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Maria do Socorro Cardoso Xavier


 

Contemplação
 


Como pássaro que voa altaneiro
sem saber para onde ir
seu ninho de ilusões
se esvaíra outros prados
ficando só longínqua saudade;
A natureza bela
Mas sem alegria das almas
torna-se espaço temeroso frio
toda magia desta natureza em êxtase
nos reporta à visão
dos primeiros sonhos que formamos;
Lá longe, contemplo a água em planície:
Ora verde, ora azul, ora brilhante
Tal imenso caldeirão chamejante;
No barulho fervente das ondas cansadas,
das amarguras que carrega
das alegrias que logo passam:
encho-me de fantasia, suaves emoções
purificam o egoísmo revigora o corpo.
Poetizo agruras vida real
Tensões ocultas;
No ideal antigamente aspirado
Procuro as cinzas, do meramente alcançado
Inacabado
Lindos sonhos hoje nada;
Procuro alguma brasa fazer acender
Chama interior
Adormecida.
Vaguei como uma sombra
Pela praia afora
Na solidão que nos faz mais puros
Também narcisistas;
Mesmo insignificante ser;
Sou partícula deste imenso universo,
Tangível real
Sempre vítima da incerteza
Sinto ímpeto irrefreável
Num extravasamento puro de espírito;
Gritar individualmente: Eu existo!
Gritar outro grito mais forte: as dores do mundo
Fazer ecoar infinito afora, coletivamente!
Meus conflitos voltam a se petrificar
Na impotência imediata
confundem-se no barulho
das ondas deste mar,
de repente, sinto suaves éolos
acariciam as faces
sinto fluidos benéficos de esperança;
um forte anseio de Doação e Liberdade
um forte desejo de amar,
invade-me!
Termino a contemplação
Suspendo os sonhos esvoaçantes
para ter lugar
o choque com o real
do dia a dia trivial.
 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Jorge Tufic

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Memories, detail

 

 

 

 

Maria do Socorro Cardoso Xavier


 

E S P E R A N Ç A


O bom da vida
é o novo dia
que vai nascer
o inesperado
o novo amanhecer
 


Como se ressuscitasse
dentro de nós
um novo ser
recém- nascido da vida
 


Esta ilusão
dá impressão
que ninguém envelhece
deixa em pé
idosos, adultos e jovens
 


Enquanto houver
o crepúsculo em arco-íris
o dormir calmo
o sonho encantado
a aurora do trabalho
um novo dia
 


Haverá esperança
dentro de cada ser.
 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Slave market

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Antônio Houaiss

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Maria do Socorro Cardoso Xavier


 

Nas brenhas do sertão
 


Sertanejo
convive diuturnamente
com a morte
sol castiga-lhe
sede
 


anda léguas
de chão rachado
corpo esquálido
faminto
contam-se as costelas
sem comida
 


escuridão da noite
só o vagalume no mato
candeeiro em casa
nos terreiros, o mentiroso
contando estórias
 


mulher morrendo de parto
criança com "doença de menino"
barriga grande, verme
rezadeira com galhinho de arruda
anjinho levado na rede
ao cemitério
 


vaqueiro cego de um olho
perdido nas pelejas
da caatinga
boi fujão
 


pouca água barrenta
das cacimbas
carregada no pote
 


À Novena do Sagrado Coração
beber aluá
comer sequilho
água benta, males afastar
caminhar uma, duas léguas
ir à missa no domingo
capelinha
 


Morreu o fazendeiro
as mulheres cantando
as "incelenças"
ir pro céu
morrendo a cada dia
com a cuia
na mão.
 

 

 

Inocência, foto de Marcus Prado

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Aníbal Beça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

 

 

 

 

 

Maria do Socorro Cardoso Xavier


 

N O R D E S T I N O


Olhos secos
Vida curta
Sem tempo de esperar
 


Sonhos na cabeça
Fome nas bocas para matar
Desfeitos
Muita dor no coração
Confusão na mente
Pouca solução
 


Seres violados
Sem perspectivas
Sem mais cachaça, violão
E rapadura
 


Tantas riquezas
Servindo
Maioria evaporada
Pelo latifúndio adentro
 


Terra boa
Tantas dívidas
Incertezas
 


Procissão

Alienação
 


Chão nordeste
Sendo todos
É de alguns
Ao Deus dará
 


Nordestino
Ser mágico
Trágico
Cômico
 


Promessa
Será luz.
 

