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Luiz Paulo Santana


Uma Variação em torno de

Guimarães Rosa

 

 

Essa Flor

 

 

Mas,

na beira da alpendrada,

tinha um canteirozinho de jardim,

com escolha de poucas flores.

 

Das que sobressaíam,

era uma flor branca — que fosse caeté,

                             pensei,

e parecia um lírio — alteada

e muito perfumosa.

 

E essa flor é figurada,

o senhor sabe?

Morada em que tem moças,

plantam dela em porta

da casa-de-fazenda.

De propósito plantam,

para resposta e pergunta.

Eu nem sabia. Indaguei

o nome da flor.

 

— “Casa-comigo...” — Otacília

         baixinho me atendeu.

E, no dizer, tirou de mim

                   os olhos;

mas o tiritozinho de sua voz

eu guardei e recebi, porque era

                   de sentimento.

 

Ou não era?

 

Daquele curto lisim de dúvidas

foi que minou meu maisquerer.

E o nome da flor era o dito,

tal, se chamava — mas para os namorados

                        respondido

somente.

 

Consoante, outras,

as mulheres livres, dadas,

              respondem:

— “Dorme-comigo...”

 

Assim era que devia de haver de ter

de me dizer aquela linda moça Nhorinhá,

filha de Ana Duzuza, nos Gerais confins;

e que também gostou de mim e eu

                        dela gostei.

 

Ah, a flor do amor tem muitos nomes.

 

 

 

 


 

Texto de Grande Sertão: Veredas", página 206; Editora Nova Fronteira, 19ª. edição, 3ª. reimpressão, 2001. A modificação diz respeito exclusivamente à forma, em estrofes.


 

Meu caro Soares

Lendo "Manuelzão E Miguilim", duas novelas pertencentes ao livro "Corpo de Baile" publicadas em separado pelo Nova Fronteira em 2001, em particular a novela "Miguilim", que considerei um trabalho extraordinário daquele autor, chamou-me a atenção o que me pareceu alguma comunicação das "almas", a dele, Guimarães, e a sua, Soares Feitosa. 

Os estilos, se bem que marcadamente característicos de cada autor, dialogam, seja pelo modo como recriam o que vêem, alguma coisa quanto a construção das respectivas sintaxes, a aguda observação acerca dos detalhes (sons, cheiros, nomes, cores) do ambiente, a caracterização sensibilíssima dos personagens, sobretudo a sua poesia telúrica (ou heróica, como é o caso de "Psi", onde os elementos telúricos estão presentes) com a prosa poética de Guimarães. Não fiz nenhum aprofundamento, mas ainda tenho em mente "Psi, a penúltima", ou "Compadre-primo", ou "Réquiem em sol da tarde" ou ainda, talvez esse mais ainda, o belíssimo "Antífona", como fontes de observação acerca de um possível diálogo entre as obras, fora a genialidade presente em ambas. Mas o que me arrebatou nessa direção foi o "arranjo" feito com um trecho da prosa de Rosa, acima.

 

Luiz Paulo Santana

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luiz Paulo Santana


Os Anjos de William Blake

 

A propósito do quadro de William Blake 1757-1827): “Angels Rolling Away the Stone from the Sepulchre”, reproduzido no Jornal de Poesia.

 

 

 

Os Anjos de William Blake,

de luminosa ciência,

reverberam sua graça

sob véus de transparência

na modelagem fraterna

de terrestre ambivalência.

 

Volúpia elevada à enésima

potência da perfeição,

alegoria prismática

do divino e da paixão,

os Anjos de William Blake

descem do céu para o chão.

 

Plange a vigília querúbica

na fina expressão do obreiro:

dois Anjos são femininos

um outro é apolo; e o cordeiro.

Ofusca-se o Corpus Christi

que faz-se humano em primeiro.

 

O corpo mortal de Cristo

sobre a planura terrestre:

o homem belo e sofrido

enubla o Mestre dos mestres.

Contudo os Anjos de William

quedam-se nEle, pedestres.

 

William Blake (British, 1757-1827), Angels Rolling Away the Stone from the Sepulchre

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William Blake (British, 1757-1827), 

Angels Rolling Away the Stone from the Sepulchre