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Micheliny Verunschk


 

Déjà Vu


Olhos que passeiam
pelo boulevard,
pegam o bonde
e imaginam
ou sonham
ou querem
estar no trenzinho caipira.
Olhos que passeiam
pelo boulevard,
tropeçam na calçada
e brincam
ou fingem
ou querem
estar apaixonados.
Olhos que passeiam
pelo boulevard,
fumam um cigarro
tomam um sorvete
assobiam uma cantiga
escrevem um bilhete
cumprimentam outros olhos
e fazem do boulevard
seu eppor si muove.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion, detail

 

 

 

 

 

Micheliny Verunschk


 

Da rotina


Varrer o dia de ontem
que ainda resta pela casa,
o dia,
que persiste,
quase invisível,
pelo chão,
nos objetos,
sobre os móveis da sala.
varrer amanhã,
o pó de hoje.
varrer.
varrer hoje.
(e domingo
quebrar os dentes
o copo
e sua água de vidro ...
segunda,
não esquecer :
varrer todos os vestígios).


 

 

 

Rubens_Peter_Paul_Head_and_right_hand_of_a_woman

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Carlos Figueiredo da Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Memories, detail

 

 

 

 

 

Micheliny Verunschk


 

O livro


Havia de encontrar
alguma velha ferida
e nela, supurando ainda,
teu rosto :
outonos e invernos
esquecidos
entre páginas amarelas
e a dor,
essa traça inútil.


 

 

 

Um cronômetro para piscinas

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Carlos Nóbrega

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Micheliny Verunschk


 

Geografia íntima do deserto


I - O corpo amoroso do deserto

Teu corpo
branco e morno
(que eu deveria dizer sereno)
é para mim suave e doloroso
como as areias cortantes
dos desertos.

Que importa
que ignores minha sede
se tua miragem
é água cristalina?

E a miragem
eu firo com mil línguas
e cada uma
é um pássaro a bebê-la.

Ferroam minha pele
escorpiões de sol
com seu veneno
e vejo,
magoada de desejo
os grãos tão leves
indo embora ao vento.


 

II - A presença dolorosa do deserto

Teu nome
é meu deserto
e posso senti-lo
incrustado
no meu próprio
território
como uma pérola
ou um gesto no vazio
como o amargo azul
e tudo quanto
há de ilusório.
Teu nome
é meu deserto
e ele é tão vasto,
seus dentes tão agudos,
seus sóis raivosos
e suas letras
(setas de ouro e prata
dos meus lábios)
são meu terço
de mistérios dolorosos.


 

 

 

Herbert Draper (British, 1864-1920), A water baby

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Marselino Botelho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

 

 

 

 

 

Micheliny Verunschk


 

Memória


O meu pai
possuía uma das asas
muito negra
e dele herdei
estas estrelas na testa
e esta noite excessiva.
De minha mãe
lembro apenas
clarins e água
e que cantava
canções de janeiro.
As pedras brancas
do xadrez
deslizam suaves
sobre a asa muito negra
que foi do meu pai
e eis toda a lembrança
que tenho da pátria.


 

 

 

Hélio Rola

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Luciano Tosta

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros

 

 

 

 

Micheliny Verunschk


 

Inventário


O armário
esconde coisas insuspeitadas
sol
nudez
tintas
— essa coleção de peças íntimas.
O armário
esconde ideogras
e se chinesas,
e, num canto escuro,
uma cetra.


 

 

 

Valdir Rocha, Fui eu

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Luís Manoel Paes Siqueira