 

 

Albrecht Dürer, Mãos

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Izacyl Guimarães Ferreira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros

 

 

 

 

 

Maria do Socorro Cardoso Xavier


 

N A T A L
 


Em Belém nasceu Jesus
Roma era a dona do mundo
Numa manjedoura tão humilde
Sem sedas, sem tapetes do Oriente
Nascia entre espinhos, bestiais e feras
Sob o esplendor apenas das estrelas
Cristo, o Menino- Jesus
 


José e Maria: sublimes e puros
José, carpinteiro; Maria, mulher lírio
genitores da santa criança
Esperavam com emoção e paciência
Doar à humanidade, tamanho prêmio
 


Três reis Magos, viajores oferendava
Ouro, incenso e mirra
Símbolo de regozijo e esperança
Pela dádiva de luz
Nascia Jesus
 


Cristo não quis luxo, nem desperdício
Quarenta dias no deserto foi tentado
Derramou seu sangue, extremo sacrifício
Pouco peixe, pão e vinho
A força do espírito frugal
Dividiu, foi tudo multiplicado
 


Pregou a justiça, caridade, o amor
Monte das Oliveiras, seu sermão
À todos encantou
Dois mil anos de eco
Muitos surdos, poucos males erradicou
 


Apóstolos, sua mensagem
Semeou João, Pedro, Paulo, Thiago
Com verdade, fé e destemor
Duramente perseguidos
Legiões humanas embrutecidas
 


Vis, cruéis imperadores
Luxúria dos camarins reais
Carne, sexo, vinho afrodisíaco
À plebe amorfa, pão , teatro e circo
Indiferentes aos males sociais
 


Martirizados, chicoteados pelo carrasco
Acorrentados pela ordem imperial
Jogados às arenas, às feras
Com coragem e nojo dos poderosos
Imbecis às gargalhadas, em sua corte
Padecia milhares de cristãos
Sangue violentamente derramado
 


Herodes, Pilatos e Nero continuam
Pelo mundo a omitir, agredir
O ato de justiça social, a liberdade
 


Milhares de crianças a morrer de fome
Entrementes, alta tecnologia nuclear
Máquinas de destruir e matar
Às nações imperialistas se afirmar
Milhões de seres humanos
Errantes, sem aurora, sem destino
Analfabetos, alienados, loucos
Com fome, sede, com frio
Sem saber que é Natal
 


O mundo cristão, todos os anos
Comemora o nascimento de cristo redentor
élan distanciado da verdade inicial
Predomina o espírito pagão
Com excessos de comer, beber
Carnal diversão
Acima do profundo significado
De paz e igualdade entre os homens
Que deve ser o Natal
 


Naquela madrugada não havia
Lugar na hospedaria
Para a família do Menino Jesus
Hoje pouca diferença há
As portas estão igualmente fechadas
Aos pobres, oprimidos, carentes e maltrapilhos
 


Ateus, materialistas, livres pensadores
Pseudos intelectuais
Vez por outra do subconsciente
Soltam sem querer, um grito pungente
Na hora da aflição
Às vezes até escondidos
Se valem de Deus
Cientista endurecido
Quer expulsar Jesus do coração
 


A verdade é que
A humanidade necessita de algo,transcendente
Em meio a tendência maior
Satisfação dos desejos , da matéria
Está com sede de alegria simples
De ternura, de espiritualidade
 


A verdade é que
E para o bem
Cristo menino é símbolo, ainda é luz
Infunde amor e paz
Ilumina as trevas da desesperança
Alivia as dores moribundas
Ilumina a escuridão do mundo.
 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

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Rodrigo Marques, ago/2003