Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

 

 

 

Linaldo Guedes


 



O artista não deve ser um seguidor de fórmulas





Antônio Mariano lança novo livro de poemas e cita Augusto de Campos para reforçar que poesia deve ser risco

Linaldo Guedes
Editor
 

Há 21 anos, Antônio Mariano publicaria seu primeiro poema, após ganhar o I Concurso de Poesias do Sesc. Tanto tempo depois, anuncia agora o lançamento de seu novo livro de poema: Guarda-chuvas esquecidos. A obra sairá pela Editora Lamparina, do Rio de Janeiro, e terá textos críticos de Fabrício Carpinejar e Cláudio Daniel. Durante o intervalo entre a publicação de seus dois primeiros livros - Te odeio, com doçura e Gozo insólito - Antônio Mariano foi construindo seu nome na poesia paraibana e nacional. Idealizador do Projeto Tome Poesia, que levou no ano passado vários poetas num evento que teve boa repercussão local, Mariano participou também, em novembro de 2004, do Encontros de Interrogação, promovido pelo Itaú Cultural em São Paulo. Foi, aliás, incluído na Revista Rumos, lançada durante o evento, como uma das revelações da poesia brasileira. Nesta entrevista, Mariano fala sobre seu ofício poético, sobre a crítica literária e diz que em sua poesia procura não se alistar em nenhum regimento de combate de linhas estéticas. "Para mim, o mais importante é identificar afinidades do que diferenças", afirma.

Você está lançando "Guarda-chuvas esquecidos", depois de "Te odeio com doçura" e "O Gozo Insólito". O que podemos encontrar de novo na poesia de Antônio Mariano neste volume de poemas? Um autor mais seguro em identificar material poético e transformá-lo em emoção, assim quero acreditar. São passados 21 anos desde que publiquei meu primeiro poema após conquistar o primeiro lugar do I Concurso de Poesia do Sesc (PB). Desde então, acompanho atentamente o que se passa na Paraíba e fora dela em literatura, freqüento lançamentos, eventos, livrarias e bares, estreito amizade com pessoas do meio. O tempo, as companhias certas e as leituras, principalmente de mundo, têm sido os melhores professores. O principal se mantém como a predileção por certos temas, sonoridades e modos de ver e dizer. A tônica primordial dessa nova obra é certamente a retomada de dados emocionais caros que até então nem dava por eles.

O intervalo entre seu último livro e o próximo foi grande. Por que você passou tanto tempo para investir em um novo livro de poemas? Realmente, meu último livro foi publicado há dez anos, o que me fez mais que bissexto. Mas o intervalo foi essencial à reflexão de minha poética, para onde levá-la, que projeto estético abraçar. Eu não tinha isso bem claro naquele tempo, embora o tivesse implícito de certa forma. O momento seguinte foi muito importante. Fui alcançado pela era da Internet, o que facilitou muito os diálogos com nomes destacados da poesia e da crítica e a divulgação, fazendo a obra circular em listas de discussão, páginas especializadas e agora nos blogues. Então, o intervalo nesse caso é mais do que justificado. Claro que eu tentei fazer o livro sair antes, inscrevendo-o em concursos que premiavam a obra vencedora com a edição, mas não estava na hora ainda e isso não foi mau.

Sua poesia atual vem encontrando boa receptividade da crítica nacional, como o escritor Cláudio Daniel que a apresentou como uma das boas novidades do cenário poético na revista lançada pelo Itaú Cultural durante evento promovido ano passado em São Paulo. Como você recebe isso?

Com alegria e com leve surpresa. Digo leve porque, quando a gente se dedica a tal coisa, é natural que espere algum reconhecimento, embora a contrariedade da expectativa não seja descartada. A publicação do ensaio Palavras tatuadas (notas sobre três poetas jovens brasileiros) na Revista Rumos ajudou um pouco. Ali, Cláudio Daniel se detém sobre a poética de três nomes que na visão dele representam algo de novo na poesia brasileira atual: eu, o ainda inédito cearense Eduardo Jorge e a pernambucana Micheliny Verunschk, que ficou entre os dez finalistas do Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira 2004. A revista foi lançada na abertura do evento Encontros de Interrogação, com centenas de escritores e convidados presentes. Foi muito providencial à circulação de meu nome e de minha poesia.

Aliás, seu livro traz prefácio de Cláudio Daniel e orelhas de Fabrício Carpinejar. Duas tendências da atual poesia brasileira completamente díspares. Como conciliar esses contrários em sua poesia?

