espaçadas visitas, 
			aguçando o tudo que há em você, para que eu posssa em breve ouvir as 
			histórias que já estão gravadas em sua retina. 
			 
			Rita  
			  
  
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