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Nilto Maciel

 

Gaio e a solidão

 

Na casa havia um papagaio. Gritava o dia todo. Insultava seres e coisas. Para alegria de todos.

Sua própria alegria, porém, ia silenciando, pouco a pouco. Se ainda gargalhava, imitando o dono da casa, o fazia por puro hábito. Quase sempre triste em sua prisão, vivia a cochilar, feito um velho doente. Sem a menor vontade de conversar.

A família se reuniu para diagnosticar o mal do pobre Gaio. Doenças aéreas, moléstias aladas, enfermidades penosas vieram à baila. E nada encontraram para causa real da tão drástica mudança no comportamento do animal. Não, só um especialista em papagaio saberia definir a desgraça da pequena ave.

– Eu sei – gritou Jeová, do alto de sua caçulice.

Dona Sara quis rir, mas fez cara feia. Seu José tentou mudar de assunto. A filharada, porém, achou sensato o juízo de Jeová. Sim, Gaio precisava de uma companheira.
***

Autorizados, os meninos vasculharam as redondezas do sítio, à cata de uma papagaia. Em vão. Ali não havia disso. O próprio Gaio viera de muito longe. Trouxeram-no ciganos ou mascates. Seu José comprou-o por uma bagatela, a um desconhecido que passava diante da porta. Puxava um burro repleto de mercadorias. Talvez roubadas.

– Era um cigano, pai? – quis saber Jeová.

– Não lembro mais. Talvez o cigano tenha me vendido um chapéu de feltro. Ou um cavalo velho.

Os filhos maiores foram mais longe. Vararam serras e sertões, buscaram as mais famosas e distantes feiras. E nada de papagaias.
***

A dolorosa melancolia de Gaio levou José e Sara a falar em novos filhos. Ela sorriu. Por acaso ele não sabia o significado de menopausa? Pois desde o nascimento de Jeová cessara nela o poder de procriar. Mais fácil terem netos.

E a idéia chegou aos ouvidos dos filhos. Sim, alguns já andavam na idade de casar. Onde, porém, encontrar moças e rapazes? Ora, nos sítios vizinhos. No de Seu Machado, por exemplo, vivia uma dezena de belas moças e fortes rapazes.
***

Num domingo, a caravana chefiada por José invadiu a casa de Machado. Alegria de ambos os lados pelo reencontro. Há tempos não se viam todos juntos. Como andavam crescidos os meninos! Que belas moças! Que bonitos rapazes!

– Jeová, então, está um homenzinho.

– E o papagaio?

Houve princípio de choro em alguns olhos. Coitadinho de Gaio! Talvez não durasse mais uma semana.

– Faz tanto tempo – observou José.

Os meninos já corriam para lá e para cá. As moças e os rapazes trocavam olhares e palavras tímidas.

– Por pouco não comprei o bichinho – ponderou Machado.

– Não me lembro mais de nada – lamentou-se José.

Na verdade, o papagaio fora vendido a Jeremias por ciganos ou mascates. Depois, aconteceu uma desgraça e o velho caiu na miséria. Perdeu quase tudo na enchente do rio. E se viu obrigado a vender até o papagaio.

Por acaso Machado e José chegaram juntos à casinha do pobre Jeremias. Exclusivamente para comprar o papagaio. Por insistência dos filhos.

E aconteceu uma espécie de leilão.

– Ofereci uma galinha e você uma cabra.

– E o velho cresceu os olhos.

– Ofereci uma vaca e você uma casa.

Lá fora os meninos brincavam, sem nenhuma preocupação com o passado. A um lado, os rapazes e as moças pareciam mais animados. Sara e a dona da casa falavam de namoros e casamentos.

– Precisamos unir mais nossas famílias – considerou José.

– Sim, meus filhos gostam muito dos seus – completou Machado.

Mais algumas horas de brincadeiras e conversas, e ninguém falou mais no papagaio.

Ao se despedirem, alguns acordos estavam selados. Mais visitas de uns a outros e autorização para fulano namorar sicrana ou beltrana.

Havia olhos e lábios para todos os gostos.
 

 

 

Hélio Rola

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Xênia Antunes