São autores que têm conquistado um público e um respeito da imprensa cultural, incluindo a crítica, pelo trabalho que vêm realizando. Isso fala pela validade de suas experiências poéticas, que não são tão diametralmente opostas assim, embora cada um tenha o seu modo de perceber e de fazer poesia. Possivelmente os pólos da discórdia estejam no rompimento de um significativo número de escritores, entre os quais Daniel se inclui, com a publicação O Rascunho, do Paraná que ao que parece assume uma certa intolerância contra o que é experimento de linguagem. Carpinejar é colaborador fixo do jornal e há quem faça esse elo das oposições a partir daí, o que acho não ser justo. Esta minha decisão de juntar esses criadores apresentando a minha obra se dá principalmente para marcar a minha posição sobre isso, que é o de não me alistar em nenhum regimento de combate de linhas estéticas. Para mim é mais importante identificar afinidades que diferenças, fazer a minha poesia circular de uma ponta a outra, sendo apreciada onde o diálogo se exercer melhor.

Como foi participar de um evento como o promovido pelo Itaú Cultural?

Uma experiência inesquecível. Ter sido chamado para integrar o debate sobre transgressão estética me trouxe bons espantos. Foi uma ótima surpresa estar entre nomes expressivos como Glauco Mattoso, Sebastião Nunes, Contador Borges, mediado por Jomard Muniz de Britto e tendo minha criação associada a este comportamento.

O título de seu livro novo é uma bela sacada poética. Por que a escolha desse título para designar a nova coletânea poética?

Guarda-chuvas esquecidos, que ora está sendo lançado pela Editora Lamparina do Rio de Janeiro, é o nome de batismo de uma reunião de peças que refletem em sua maioria as perdas e os reencontros, fatores temáticos marcantes desde o início em minha obra. Consta de cinco partes: Pretéritos, Dispersos, Desorientações, e a breve antologia dos meus dois livros anteriores chamadas de Primeiro resgate e Segundo resgate. O título, que me chegou de presente numa de minhas caminhadas, foi dado pela escritora neozelandesa Katherine Mansfield. Ela tem um conto chamado Je ne parle pas français, onde em determinado trecho o personagem principal fala que seu pequeno livro de poemas (no original, Left Umbrellas) foi muito bem recebido. O que era ficção ali, fiz realidade aqui. Quisera também que as conseqüências fossem bom augúrio nesse caso.

Você se considera um poeta inventivo?

Olha, no dia em que ficar determinado que o artista é um seguidor de fórmulas que deram certo, estou fora, vou plantar bananeiras. Como Augusto de Campos, defendo que poesia tem que ser risco, não há outra saída. E não existe pretensão nesse propósito, tão natural eu acho tal convicção. Assim, não há como negar o pressuposto da invenção, de poder acrescentar algo singular quando começo a escrever um poema, uma história. Mesmo que tenha que quebrar a cara em 99,9% das vezes e pague muito caro por isso.

Que elementos de vanguarda podem ser encontrados em sua poética?

Honestamente, eu não saberia responder a esta pergunta. Quando escrevo penso no que já foi acrescentado e o que posso fazer para não repetir, para não me repetir nas maneiras de dizer. E me vem à mente todas as contribuições dos barrocos, dos românticos, dos parnasianos, dos modernistas, futuristas, surrealistas, concretistas, experimentalistas passados e presentes. Então penso no que devo fazer para não parecer ultrapassado nem manjado ao pensar que estou descobrindo a pólvora da expressão. Até onde minha poesia absorve essas contribuições, convém aos leitores apontarem. O que me preocupa é que o que faço não seja arrogante nem ingênuo, olhe sempre o que foi feito pelos outros e não perca nunca a atualidade. O que me propus a exercitar até aqui sem exageros formais.

Aliás, temos realmente uma poesia inventiva, ou tudo não passa de mídia feita por autores que vêm surgindo no cenário poético atual?

Se olharmos o que é produzido a toque de caixa, sem a mínima originalidade, sem alma alguma, temos que nos convencer que há um coletivo de poetas que merecem essa cunha. Até autores que já realizaram coisas grandiosas estão se perdendo, e o que fazem não tem mais aquela marca significativa. É preciso atentar que a dita poesia de invenção vem de um conceito bastante vasto e não é nenhuma escola com regras fixas a ser seguidas. É aí precisamente que está a diferença. Podemos encontrar muitos autores que hoje fazem parte da tradição e que contextualizados significaram exemplos apreciáveis de inventividade como o próprio Drummond.

Na Paraíba, temos alguns autores já consolidados, como um Sérgio de Castro Pinto, e outros que começam a se impor e aparecer no cenário local ou nacional. Como você avalia a receptividade da crítica local à sua atividade literária?

A crítica local, a partir dos poucos registros que há a respeito de meu trabalho, sempre pôs a minha escrita na condição de incipiente. Exceção é o professor Chico Viana, que escreveu um significativo ensaio sobre meu último livro. Ademais, não há como negar as posturas de competição aqui e além, o que não me surpreende em nada. Fora daqui, entretanto, recebi muitos comentários entusiastas vindos de grandes nomes da literatura nacional. Contraditoriamente, há 21 anos escuto dizerem que estou começando. Isto não me incomoda porque cabe ao meu projeto responder por isso. Nenhum rancor. Tenho no recomeço o meu ponto de rotação.

A propósito, temos uma crítica literária que reconhece a qualidade de uma obra literária sem se ater basicamente ao que já está consolidado?

A referência da crítica é naturalmente o canônico. Não poderia ser o contrário. Mas há olhares inteligentes indo além desse ponto. Principalmente aqueles não provenientes da Academia, como alguns poetas e escritores que também pensam sobre suas leituras. Certamente estão acrescentando muito no sentido da não primazia da visão acadêmica, muitas vezes estanque num círculo vicioso, restrita a uma minoria.

Mariano, além de poeta, você também é um grande ativista cultural. Ano passado, você implantou o Projeto Tome Poesia, reunindo uma boa afluência de público para discutir e ouvir poesia. Queria que você falasse da experiência desse projeto.

Realizamos 20 encontros com poetas que foram ao Parahyba Café, na Capital paraibana, falar de sua história com a poesia, ler seus poemas e conversar com o público. Tentamos aliar o prazer a um ato pedagógico que é pensar a criação. O projeto deu certo, apesar de não ter contado com suporte financeiro. Terá continuidade na intenção primeira de aproximar o autor do público, incentivar e manter o gosto pela poesia. Conseguimos criar um público cativo que só tem crescido a cada encontro.

Pela experiência do projeto, você diria que a poesia ainda tem público em pleno século XXI, numa geração dominada pelo áudio-visual?

Quem viu ou teve notícia dos festivais constantes de poesia falada, que acontecem mundo afora e começam a tomar o Brasil, não terá dúvida quanto a isso. Veja-se o caso do Festival Internacional Poesia de Medellín, na Colômbia, que reúne anualmente milhares de pessoas em praças públicas para ouvir os poetas recitarem. Isto é de encher a boca e os olhos d'água. Não preciso dizer mais.

Existe uma faceta literária sua que é pouca divulgada, a do contista. Quando ela vai dividir espaço com o poeta?

Escrevo prosa de ficção praticamente desde que escrevo poesia. Com um conto, venci em 1986 o Concurso Jovem Escritor promovido pelo Correio das Artes e a Secretaria de Cultura do Estado da Paraíba. Logo após tornei a publicar neste mesmo suplemento e numa antologia do Ministério do Trabalho. Na década passada eu tive uma menção honrosa no Concurso do CAAP, o que rendeu a publicação de um livro com os autores destacados. João Silvério Trevisan já coordenou um debate sobre um conto meu em seu Balaio de Textos, no site do Sesc-SP. Em 2004 criei uma lista de discussão na internet que reúne contistas paraibanos novos e veteranos. Isto resultou na organização de uma antologia que chamou a atenção de editoras do sudeste que acenam em publicá-la ainda este ano. A minha incursão pelo gênero está reunida em um volume. Estou fazendo alguns retoques antes torná-la definitivamente pública.


(Correio das Artes, edição de 19,20 de março de 2005. O Correio das Artes é um suplemento literário que circula encartado semanalmente no Jornal A União, da Paraíba. Fundado em 1949, é o mais antigo em circulação no pais. As matérias publicadas aqui podem ser reproduzidas, desde que citadas a fonte. Colaborações podem ser enviadas para o e-mail: linaldoguedes@uol.com.br)
 



Antonio Mariano de Lima
Leia a obra de Antônio Mariano

 

 


 

13/10/2005